10 Julho 2020
Em 2013, a International Finance Corporation, braço do Banco Mundial voltado ao fomento do setor privado, injetou US$ 85 milhões na Minerva.
A reportagem é de Naira Hofmeister, publicada por Mongabay, 08-07-2020.
O recurso deveria sustentar a ampliação do frigorífico no Brasil, Paraguai, Uruguai e Colômbia, e veio condicionado à implantação de um plano de ação ambiental e social em todos os países.
O investidor sabia que atividades da Minerva representavam riscos socioambientais, incluindo desmatamento, trabalho infantil ou forçado e conflitos de terra.
Sete anos depois, a empresa tornou-se líder em exportações de carne bovina na América Latina, mas ainda convive com incertezas sobre a origem de seus produtos, o que leva entidades a sustentarem que as irregularidades se mantêm.
Um investimento de 85 milhões de dólares feito pelo Banco Mundial em 2013 no frigorífico brasileiro Minerva resultou em uma potente expansão da empresa na América Latina. Mas, sete anos após sua realização, as contrapartidas socioambientais não avançaram na mesma velocidade. Enquanto o lucro líquido da companhia triplicou no período, as promessas de livrar sua cadeia de produção do desmatamento e do trabalho escravo ainda não se concretizaram plenamente.
“A Minerva não tem cumprido à risca seus compromissos com o meio ambiente”, acusa Adriana Charoux, a porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.
“Na área de trabalho forçado não avançaram”, complementa Alex Praça, integrante da Confederação Sindical Internacional (CSI), sobre a incursão da empresa no Chaco paraguaio. “Deveriam ter uma atitude muito mais proativa.”
Os problemas estão interligados e, em ambos os biomas, não são exclusividade da Minerva. Mas a posição mercadológica da companhia brasileira, líder em exportação na América Latina e uma das gigantes do segmento – e sobretudo o fato de carregar o selo de “única empresa do setor” atualmente financiada pelo International Finance Corporation (IFC), o braço de fomento ao setor privado do Banco Mundial – impõem pressão maior sobre seus resultados.
O IFC se associou ao frigorífico Minerva em setembro de 2013 através de duas operações. Com 25 milhões de dólares, adquiriu 3% do capital social da empresa. Também ofereceu 60 milhões de dólares em um empréstimo à companhia, que ela deveria devolver no prazo de dez anos, em abril de 2023. Mais da metade da dívida já estava quitada em 31 de março de 2020.
O investimento não foi feito no escuro – pelo contrário, consumiu “muitos anos” de discussão, segundo informou à Mongabay o próprio IFC, que perseguia um padrão de exigência socioambiental capaz de amenizar a experiência negativa de sua primeira incursão na indústria frigorífica brasileira: em 2009, precisou cancelar um empréstimo de 90 milhões de dólares ao grupo Bertin dois anos depois de contratado, quando a empresa foi incluída na operação Carne Legal do Ministério Público Federal, que revelou irregularidades na cadeia da carne brasileira e enquadrou seus principais atores – a Minerva também estava entre eles.
Não à toa, a classificação do novo projeto estampou a categoria A, o mais alto nível de risco socioambiental aceito pela instituição. “As atividades da Minerva na Amazônia e no Chaco podem oferecer riscos significativos, irreversíveis e sem precedentes, decorrentes de seus fornecedores de gado, que incluem desmatamento, trabalho infantil ou forçado e invasão de terras de povos indígenas”, anotam os técnicos do IFC no site de transparência da entidade.
Sete anos depois, essas seguem sendo as maiores fragilidades do contrato, apesar do minucioso plano de ação socioambiental que está em execução desde a sua assinatura. “A Minerva avançou radicalmente em seus indicadores de saúde e segurança do trabalho, qualidade em meio ambiente, emissões atmosféricas, efluentes tratados. Isso se deve à régua elevada do IFC, que muitas vezes impõe exigências acima do que determinam os próprios países onde atuamos”, elenca Taciano Custodio, head de Sustentabilidade da companhia, referindo-se à expansão das atividades da empresa, hoje presente no Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai, Colômbia e Chile.
Na Amazônia, que fornece 40% dos animais abatidos ou exportados vivos pela Minerva, permanece o problema do rastreamento da cadeia de produção: assim como outros grandes produtores de carne, a Minerva registra a origem dos rebanhos apenas na última fazenda pela qual passam seus animais antes do abate. Mas esse controle não basta em um sistema que inclui uma infinidade de fornecedores em múltiplas etapas (cria, recria e engorda), com diferentes portes e níveis de profissionalização.
Na cadeia, podem entrar tanto os pequenos produtores quase informais, que têm poucas vacas e baixa produtividade, até fazendas enormes, onde a inseminação artificial é a norma e são aplicadas técnicas de bem-estar para os animais.
“O fornecedor indireto é aquele que tira a cria e vende para fazenda de engorda, onde o animal permanece antes de ser comercializado para o frigorífico. Não sabemos o que está da porteira da última fazenda para trás”, explica o procurador da República Daniel Azeredo, que chefia o programa Amazônia Protege no Ministério Público Federal e comandou as investigações da operação Carne Legal.
Densidade de cabeças de gado por quilômetro quadrado. A mancha mais escura na borda da Amazônia coincide com o Arco do Desmatamento, onde estão concentradas as principais fazendas fornecedoras da Minerva.
O problema com os fornecedores indiretos já havia sido detectado em 2009, quando os frigoríficos brasileiros aderiram ao Compromisso Público da Pecuária. No pacto setorial, convocado pelo Greenpeace, as empresas aceitaram a obrigatoriedade de “comprovar de forma monitorável, verificável e reportável que nenhum de seus fornecedores indiretos, que tenha desmatado no bioma Amazônia após a data de referência deste acordo, faz parte de sua lista de suprimento”.
A exigência passaria a valer em 2011, mas segundo Adriana Charoux, do Greenpeace, as empresas “não fizeram nada neste sentido”: “E ainda dizem que monitoram 100% dos seus fornecedores, o que não é verdadeiro, uma vez que monitoram apenas os diretos. Um dado de outro frigorífico revelado em um seminário do Global Roundtable for Sustainable Beef revelou que 50% da cadeia vem dos indiretos”, lamenta.
Também desde 2009 o controle dos indiretos está previsto nos Termos de Ajustamento de Conduta promovidos pelo Ministério Público Federal após a operação Carne Legal. “Todos os TACs abrangem fornecedores indiretos, pois cobram a inexistência de irregularidades ambientais desde a origem do gado. O problema é a dificuldade de monitorar e fiscalizar”, admite o promotor da República no Pará, Ricardo Negrini. No estado, os dados de transporte de gado não estão disponíveis para consulta pública – e os frigoríficos reclamam que, sem essa ferramenta, não conseguem fiscalizar toda a cadeia.
Conhecendo esse cenário, o plano de ação socioambiental formulado em conjunto pela Minerva e pelo Banco Mundial determinou a implantação de um projeto-piloto para aprimorar os programas de rastreabilidade do frigorífico. “Se for bem-sucedido, será uma mudança de paradigma na região”, assinalou o IFC sobre suas expectativas.
Mas, por enquanto, a proposta fracassou. “Fizemos testes com propriedades em Rondônia, mas infelizmente não foi viável financeiramente a rastreabilidade completa e o escalonamento da técnica”, revela Custodio, da Minerva. Por outro lado, a empresa se orgulha de possuir hoje “o maior volume de fazendas e fábricas certificadas pelo protocolo de alimentos orgânicos dos Estados Unidos” – todas do tipo ciclo completo, que cuidam dos bezerros desde o nascimento e entregam o animal adulto para o abate, sem que ele passe por intermediários.
A próxima aposta do frigorífico será em uma ferramenta de monitoramento desenvolvida por uma universidade norte-americana, que abrange o fornecimento indireto. “Vamos ser pioneiros no uso dessa tecnologia”, anuncia o executivo de Sustentabilidade da companhia.
No Brasil, quando uma fazenda é bloqueada por desmatamento ilegal, ela pode continuar a fornecer gado aos frigoríficos utilizando documentação fria. É o que as autoridades chamam de “lavagem de gado” e que pode ter acontecido com a Minerva, segundo evidências recentes encontradas por organizações não governamentais.
Em 28 de abril, uma investigação realizada pela Repórter Brasil e pela Earthside revelou que um fornecedor da Minerva em Rondônia havia movido 54 cabeças de gado de uma fazenda embargada para outra regularizada instantes antes de repassar a mesma quantidade de animais a um abatedouro da companhia. “Os documentos detalhando a transferência dos 54 bovinos da fazenda embargada para a fazenda fornecedora da Minerva foram emitidos entre as 10:33 e as 10:40, enquanto os documentos para o transporte de 54 bovinos para a planta da Minerva foram emitidos sete minutos depois”, registra a reportagem.
A empresa esclareceu que, “de forma preventiva, não tem mantido relações comerciais” com o fornecedor, mas que a segunda fazenda segue habilitada para transações comerciais.
No início de junho, o Greenpeace encontrou movimentações semelhantes entre propriedades de Marcos Antonio Assis Tozzatti, fornecedor da Minerva, sendo uma delas dentro da área de um parque estadual de proteção integral no Mato Grosso. “Vamos apurar os fatos e, caso seja encontrada qualquer irregularidade, as providências cabíveis serão adotadas”, assegurou o frigorífico à Mongabay.
Para dificultar esse tipo de operação, a partir de julho o Ministério Público Federal vai instituir uma métrica para verificar se as fazendas estão repassando aos frigoríficos gado além de sua capacidade produtiva. Qualquer excedente ao cálculo será barrado.
Em nota enviada à reportagem, a International Finance Corporation defendeu que “100% das compras diretas da Minerva vêm de áreas de desmatamento zero no bioma Amazônia”. “O IFC acredita que a Minerva cumpre seus compromissos (relacionados a fornecedores diretos) e está aplicando com sucesso uma política rígida de compra a seus principais fornecedores, de acordo com nossos padrões de desempenho”, elogiou o banco.
Porém, um relatório de auditoria do Ministério Público Federal divulgado em novembro de 2019 apontou que ao longo de 2017 a empresa comprou 776 cabeças de gado de fornecedores diretos que não conseguiram comprovar sua regularidade. É um volume residual, 0,26% do total de compras no Pará, mas revela o tamanho do desafio que ainda persiste na cadeia da empresa – considerando que esse não é nem de longe o estado com maiores volumes de negócios.
Segundo o Imazon, em 2017 a Minerva era o 10º frigorífico com maiores riscos de adquirir carne proveniente de áreas desmatadas entre os que atuam na Amazônia. Uma análise feita pela reportagem a partir de dados da plataforma Trase e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais indica que entre 2015 e 2017, a empresa comprou gado em 91 dos 100 municípios campeões de desmatamento na Amazônia Legal. Juntos, esses municípios onde estão fornecedores da Minerva acumulam 380 mil km² de derrubadas desde que o Inpe monitora a região. É o equivalente à área da Alemanha. Um estudo da Trase mostrou que dois terços de tudo o que é derrubado anualmente na Amazônia vira pasto.
No Chaco, uma vasta área que se estende da Bolívia à Argentina, o maior problema são as fazendas no Paraguai. Embora a Minerva já possua o mapeamento de 50% das propriedades que abastecem suas quatro indústrias no país, a bovinocultura segue sendo o principal fator de desmatamento da vegetação local, segundo o monitoramento levado a cabo pela ONG Guyra Paraguay. Lá também há conflitos decorrentes de reivindicações pelo direito à terra feitas por indígenas, em muitos casos em áreas ocupadas por fazendas de gado.
Entre 2012 e 2019, 22% do bioma desapareceu, cedendo lugar a atividades agropecuárias. “É uma prática extensiva nesta região, com propriedades que variam entre 2 mil e 300 mil hectares”, explica Fabiana Arévalos, coordenadora do programa.
Em uma visita técnica recente à localidade, a Organização das Nações Unidas coletou relatos de “muitos casos de trabalho forçado”. O relatório da ONU traz dados de uma pesquisa oficial do estado paraguaio feita em 2015, que descobriu que 75% dos habitantes de áreas rurais entre 5 e 17 anos, que trabalhavam na agricultura ou pecuária, estavam envolvidos em “uma ou mais formas de trabalho infantil”. Mas segundo Alex Praça, da CSI, “tem sido muito difícil vincular eventuais denúncias de trabalhadores com as cadeias de valor das empresas porque não se conseguem registros das relações comerciais das fazendas com os frigoríficos”.
No Brasil, 32% dos resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão acontecem em criações de bovinos para corte, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT). Os dois casos nacionais de exploração de mão de obra que chegaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos eram de homens escravizados em fazendas de gado no Pará. “Infelizmente, não conseguimos enquadrar a cadeia de suprimentos como casos de responsabilidade solidária, apenas com funcionários terceirizados isso é possível. Mas estamos trabalhando para dar mais esse passo”, revela Lys Sobral, coordenadora nacional de erradicação do trabalho escravo do MPT.
No Uruguai, onde a rastreabilidade individual do rebanho é uma realidade e os sindicatos são poderosos, o problema é justamente na relação com as organizações de trabalhadores. “Desde que a Minerva comprou o frigorífico Pul, em 2011, tivemos problemas antissindicais na empresa, ataques permanentes inclusive com uma demissão depois revertida na Justiça”, revela Luis Muñoz, secretário-geral da Federación Obrera de la Carne.
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Frigorífico cresce com ajuda do Banco Mundial, mas falha em reduzir impacto na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU