14 Dezembro 2019
"Despertar hoje entre nós uma 'Igreja em saída' somente será possível com a reflexão lúcida e responsável dos teólogos e teólogas e, sobretudo, com a ação criativa e responsável dos pastores das comunidades cristãs", defende o teólogo José Antonio Pagola, autor de obras como Jesus, aproximação histórica (Editora Vozes, 2010) e Jesus e o Dinheiro: uma leitura profética da crise (Vozes, 2013).
Segundo ele, "para promover uma teologia para uma Igreja em saída precisamos nos aprofundar muito mais no conhecimento da sociedade pós-moderna com suas tensões, contradições e incertezas".
O artigo é de José Antonio Pagola, teólogo, publicado por Religión Digital, 13-12-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Não esqueçamos a tentação sempre latente na Igreja, de seguir fazendo o que sempre foi feito, o que em outros tempos nos serviu para nos sentirmos dominadores e fortes, poderosos e importantes. É simplesmente a tentação de sobreviver sem conversão, nem transformação alguma na Igreja. Enquanto isso, na nossa sociedade pós-moderna, Deus torna-se aceleradamente em uma palavra sem conteúdo, uma abstração e, muitas vezes, em uma má recordação de esquecer para sempre. Despertar hoje, entre nós uma “Igreja em saída” somente será possível com a reflexão lúcida e responsável dos teólogos e teólogas e sobretudo, com a ação criativa e responsável dos pastores das comunidades cristãs.
Para promover uma teologia para uma Igreja em saída precisamos nos aprofundar muito mais no conhecimento da sociedade pós-moderna com suas tensões, contradições e incertezas. Por quê? Primeiro, porque se a ignoramos seguiremos fazendo uma teologia conceitual, formulada em uma linguagem pré-moderna, anacrônica e ininteligível em nossos dias. Segundo, porque se ignoramos as perguntas que emergem da “crise de Deus” em nossos tempos, não saberemos oferecer a Boa Nova de Deus. Somente me detenho neste último ponto.
O téologo alemão Johann Baptist Metz considera a “crise de Deus” como o “fato nuclear” que está repercutindo na configuração do ser humano de nossos tempos. Essa “morte de Deus” na consciência humana não é uma boa nova para ninguém, pois está arrastando a humanidade para um “niilismo”, que alguns consideram “a definição da nossa época”. A razão é clara. O filósofo mallorquín Gabriel Amengual a resume de maneira brilhante: “Com a morte de Deus não se indica somente a desaparição da ideia de Deus e a metafísica nela fundada, mas também de toda tentativa de dar coerência e sentido, fundamento e finalidade, meta e ideais: a derrubada de todos os princípios e valores supremos”.
Imagem: Religión Digital
Não é estranho que estejam emergindo perguntas tão decisivas como inquietantes: onde pode encontrar a consciência humana um novo eixo para orientar seu caminhar histórico? Como deter o desequilíbrio do ser humano? O que será das religiões? Desaparecerão? Serão transformadas? Quem poderá resolver o verdadeiro drama do homem pós-moderno que não parece capaz de impedir a “crise ecológica” que põe em perigo o futuro do planeta? O que fazer quando nas sociedades mais avançadas os interesses imediatos são mais fortes que qualquer abordagem realista e solidária para salvar o futuro da Humanidade?
Já o teólogo Juan A. Estrada nos alertou no começo do século da dupla tentação fundamentalista e sectária do cristianismo. Ao parecer, essa dupla tendência está crescendo em amplos setores da Igreja que, em vez de seguir o lema de sair ao mundo atual, esforçam-se para voltar ao passado. Estão esperando que se fechem “os parênteses de Francisco” para voltar à segurança do passado, convertendo a tradição no pilar que supre a falta de criatividade. No fundo deste fundamentalismo integralista há uma insegurança gerada pela carência de uma experiência viva de Deus e uma desconfiança grande no projeto humanizante do Reino de Deus.
Imagem: Agustín de La Torre
A essa tendência fundamentalista acrescenta-se quase sempre a tendência sectária ou dinâmica de “gueto”. Busca-se assim instaurar uma trama alternativa à sociedade, partindo daquilo que for possível preservar, sem questionamentos, o depósito da tradição. O passado transforma-se no presente e na matriz do futuro (J. A. Estrada). Uma Igreja fundamentalista e sectarista não tem futuro. Vive somente para ela e perde sua capacidade para anunciar a Boa Nova de Deus à sociedade atual.
Foi Karl Rahner quem nos alertou a promover a “experiência mística”: “O cristão do futuro será místico, isso é uma pessoa que 'experimentou' algo ou não é cristão, porque a espiritualidade do futuro não se apoiará mais no ambiente religioso generalizado, prévio à experiência e à decisão da pessoa”. Por isso Rahner denunciava com força: “A Igreja deve redescobrir e atualizar hoje suas próprias forças espirituais. Pois sendo sinceros, no terreno da espiritualidade somos, até um extremo tremendo, uma Igreja sem vida... Na Igreja seguem predominando hoje... o ritualismo, o legalismo, a burocracia continuam, com uma resignação e um tédio, cada vez maiores pelos trilhos habituais da modernidade.
Imagem: Religión Digital
Foi o seu aluno J. B. Metz que abriu o caminho para o compromisso político com sua “teologia política”, sua crítica à “Igreja burguesa” da sociedade do bem-estar e sua “espiritualidade de olhos abertos”. Para dizer de maneira simples, as espiritualidades de inspiração oriental ensinam, sobretudo, a “fechar os olhos” para descobrir no silêncio interior o Mistério último da realidade. Destaco que J. B. Metz nos recordou que a espiritualidade de Jesus nos ensina a “abrir os olhos” para ver os que sofrem, os desnutridos, os famintos, as mulheres abusadas e as esposas assassinadas... “saindo às periferias” (Francisco) e comprometendo-nos a construir um mundo mais digno, justo e fraterno.
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Sair para a sociedade com o fim de promover a experiência mística e o compromisso político. Artigo de José A. Pagola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU