07 Março 2020
Goste-se ou não, o modo de proceder de Francisco colocou o Sínodo para a Amazônia em um limbo que se presta a todos os tipos de leituras: as vitoriosas dos conservadores, as decepcionadas dos progressistas e as possibilistas dos seus fidelíssimos. Eu acho que o tempo colocará cada coisa em seu lugar.
A opinião é de Jesús Martínez Gordo, teólogo e sacerdote da Diocese de Bilbao, na Espanha. É professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz y do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao.
O artigo foi publicado em Settimana News, 05-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Querida Amazônia” é o título do texto do papa publicado após o Sínodo de outubro passado. Francisco, em sintonia com o famoso sonho de Martin Luther King, formula os seus sonhos sobre os âmbitos social, cultural, ecológico e eclesial.
Os três primeiros, em particular, preocuparam os poderes efetivos de sempre. A denúncia da violência e do saque que devastam a Amazônia é algo que acabará tocando, mais cedo e mais tarde, os bolsos e a política devastadora daqueles que os promovem nessa parte do globo. Essa terra e a sua riqueza são “nossas” e não de “todos”, apressou-se em lembrar o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
O quarto sonho, o eclesial, suscitou um espanto particular. Permito-me classificar em três grupos as reações existentes: os tradicionalistas e, em muitos casos, os ultraconservadores; os progressistas e os críticos a tudo o que não está em harmonia com o Concílio, seja quem for o papa; e os fidelíssimos de Francisco.
Os primeiros se alegram com o silêncio de Bergoglio sobre três propostas aprovadas pelo Sínodo: aquelas referentes ao pecado ecológico, à ordenação presbiteral de homens casados e ao acesso das mulheres ao diaconato (sobretudo por medo do seu acesso, ao longo do tempo, ao sacerdócio e ao episcopado).
Eles não gostam dos três primeiros sonhos, de fato, mas pensam que podem dormir muito melhor depois de ler o quarto.
A pressão exercida por três meses e a ameaça de uma ruptura – afirmam – surtiram o efeito desejado. Eles se sentem vencedores, portanto. No entanto, a porta que permanece aberta – embora em uma nota de rodapé – para um novo rito amazônico não os convence; muito provavelmente, um rito não apenas litúrgico. Essa poderia ser a fresta através da qual poderia entrar aquilo que Bergoglio calou. Essa fresta e o que será aprovado no Sínodo alemão são percebidos por eles como uma bomba-relógio.
É totalmente possível que a vitória deles seja apenas uma vitória de Pirro.
O grupo dos progressistas está profundamente decepcionado; muitos deles, até mesmo irritados. Francisco – dizem alguns – zombou deles quando os convidou a falar livremente e com coragem. Agora, encontram-se diante de uma resposta totalmente inesperada: um silêncio escandaloso e insuportável. Para essa viagem – defendem – não havia necessidade de tantas malas.
Só resta – afirmam – dar razão àqueles que defendiam, no início do seu pontificado, que esse papa ligava o sinal à esquerda, mas, no momento de tomar decisões, dobrava à direita.
A decepção é tão forte que eles não levam em consideração tudo o que, justamente por não ter sido rejeitado, permanece em aberto e não avaliam a importância dos parágrafos introdutórios dessa exortação, nos quais o papa assume aquilo que foi aprovado pelo Sínodo quando afirma que não pretende “substituí-lo nem repeti-lo” [n. 2].
É verdade que ele não ratificou nenhuma das três propostas indicadas, mas também não as bloqueou. E esse é um modo de governar que não tem nada a ver com aquele, habitual nos pontificados anteriores, das condenações impostas com autoridade.
Os fidelíssimos de Francisco estão muito comprometidos em fazer o que se poderia chamar de “engenharia eclesiológica e teológico-pastoral”. Estão buscando as frestas que permitam mostrar que, mesmo nesta ocasião, há muitas possibilidades de renovação.
Encontramos aqueles que afirmam que foi inaugurada uma nova forma de exercício do magistério e aqueles que pensam que a implementação do documento papal e daquilo que foi aprovado pelo Sínodo passa por um envolvimento corajoso e corresponsável das Igrejas amazônicas.
E também encontramos aqueles que justificam esse silêncio papal com o medo de um cisma. Estes são criticados pelo fato de que apresentar tal argumento significa ignorar que um cisma, mesmo que não formalmente declarado, já é real há décadas.
A Igreja – respondem os fidelíssimos de Francisco – não é um barco de pesca, mas sim um transatlântico. Por isso, as suas viradas devem ser necessariamente lentas, a menos que nos consideremos um clube de “iluminados”.
No entanto, eles também são criticados pelo fato de que Francisco, não querendo perturbar a ultradireita, desacelerou a reforma da Igreja e aumentou a decepção de muitos que, nestes momentos, estão se debatendo entrelhe oferecer outra oportunidade ou voltar ao exílio interior do qual a sua nomeação a Papa os retirou.
É verdade que a porta de um rito amazônico permanece aberta. E também que as Igrejas interessadas farão leituras da exortação papal que poderão ser uma agradável caixa de surpresas.
Mas, goste-se ou não, o modo de proceder de Francisco colocou o Sínodo para a Amazônia em um limbo que se presta a todos os tipos de leitura: as vitoriosas dos conservadores, as decepcionadas dos progressistas e as possibilistas dos seus fidelíssimos. Eu acho que o tempo colocará cada coisa em seu lugar.
Enquanto isso, aumenta o número daqueles que se dirigem ao papa, dizendo-lhe: “Amigo Francisco, como você está dificultando o nosso caminho!”.
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A Amazônia no limbo. A recepção de 'Querida Amazônia' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU