08 Junho 2020
"Eu pensei que aquele jejum deveria ser vivido em toda a sua intensidade, sem deixá-lo escapar em nenhuma de suas potencialidades. Cedo ou tarde, o culto teria sido concedido a nós novamente, mas por que desperdiçar a oportunidade?", escreve Ruggiero Lattanzio, padre italiano, em artigo publicado por Settimana News, 04-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Pandemia. De repente, fomos catapultados para uma situação paradoxal que nos confrontou com situações completamente novas, às quais tivemos que reagir com o agravante da emergência. Até a comunidade cristã refletiu e, junto com ela, também nós, presbíteros. Entre as primeiras reflexões, é claro, surgiu a consternação dos fiéis leigos privados da celebração eucarística. Essa também foi uma situação paradoxal, embora não tenha sido ideal nem voluntariamente procurada. O grito dos mártires de Abitene sempre permanece válido para todos e para todas as situações.
Não faltaram comentários abundantes, opiniões muito diferentes e divergentes.
Houve quem se lançou contra o silêncio da Conferência Episcopal ao se adaptar supinamente às disposições do governo. Outros recorreram a profecias apocalípticas de todos os tipos.
Houve quem exaltou a virtude da prudência. Outros se aventuraram em debates teológicos escorregadios sobre a corruptibilidade (e, portanto, a "contagiabilidade") das espécies eucarísticas.
Houve aqueles que apostaram decididamente nas transmissões ao vivo no YouTube ou em outras redes sociais, outros que, ao contrário, as acusaram de ser a pior das iniciativas.
Houve quem propusesse celebrar liturgias domésticas e outros que esperavam que o jejum eucarístico fosse completo: seria bom que todos os presbíteros tivessem parado de oferecer a Eucaristia, tornando-se solidários com o povo.
Houve até quem afirmasse que as Eucaristias celebradas "sem povo" teriam sido inúteis, talvez ilícitas ou até sacrílegas, de acordo com a opinião de que "o povo reunido é a substância do sacramento da Eucaristia".
Essas são apenas algumas das muitas opiniões que apareceram em blogs e revistas católicos. Não posso negar que todas essas reflexões não me deixaram indiferente. Algumas me levaram a me questionar, outros fizeram com que me sentisse julgado, outros ainda me magoaram. Por um momento, também acreditei ter estudado mal a teologia. Mas então lembrei que a busca pela verdade surge do diálogo e do confronto, na dinâmica do lema paulino omnia probate, bonum tenete (1Ts 5,21) e que, acima de tudo, tudo é útil para minha conversão.
Por mais diversificadas e nem sempre compartilháveis, considerar a abundância de opiniões resultou agradável para mim, porque realmente emergiu, como ensina o Concílio, que a liturgia é a fonte e o cume da vida da Igreja (cf. SC 10). De fato, a Eucaristia é o centro da Igreja, se sua privação despertou tantos sentimentos: se mexer na Eucaristia, se mexe em tudo!
Ao mesmo tempo, acredito que, quando se trata da Eucaristia, deve sempre ser feito com humildade, sem pretender possuir a verdade absoluta. Demasiadas palavras sobre isso, com um certo estilo expressivo, poderiam ter o gosto do sacrilégio. Especialmente, se os debates sobre ela se tornarem pretextos para expressar nossas frustrações ou facções. Por esse motivo, acredito que seja oportuno falar sobre ela (e vivê-la) sempre com humildade e na dinâmica do dom.
Eu também gostaria de compartilhar meus sentimentos, quase como um diário da minha "experiência sacerdotal pandêmica". Certamente não tenho as habilidades necessárias para entrar nos meandros mais sutis dos debates; talvez me escapem alguns detalhes teológicos mais refinados. Sou um simples pároco, a serviço de uma paróquia comum de periferia. Talvez minhas considerações possam ser tidas como óbvias, até simplistas, mas sinto apenas a alegria de contar como o Senhor me permitiu ser sacerdote nessa situação.
"Ser" sacerdote, antes de tudo. Porque a limitação estrita, que também se tornou ministerial, não deixou muito espaço para "atuar" como sacerdote. Toda situação é uma ocasião, e toda ocasião é uma graça. E, para mim, presbítero, acho que o Senhor tenha dado a graça específica de reconsiderar a beleza da vocação recebida, como estímulo para a sua remotivação e purificação.
Li sobre uma mulher de quarenta anos, médica e mãe de dois filhos, cujo hospital foi dedicado ao atendimento da emergência Covid-19. Ela, como muitos de seus colegas, teve que tomar a decisão drástica de sair de casa. De manhã, trabalhava sem parar, à noite dormia sozinha, em uma casa alugada, cujas despesas também teve que assumir. Por um longo tempo, não conseguiu mais ver o marido e os filhos, sem saber por quantos meses essa situação insuportável duraria: não apenas trabalhar nas trincheiras, com sérios riscos à própria saúde, mas também com o alto custo emocional de renunciar aos afetos mais próximos. Escolha difícil e contraditória: afastá-los para protegê-los.
E, como a dessa médica, conhecemos as histórias de muitos outros, trabalhadores de todos os setores, que tiveram que fazer escolhas inumanas, porém nunca tão humanas. Afastando-se de seus filhos e cônjuges, desencadearam uma situação incrível: suspendendo forçosamente e temporariamente a paternidade e a parceria, talvez nunca como nesse período eles os viveram mais plenamente. Certamente não é uma situação ideal ou algo que possa ser buscado voluntariamente, mas fez aflorar um amor maior.
É verdade. Eu me senti privilegiado. Ao contrário de todas as pessoas, privadas de contato físico com os sacramentos, continuei a celebrá-los. As palavras da II oração eucarística soaram altas para mim: "por nos ter admitido à sua presença para realizar o serviço sacerdotal". Celebrei "sozinho" por mais de dois meses.
Muitos criticam como escândalo quando um padre diz que celebrou "sozinho". De fato, acredito que todos os presbíteros, nenhum excluído, tenha celebrado "sozinho" durante esse período. Eu também, objetivamente, não estava totalmente sozinho, tendo o seminarista da paróquia que participou da Santa Missa quase todos os dias.
Então, a partir do Domingo de Ramos, nós padres paroquiais puderam envolver, apenas nos dias festivos, as 5 ou 6 pessoas necessárias para o mínimo do decoro litúrgico. Para ser honesto, deve-se admitir que mesmo uma celebração permitida a 5 ou 6 fiéis deveria ser contada entre as "celebrações sem o povo". Até os funerais com 15 presenças. Mesmo agora, terminado o lockdown, com o ingresso contingenciado nas igrejas.
Certamente não podemos dizer que essas são celebrações comunitárias em sentido pleno, mas sim celebrações elitistas, nas quais os participantes podem ser admitidos com os critérios mais diversificados. Enquanto tivermos uma cota de presenças permitidas nas igrejas, mesmo que um único fiel seja obrigado a voltar para casa sem ter acesso à liturgia, não creio que seja correto falar plenamente em "celebrações com o povo".
Todos sabemos que a celebração eucarística sem o povo não é ideal. Não é o ideal, assim como não é o abandono da mãe médica que se afastou dos filhos e do marido. Ninguém o escolheu; nós fomos obrigados. E eu também, como aquela mãe, senti a pungente ausência da comunidade, pela qual vivo. No entanto, posso dizer que, nesta situação paradoxal - não ideal, não procurada e a não ser procurada - Deus, em mim sacerdote, revelou a essência de minha responsabilidade.
Sempre existiu, eu sei muito bem, mas agora foi posta a descoberto, talvez para que eu a perceba mais e a aprecie. Não escolhi afastar o povo, muito menos o fiz porque pensei que poderia ficar sem minha noiva. Toda a sociedade ficou parada para proteger o imenso dom da vida. E nós, presbíteros, também ficamos parados "para dar a vida". Mesmo nesta parada forçada, vivemos nosso celibato, o que é verdadeiro apenas quando é generativo.
Eu refleti e reapreciei a verdade do corpo místico da Igreja. O concílio ensina que a Igreja é "visível, mas dotada de realidades invisíveis" (SC 2). Muitas vezes, talvez, eu tenha me detido em uma visão funcional e material demais da Igreja. Como se a Igreja não tivesse transcendência. Mas nesta situação, experimentei mais do que nunca que, precisamente em virtude do corpo místico, todo o povo sempre esteve presente comigo nas celebrações. Aliás, paradoxalmente, talvez nunca tão intensamente quanto naquele momento.
Confesso: a celebração da Eucaristia foi muito longa todos os dias. Eu não tinha limites de horários para respeitar ou outras urgências pastorais a atender. Eu não tinha ninguém perto de mim, mesmo assim sentia a presença de todos. Sentia-me responsável por representar todo o povo santo de Deus: todas as pessoas que, todos os dias, me contatavam por telefone e através de mensagens para me confiar suas intenções, medos, expectativas. Os rostos de crianças, famílias, idosos e doentes passavam pela minha memória.
Ao preparar as oferendas, parava para lembrar todos os nomes daqueles pelos quais pretendia orar. Colocava-os no cálice e na patena, que se tornavam pesadíssimos para levantar. Alegrias, tristezas, tribulações, esperanças, tudo oferecido junto com o pão e o vinho, "para que nosso sacrifício seja aceito pelo Pai Todo-Poderoso".
O Concílio ensina que "da Liturgia, pois, em especial da Eucaristia, corre sobre nós, como de sua fonte, a graça, e por meio dela conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e a glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu fim, todas as outras obras da Igreja" (SC 10).
A promessa feita no dia da ordenação sacerdotal, na qual me pediram "especialmente no sacrifício eucarístico [...]louvor a Deus e a santificação do povo cristão", muitas vezes voltou ao meu coração. É claro que a salvação é operada por Cristo e nos beneficiamos apenas em virtude de seus méritos, mas precisamente a continuação no espaço e no tempo dessa oferta é a razão pela qual fui chamado pelo Senhor.
Fiquei surpreso com aqueles que acharam que fosse oportuno suspender a celebração da missa. Essa ação é específica do meu ser presbítero. Como eu poderia parar de celebrar? Esse é o específico do meu "trabalho" sacerdotal diário; mesmo que nessa contingência tenha se tornado invisível e solitário, o mundo continuou a desfrutá-lo incessantemente. É minha tarefa peculiar na Igreja e no mundo. Como todo trabalhador, todos os dias, acorda de manhã cedo e faz seu trabalho com fidelidade e suor, aportando para a sociedade sua contribuição específica, assim também eu fiz com essa opus Dei. Eu presbítero existo para isso.
Ainda me lembro, durante um curso de exercícios espirituais, que o professor Giraudo, meditando sobre a missa, com imagens vivas descrevia o sacerdote cansado que chegou ao fim da oração eucarística, ofegante, quase suado, por carregar o peso de toda a humanidade a ser inserido no santo sacrifício.
Quem me pede para colocar essa tarefa específica em segundo plano, ou até mesmo pede que eu a suspenda, está me pedindo para recusar minha própria identidade, porque talvez não a conheça ou não possa apreciá-la. Eu presbítero, celebrei, com ou sem o povo, não para fins particulares ou devocionais, mas com um coração orientado para o bem das comunidades. Eu estava sozinho, mas nunca fiquei sozinho.
Quantas eucaristias na história foram celebradas sem a presença física de uma assembleia? Novamente, não de maneira intencional. Mas como podemos duvidar de sua eficácia?
Poderíamos, por acaso, dizer que foi ineficaz a Eucaristia celebrada por Saint Jean de Brebeuf e por Santo Isaque Jogues, em algum altar improvisado nas florestas remotas e cobertas de neve da América do Norte, enquanto ofereciam sua vida para a evangelização entre os Hurões e os Iroqueses, no século XVII? Não foi a oferta dessas celebrações misturada com a oferta de sua vida missionária a "estratégia" mais eficaz para que o desejo de Cristo de que a salvação de todos se realizasse naquelas terras distantes?
Talvez a Eucaristia, celebrada e adorada pelo Beato Charles de Foucauld em sua tenda no deserto durante os longos anos passados com os tuaregues, foi ineficaz? Naquela solidão, no horizonte sem fronteiras do Saara entre a Argélia e o Marrocos, em uma companhia quase inteiramente islâmica, seu eremitério tornou-se um oásis eucarístico. Presença silenciosa, invisível, incompreendida, incompreensível, mas verdadeiro centro do mundo, eficaz para a instauração da fraternidade universal.
E o que dizer das eucaristias celebradas pelo cardeal vietnamita Van Thuan nos 13 anos de cativeiro, 9 dos quais de isolamento? Ele continuou a celebrar a Santa Missa de maneira clandestina, sozinho, em uma cela de 1,5 metro quadrado, com uma gota de vinho apoiada na palma das mãos e um pequeno pedaço de pão. Ele proferia de memória o que se lembrava dos textos do missal. A ausência do povo e o exercício pastoral levantaram dúvidas sobre a utilidade de sua própria existência, mas foi na Eucaristia que ele recuperou o essencial, o ter sido chamado, ou seja, para servir a "Deus, e não as coisas de Deus".
Também hoje existem celebrações eucarísticas que veem a participação de muito poucos ou nenhum fiel. Como os oferecidos por padres doentes ou idosos; ou aqueles celebrados pelas comunidades católicas esparsas da Noruega ou em outros países de minoria católica, ou pelas comunidades clandestinas de católicos chineses, sem esquecer aquelas dos cristãos perseguidos na Síria, em igrejas meio destruídas pelos bombardeios. Por quem são acompanhadas? Por muito poucos, de fato, às vezes, ninguém. No entanto, resultam em benefício do mundo inteiro. Obviamente, a eficácia não é dada pelo número de participantes "fisicamente presentes". Por outro lado, a maior parte da celebração da Liturgia das horas é vivida por leigos e clero de forma não comunitária, mas isso não significa que perca sua eficácia.
Essa experiência me obrigou a me libertar de uma orientação de "eficientismo litúrgica". E me perguntei: não é que a procura a todo custo da liturgia celebrada na presença física (ou virtual) da assembleia revela antes um meu desejo velado de visibilidade, do qual não consigo me libertar? Por que quero ser ouvido a todo custo, visto a todo custo, como se a salvação operada por Cristo "operasse" em virtude de minha pessoa? Quando eu celebro, por “quem” eu celebro?
Alguns disseram que a celebração sem a assembleia é a forma mais alta de manifestação do clericalismo. Mas o que é mais clerical? Celebrar sem a assembleia ou, melhor dizendo, querer a todo custo afirmar a presencialidade, mesmo que virtual, do presbítero? Essas são perguntas fortes que precipitaram sobre mim, mas que agradeço ao Senhor, porque me sinto purificado.
No início da pandemia, senti-me culpado como pastor. Provavelmente nunca me aconteceu de oferecer a meus fiéis as ferramentas essenciais para viver o sacerdócio batismal. E agora, de uma hora para outra, era necessário recuperar de alguma forma através de uma catequese webinar.
O único verdadeiro sacerdote é Cristo, porque única e irrepetível é a mediação entre Deus e os homens que somente ele pode oferecer. Jesus é vítima e sacerdote, aquele que oferece o sacrifício e o que é oferecido, e seu sacerdócio perfeito não precisa de mais nenhum complemento. No entanto, o sacerdócio de Cristo participa do sacerdócio da Igreja, que tem a tarefa de tornar Cristo presente no mundo. Através do batismo, todos os cristãos são feitos sacerdotes, na medida em que são inseridos no corpo de Cristo, consagrados para que, com sua presença no mundo, possam garantir a contínua manifestação de comunhão entre Deus e a humanidade. "Vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo (1Pt 2,5).
A pandemia foi a ocasião favorável por excelência, porque, mesmo em uma situação indesejada, os leigos foram obrigados a redescobrir o imenso dom do sacerdócio comum, a beleza do ministério batismal.
Pessoalmente, não achei oportuno transmitir streaming ao vivo da Eucaristia que celebrei na paróquia. Um primeiro motivo foi a ausência de ferramentas adequadas para poder oferecer um serviço de qualidade; mas então, pensando nisso, considerei que um jejum, se for assim, não pode ter substitutos. Se for jejum eucarístico, tinha que ser totalmente. Todos sabemos que a participação em streaming na liturgia, embora válido apoio à oração e à espiritualidade dos doentes, no entanto, não pode se equiparar absolutamente à participação ao vivo. A ausência é ausência. A privação é privação. Qualquer substituto é insuficiente.
Se acredito que tudo é graça, devo sempre e em toda ocasião acreditar nisso. Mesmo essa privação, por mais terrível que seja, no horizonte de Deus pode se transformar em uma graça maior. "O Senhor o deu, o Senhor o levou, bendito seja o nome do Senhor!" (Jó 1,21). Talvez essa privação - temporária - da liturgia possa ser usada pelo Senhor para fazer crescer no povo de Deus uma consciência tão pouco apreciada?
Tive medo que a insistência com as transmissões ao vivo pudesse fazer com que os fiéis perdessem a grande oportunidade de reavivar seu sacerdócio batismal: você tem que oferecer a vida. São Paulo diz: “Rogo-lhes, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês" (Rm 12,1). O templo é o teu corpo. O culto é a tua vida. Tu és a oferta. "Quando dou o que possuo, quando carrego minha cruz e sigo a Cristo, ofereço um sacrifício no altar de Deus. Quando queimo meu corpo no fogo do amor, então ofereço a mim mesmo como holocausto no altar de Deus. Quando amo meus irmãos até dar a vida por eles, quando luto até a morte por justiça e verdade, então torno-me sacerdote que oferece seu próprio sacrifício" (Orígenes, Homilias sobre Levítico 9,9) Somente quando você tem a oferta de si mesmo, você pode trazê-la para a celebração eucarística.
Durante esse período, as pessoas ofereceram. Ofereceram orações, medo de um contágio, dor pelas tantas mortes. Ofereceram uma renovada consciência da fragilidade. Ofereceram as tensões de um período intenso, embora curto, de limitações. Ofereceram a obediência a leis restritivas e às vezes incompreensíveis. Ofereceram a beleza da vida conjugal e familiar, com uma convivência forçada nunca antes tão prolongada. Ofereceram noites insones entre muitos pensamentos. Ofereceram o cuidado de um parente ou amigo que foi deixado sozinho. Ofereceram o entusiasmo por uma relação redescoberta ou restaurada, talvez por telefone. Ofereceram preocupação por algum filho distante. Ofereceram apreensão por algum trabalho arriscado. Muitos ofereceram sua solidariedade pelas necessidades emergentes dos irmãos. Muitos ofereceram seus propósitos para a conversão humana e cristã. Esses foram os motivos do ofertório tão longo.
Que fique claro. A forma ideal é o culto com a vida. Na pandemia, encontramos uma vida sem culto. Talvez essa situação possa nos fazer crescer com a consciência de que, se participarmos da missa sem trazer vida, nossas escolhas, alegrias, esforços, expectativas a oferecer no ofertório, de alguma forma falta aquela actuosa participatio solicitada pelo concílio. O que seria mais grave? Uma vida sem culto ou um culto sem vida?
Algumas experiências monásticas, como Camaldoli e Bose, sempre viveram e propuseram a forma do "jejum eucarístico": a missa não é celebrada todos os dias, para grande surpresa dos fiéis. É surpreendente que justamente os admiradores desse jejum não tenham conseguido colher os benefícios precisamente neste momento. Essa privação, longe de ser desprezo ou suficiência em relação à Eucaristia, é antes a possibilidade de se preservar do perigo de se acostumar a aquela da Eucaristia.
Em determinado momento da pandemia, alguém começou a pedir freneticamente um retorno às celebrações com o povo. Voltar a todo custo a celebrar juntos, para alguns, parecia um pedido imprudente; para outros, uma reivindicação justa contra um Estado que violou direitos essenciais da Carta Constitucional; para outros, parecia uma atitude impetuosa daqueles que se colocam com uma atitude de pretensão diante da Eucaristia (então o que muitos cristãos deveriam dizer a quem, para diferentes situações, é privado da Eucaristia por mais de dois meses?); outros ainda pensaram na oportunidade de redescobrir e apreciar a diversidade da liturgia, além da missa. Eu pensei que aquele jejum deveria ser vivido em toda a sua intensidade, sem deixá-lo escapar em nenhuma de suas potencialidades. Cedo ou tarde, o culto teria sido concedido a nós novamente, mas por que desperdiçar a oportunidade?
A privação podia se tornar - e creio que foi - uma ocasião para uma nova compreensão da Eucaristia. Aprender a oferecer vida, para um culto mais autêntico. Aprender a oferecer não apenas na emergência, mas aprender a oferecer todos os dias. Na coerência de uma vida completada pela oração, misturada por opções de legalidade, encimada por obras de solidariedade. A nossa vida cotidiana, os nossos compromissos concretos. É o material imprescindível para a participação eucarística. Não podemos levar o pão e o vinho se eles não tiverem vida (como seria fácil reduzir tudo a um ritual!). Porque assim como o pão e o vinho são alcançados pelo poder do Espírito, o mesmo acontece com a nossa vida. É necessária uma "transubstanciação da vida". O Espírito Santo nos torna "um só corpo e um só espírito" para prestar a Deus um sacrifício espiritual: a prática da caridade. É necessário passar de uma celebração apenas ritual para uma celebração existencial. Aqui estão alguns aspectos do renovado sacerdócio batismal.
Obviamente, também houve outros temas de reflexão, para mim e para a comunidade: por exemplo, saber responder às novas pobrezas que emergiram; a colaboração da comunidade cristã com as instituições civis e as associações leigas no serviço de emergência, cada um na especificidade de seus setores e modalidades; a necessidade de uma revisitação e purificação das numerosas atividades pastorais propostas no passado e a serem propostas (?) para o futuro. Estou ciente de que a vida pastoral do presbítero e da Igreja não se limitam ao aspecto litúrgico, embora ele seja sua fonte e a prioridade. Os outros aspectos da vida pastoral também passaram do meu coração e pelas minhas mãos, mas eu simplesmente quis focar apenas no ministério sacerdotal e no sacerdócio batismal, unidos pois inseparáveis, sendo os lados da mesma moeda.
Sou feliz por ser sacerdote. E sou feliz por ser um presbítero. Agradeço a todos os meus coirmãos sacerdotes que, com criatividade e zelo, embora de maneiras muito diferenciadas, quiseram dar sabor à vida dos fiéis com o Evangelho neste período de provação.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pensamentos soltos de um padre a partir da experiência da pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU