02 Junho 2020
Sem cultura, formação, pesquisa, um país é desprovido de futuro. Não é essa também uma das tantas lições imensas que esse vírus nos deu?
A opinião é de Massimo Recalcati, psicanalista italiano e professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado em La Repubblica, 29-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ela já estava à deriva antes, não nos esqueçamos. Já havia sido posta de lado, negligenciada, ofendida antes da deflagração da epidemia.
Exceto por breves parênteses, todos os governos que se seguiram nos últimos anos relegaram a Escola a uma posição marginal. É um fato. Nenhum governo foi capaz de colocar a Escola no centro da sua agenda e do futuro do nosso país [a Itália].
Então, não é por acaso que, no contexto difícil e cheio de armadilhas da reabertura, a Escola permaneceu nas sombras e apenas recentemente foi relembrada justamente por muitos como uma prioridade absoluta. Não é fácil defender isso com um país economicamente de joelhos como o nosso, onde as prioridades tendem fatalmente a se multiplicar. Mas devemos ter o olhar e o pensamentos longos. Seria preciso tentar, por uma vez, ser justos com a Escola.
A partir de onde deveria iniciar a reconstrução de um país, senão a partir da Escola? O problema atual não é só relativo à comunicação de decisões ministeriais incertas, que desorientam pelo seu caráter desordenado. É um verdadeiro problema de pensamento.
Poucos ainda pensam realmente que a Escola é o lugar a partir do qual é possível recomeçar o nosso país com ímpeto renovado. Poucos consideram realmente que a emergência da Escola investe sobre o nosso futuro de modo decisivo.
Por essa razão, a necessidade reabertura da Escola não tem apenas um significado de sustento vital para as famílias italianas, mas também seria o índice de uma vontade decisiva de aproveitar nesta terrível emergência a oportunidade para uma revolução cultural.
Não pensar mais na Escola como uma grande creche social, onde estacionamos os nossos filhos à espera de que o mercado opere a sua seleção natural, mas como aquele espaço ética e culturalmente decisivo em que a vida dos nossos filhos ganha forma, é educada à cultura da integração, da troca, da busca.
Sem uma boa Escola um país está morto. É tão difícil de entender? Não deveriam ser investidas aí as energias econômicas e humanas mais significativas? Nesta conjuntura traumática, a Escola foi esmagada.
O chamado ensino a distância imposto pela violência do vírus tentou compensar o vazio que foi aberto. As famílias tiveram que indiretamente substituir a sua ausência. Porém, é evidente que uma Escola fechada não é uma Escola. A Escola deveria sempre levar consigo a característica da abertura como sua característica fundamental.
Estamos nos iludindo, talvez, de que a tecnologia pode garantir um ensino eficaz em comparação com a vida real da Escola? Se pensamos que a Escola não é apenas transmissão árida de saber, mas também transmissão de cultura da cidadania, de pensamento crítico, de desejo de saber, a definição de “ensino a distância” só pode aparecer como uma drástica contradição em termos ou, como no caso das crianças, uma pura abstração.
O risco que eu percebo é o de uma adaptação passiva a uma situação que contradiz a essência da própria vida da Escola. Não existe transmissão didática do saber senão através de uma relação humana. A vida da Escola não se esgota apenas no aprendizado, porque o aprendizado ocorre sempre e somente dentro de uma rede de relações e de encontros. O saber que dá forma à vida é um saber que nunca está separado da relação.
A Escola não é acima de tudo o lugar da partilha dos saberes, dos discursos, dos rostos? Não marca a entrada da vida da criança no universo plural das línguas?
Também por essa razão, foi um erro não introduzir dispositivos simbólicos mesmo que mínimos para sancionar a promoção nas escolas secundárias. O nosso tempo é um tempo que tende a dissolver o ritual e o significado simbólico da “prova”, preferindo os atalhos, as ilusões de um sucesso rápido e sem verificações. A Escola, por sua vez, tem a tarefa de recordar que o tempo da “prova” é indispensável para marcar um percurso de formação.
Portanto, não se trata apenas de encontrar as medidas técnicas certas para garantir uma reabertura com segurança, mas também se trata de um esforço profundo de pensamento, da vontade política de colocar a Escola no centro da nossa reconstrução. Trata-se de inaugurar uma nova temporada cultural.
Por que a ministra [da Educação italiana] não convoca Estados Gerais da Escola, compostos pelos professores, pelos diretores, pelas associações de professores, pelos sindicatos da Escola e pelos intelectuais que se preocupam com o seu destino? Para mobilizar e reunir as melhores energias do nosso país para se gastar pelo seu futuro?
Sem cultura, formação, pesquisa, um país é desprovido de futuro. Não é essa também uma das tantas lições imensas que esse vírus nos deu?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Estados gerais para o “ano zero” da educação. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU