06 Dezembro 2019
A teologia católica perdeu um gigante nessa segunda-feira com a morte do padre alemão Johann Baptist Metz, aos 91 anos, discípulo do famoso teólogo jesuíta Karl Rahner e pai daquela que era conhecida como “nova teologia política”.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 05-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu me encontrei com Metz pela primeira vez há mais anos do que eu consigo lembrar, quando era um filhote de repórter do National Catholic Reporter, sentado em uma sala de redação em Kansas City, Missouri. Havia muitas notícias católicas surgindo no âmbito de língua alemã na época (assim como hoje, é claro), e, como eu havia aprendido um pouco de alemão na pós-graduação, por padrão, eu acabei ficando de olho nas coisas.
Em 1998, eu cobri uma história centrada em Metz, que estava celebrando o seu 70º aniversário. Vários amigos da guilda teológica organizaram um simpósio em Ahaus, em homenagem a Metz, e, para surpresa de muitos, um convidado de destaque concordou em ser o conferencista principal: o então cardeal Joseph Ratzinger, na época czar doutrinal do Vaticano e uma espécie de figura de amor e ódio para muitos nos círculos de Metz.
A aparição de Ratzinger causou surpresa e não apenas porque ele e Metz frequentemente cruzaram espadas teológicas ao longo dos anos (entre outras coisas, Ratzinger viu na obra de Metz as raízes da teologia da libertação latino-americana e as suas distorções que ele enfrentou durante os anos 1980. Na verdade, o franciscano brasileiro Leonardo Boff, talvez o mais combativo dos teólogos da libertação, foi aluno de Metz).
A hostilidade entre Ratzinger e Metz também era pessoal. Em 1979, quando Ratzinger era arcebispo de Munique, ele negou a permissão a Metz para aceitar um cargo de professor na universidade local.
Mais tarde, Metz estava entre os signatários de uma declaração que criticava as tentativas do Vaticano com Ratzinger de corroer a liberdade acadêmica, e Metz também assinou a famosa “Declaração de Colônia” em 1989, que lamentava que a colegialidade demandada pelo Vaticano II estava “sendo sufocada por um novo centralismo romano” e que previa: “Se o papa realizar coisas que não fazem parte do seu papel, então ele não poderá exigir obediência em nome do catolicismo. Ele deve esperar a dissidência”.
Assim, quando surgiram as notícias de que Ratzinger voltaria para casa para homenagear seu antigo antagonista, isso foi geralmente aplaudido como um gesto comovente de virar a página. Esse sentimento, no entanto, não era universal, como no caso do padre suíço Hans Küng, o enfant terrible da teologia liberal de língua alemã, que criticou Metz por concordar em aparecer com Ratzinger sem exigir reformas, incluindo a natureza e a função do escritório doutrinal do Vaticano.
A volubilidade de Küng sobre o assunto teve o efeito de politizar aquela que deveria ser uma feliz comemoração de aniversário – o que alguns consideraram desagradável, enquanto outros acharam ironicamente adequado para o pai da teologia política.
Enquanto tudo isso acontecia, eu contatei Metz por telefone em sua casa em Münster, onde ele recentemente havia se aposentado da faculdade de teologia após 30 anos de carreira. Eu lhe expliquei que eu era um repórter dos Estados Unidos e, depois de modestamente expressar surpresa pelo fato de eu estar interessado nele, Metz concordou em discutir a situação.
Talvez tenha sido apenas muita sorte da minha parte ter entrado em contato com ele em um período da sua vida em que ele havia superado a preocupação com as implicações diplomáticas do que quer que ele dissesse, mas Metz foi notavelmente sincero. Ele confirmou em termos inequívocos, por exemplo, que ele acreditava que o modo de funcionamento do escritório doutrinal do Vaticano com Ratzinger estava em desacordo com a visão do Concílio Vaticano II (1962-1965), e disse que planejava trazer isso à tona com o seu antigo colega quando estivessem juntos.
No entanto, quando perguntei se ele, portanto, concordava com Küng que ele não deveria ter concordado em dividir o palco com Ratzinger, Metz foi igualmente firme dizendo que não.
Eis a valiosa citação: “Você sabe, algumas vezes Hans se comporta como outro magistério”, suspirou Metz. “Para ser honesto, um já é mais do que suficiente para mim!”
Em todas as minhas experiências subsequentes com ele, sempre houve pelo menos uma piada hilária como essa, indicativa do senso de humor devastador de Metz. Ele tinha um pouco da arrogância típica do Doktorvater alemão, mas ela sempre era suavizada pela capacidade de rir de si mesmo, de seus colegas e da situação geral em que ele e a Igreja se encontravam.
Nascido em Auerbach em 1928, Metz estudou em Bamberg, Innsbruck (onde conheceu Rahner) e Munique, e foi ordenado em 1954. Ensinou em Münster de 1963 a 1993 e, depois do Vaticano II, também atuou como consultor daquela que era, então, o “Secretariado para os Não Crentes” do Vaticano, que mais tarde evoluiu para o Pontifício Conselho para a Cultura.
Metz também estava entre os cofundadores da revista teológica Concilium, que se tornou o principal fórum para a ala liberal do campo de reformas no Vaticano II nos anos após o Concílio. Ele foi um dos principais conselheiros dos bispos da Alemanha ocidental durante o Sínodo de 1971 a 1975, que encerrou com uma declaração intitulada “Para nossa esperança”, que continha a assinatura de Metz.
Assim como Rahner, Metz considerava a Gaudium et spes como o ápice dos ensinamentos do Vaticano II: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”. Ele aplicou esse impulso no campo da política, insistindo que um cristianismo não engajado politicamente do lado dos pobres era inautêntico.
Talvez não tenha sido sua culpa que ele estava desenvolvendo essas ideias no contexto de 1968, da Guerra Fria e do surgimento de uma moderna política identitária, na qual era muito fácil que a “opção pelos pobres” fosse lida em chave ideológica. Também se poderia argumentar que Metz, novamente assim como o seu mentor, Rahner, era excessivamente otimista sobre aquilo que a política poderia alcançar, insuficientemente consciente do pecado – certa vez, Hans Urs von Balthasar acusou Rahner de negar a necessidade da crucificação.
Entretanto, qualquer um que já tenha falado com Metz entendeu que, para ele, a fé vinha primeiro, e a política, depois, por mais indispensável que ele considerasse a política. Ele também nunca levou a si mesmo ou o seu trabalho a sério demais, confiando que, com o passar do tempo, as coisas se resolveriam como deveriam.
Provavelmente, esse é o melhor epitáfio que se pode oferecer à vida de um teólogo. Então, requiescat in pace, Johann Baptist Metz, e saiba que você fará falta.
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Johann Baptist Metz: teologia católica perde um gigante com senso de humor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU