26 Novembro 2019
Falando aos sobreviventes do desastre triplo de 2011 no Japão, quando o país foi atingido por um terremoto devastador, um tsunami e um incidente em uma planta nuclear, o Papa Francisco pediu pela abolição das instalações nucleares, ecoando um anseio dos bispos locais.
Ao citar o acidente na Estação de Energia Nuclear Daiichi, em Fukushima, Francisco disse que até que as comunidades locais possam novamente ter segurança e uma vida estável, o problema não estará resolvido.
“Isto envolve, como meus irmãos bispos do Japão enfatizaram, uma preocupação com a continuação do uso da energia nuclear”, disse. “Por esta razão, eles pediram a abolição das usinas de energia nuclear”.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por National Catholic Reporter, 25-11-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Francisco conversou com os que, em 11-03-2011, sobreviveram ao Grande Terremoto do Leste do Japão que abalou a região litorânea do país. Como resultado direto, um tsunami enviou uma onda de água com altura de 12 andares, varrendo as praias da região.
Proferido no centro de convenções Bellesalle Hanzomon na capital japonesa, o papa começou o seu discurso pedindo um minuto de oração pelas vítimas do desastre. Embora não tenha podido cumprimentar cada uma das aproximadamente 300 pessoas presentes no local, o religioso trocou palavras com algumas delas com a ajuda de um intérprete, um padre jesuíta argentino que fora aluno seu.
Essa postura dos bispos, que Francisco pareceu apoiar, é mais crítica do que a expressa em sua encíclica de 2015, intitulada Laudato Si’. Nesse texto, o papa não pede diretamente pela abolição da energia nuclear, mas menciona a energia atômica entre as várias fontes de ambientais.
Na data de 01-03-2018, o número de mortos no desastre triplo foi de 15.895 nas doze regiões do país. 62 vítimas permanecem não identificadas, e 2.539 pessoas continuam desaparecidas. Dezenas de milhares ainda vivem em moradias temporárias.
Cidades e bairros inteiros ficaram destruídos. Os estragos generalizados foram considerados o “pior desastre natural na história registrada do país”, e a pior crise nacional desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A lentidão no processo de reconstrução também afetou a saúde das pessoas: nos primeiros quatro anos após o acidente, mais de 3.200 pessoas, muitos deles idosos, morreram de doenças exacerbadas pelas condições de vida, enquanto outras cometeram suicídio.
Em 2016, os bispos japoneses publicaram um pedido técnico, ético e teológico pela abolição da geração de energia nuclear em uma mensagem chamada “Abolição da Energia Nuclear: um apelo da Igreja Católica no Japão”, escrita a partir de uma mensagem no mesmo sentido escrita seis meses depois do desastre.
No texto, os bispos observam que, em Laudato Si’, Francisco aponta que o desenvolvimento tecnológico, incluindo a tecnologia nuclear, dá um amplo poder à humanidade, mas que este poder se limita àqueles com o conhecimento e recursos econômicos para usá-lo. Este poder tem aumentado continuamente e não há garantias de que usarão com sabedoria.
“Há várias opiniões sobre os acertos e os erros da geração de energia atômica”, escreveram os bispos japoneses, entretanto “não há como negar” o prejuízo que tem causado. Os juízos relativos à energia atômica, afirmaram, devem ser feitos a partir do ponto de vista da proteção da dignidade de toda a vida humana, presente e futura.
Antes do desastre de 2011, havia 54 reatores nucleares no Japão fornecendo aproximadamente 30% da energia elétrica do país. Em julho de 2013, o governo elevou os padrões de segurança como forma a resistir aos terremotos e tsunamis, o que levará ao descomissionamento de 21 reatores, entre eles o de Fukushima.
No entanto, até o mês de junho deste ano nove reatores em cinco plantas satisfizeram os novos padrões e retomaram as operações.
“Os nossos tempos tendem a fazer do progresso tecnológico a medida do progresso humano”, disse Francisco imediatamente depois de falar das plantas de energia nuclear, defendendo que uma sociedade modelada por este “paradigma tecnocrático” muitas vezes tem uma visão reducionista da vida humana e social.
“Por isso, em momentos como este é importante fazer uma pausa, parar e refletir sobre quem somos e – talvez de forma mais crítica – quem queremos ser”, falou. “Que espécie de mundo, que tipo de legado queremos deixar a quantos vierem depois de nós?”
Como fez em outras ocasiões também, Francisco pediu por uma visão modelada pela experiência dos idosos e pelo entusiasmo dos jovens, uma visão que “ajude a olhar com grande respeito o dom da vida e a solidariedade com os nossos irmãos e irmãs na única, multiétnica e multicultural família humana”.
Estas palavras do Papa Francisco foram ditas no primeiro encontro do penúltimo dia de sua viagem à Ásia, que o levou inicialmente à Tailândia e, agora, ao Japão. No domingo, o líder católico visitou Hiroshima e Nagasaki, as duas únicas cidades do mundo dizimadas por armas nucleares. Aí, falou que o uso e a posse destas armas são “imorais”.
Aproximadamente 300 pessoas estavam no encontro, e Francisco visivelmente se emocionou quando entrou no local que tocava uma das músicas mais famosas da Argentina, Caminito, tango originalmente cantado por Carlos Gardel. No final do evento, cumprimentou várias crianças da orquestra e do coral.
O discurso de Francisco foi feito como uma resposta às histórias compartilhadas por três sobreviventes do desastre. Um dos presentes perguntou ao pontífice como o mundo pode responder aos grandes problemas que a humanidade enfrenta hoje, os quais não podem ser tratados separadamente: “As guerras, os refugiados, a alimentação, as disparidades econômicas e os desafios ambientais”.
“É um erro grave pensar que, hoje, se podem enfrentar os problemas de maneira isolada, sem os assumir como parte duma rede mais ampla”, respondeu o papa. “Penso eu que o primeiro passo, além de tomar decisões corajosas e importantes sobre o uso dos recursos naturais e, em particular, sobre as fontes futuras de energia, é trabalhar e caminhar rumo a uma cultura capaz de combater a indiferença”.
Segundo o pontífice, “um dos males que mais nos afeta” está na cultura da indiferença. “Urge mobilizar-se para ajudar a tomar consciência que, se um membro de nossa família sofre, todos sofremos com ele”.
Como disse o líder católico em seu discurso, muitos dos sobreviventes do desastre triplo ainda sofrem da terra e das florestas contaminadas, com os efeitos da radiação a longo prado. Embora esquecidas por muitos, estas pessoas precisam de assistência.
“O caminho para uma recuperação completa poderá ser ainda longo, mas sempre é possível enquanto contar com a alma deste povo capaz de se mobilizar para prestar mútuo socorro e ajuda”, disse. “Se não fizeres nada, o resultado será zero, mas se deres um passo, terás avançado um passo”.
Na segunda-feira, Francisco deverá se reunir com os jovens do Japão, e terá visitado o imperador do país bem como autoridades governamentais, entre eles o primeiro-ministro Shinzo Abe, cujo governo quer aumentar os investimentos em energia nuclear.
Em resposta endereçada aos jovens durante um encontro na Catedral de Santa Maria, em Tóquio na nesta segunda-feira, Francisco falou sobre a “epidemia” do bullying, sobre o combate à “pobreza espiritual” e sobre “bondade e a dignidade inata” dos jovens.
Quanto ao bullying, Francisco disse que, para combatê-lo, não são suficientes as regras escolares e a intervenção dos adultos. Em vez disso, os jovens devem se unir para resolver esta “tragédia” dizendo: “Basta!”
O suicídio infantil está em ascensão no Japão, com 250 crianças em idade escolar – da educação infantil ao ensino médio – tendo cometido suicídio em 2017, recorde desde 1986. Os especialistas acreditam que a pressão exercida pela escola e a prática do bullying são os prováveis gatilhos.
Anda que o pontífice não tenha empregado a palavra suicídio na segunda-feira, ele a empregou o sábado, quando discursou aos bispos locais, dizendo que muitos na sociedade japonesa estão marcados pela solidão, pelo desespero e pelo isolamento, com as crescentes “taxas de suicídio, bullying e vários tipos de carência” que criam “novas formas de alienação e desorientação espiritual”.
No país, o suicídio é a maior causa de morte entre os jovens, e a taxa de suicídio é a sexta mais alta no mundo.
“O medo é sempre inimigo do bem, porque é inimigo do amor e da paz”, contou aos jovens nesta segunda-feira. “As grandes religiões ensinam tolerância, harmonia e misericórdia; não ensinam medo, divisão e conflito. Jesus não se cansava de dizer aos seus seguidores para não terem medo. Por quê? Porque, se amamos a Deus e aos nossos irmãos e irmãs, este amor expulsa o temor”.
Contemplar a vida de Jesus permite-nos “encontrar conforto, porque o próprio Jesus sabia o que significa ser desprezado e rejeitado, chegando ao ponto de o crucificarem”, ensinou o papa. “Sabia também o que era ser um estrangeiro, um migrante, um ‘diferente’. Em certo sentido, Jesus foi o mais ‘marginalizado’, um marginalizado cheio de vida para dar”.
Sobre a pobreza espiritual, o religioso citou a Madre Teresa, para quem “a solidão e a sensação de não ser amado é a pobreza mais terrível”.
Isso é mais verdadeiro ainda em um mundo onde a sociedade é frenética e focada em ser competitiva e produtiva, disse, deixando pouco espaço para Deus, sendo “altamente desenvolvidas no seu exterior”, mas com uma vida interior pobre e tolhida.
“Tudo lhes aborrece. Há jovens que não sonham. É terrível um jovem que não sonha, um jovem que não abre espaço em seu coração para sonhar, para que Deus entre, para que entre as ilusões e seja fecundo na vida. Há homens e mulheres que se esqueceram de rir, que não brincam, não conhecem o significado da admiração e da surpresa. Homens e mulheres que viraram espectros, o seu coração deixou de bater, porque incapaz de celebrar a vida com os outros. (…) Em todo o mundo, quantas pessoas são materialmente ricas, mas vivem como escravas duma solidão sem igual!”, completou.
Combater a pobreza espiritual, contou Francisco aos jovens, exige mudar as nossas prioridades, o que quer dizer reconhecer que as coisas mais importantes são não as que podem ser compradas, mas as pessoas com quem partilhamos a vida.
Da mesma forma que respirar é necessário para nos manter vivos fisicamente, disse ele, temos também a necessidade de “respirar espiritualmente”, num movimento interior, “pelo qual podemos escutar a Deus que nos fala no íntimo do nosso coração”.
Por fim, Francisco falou que os jovens podem ser ajudados a descobrir a própria dignidade não olhando para o espelho ou tirando selfies, já que é impossível tirar um autorretrato da alma.
“Para ser felizes, devemos pedir ajuda aos outros, pedir a outro que tire a fotografia”, explicou, completando: “[Precisamos ]sair de nós mesmos e ir ter com os outros, especialmente os mais necessitados. (…) De modo particular peço-vos que estendais os braços da amizade e recebais quantos vêm, muitas vezes depois dum grande sofrimento, buscar refúgio no vosso país”.
A Igreja Católica no Japão tem desempenhado um papel central ajudando os católicos estrangeiros em uma série de desafios, que vão desde a normalização do status de imigrante e refugiado até as denúncias de condições análogas ao trabalho escravo a que muitos estrangeiros estão submetidos no país.
Estima-se que, da pequena comunidade católica do Japão – que representa 0.3 da população total de 126 milhões –, a metade seja de estrangeiros.
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Ecoando os bispos japoneses, Francisco apoia a abolição da energia nuclear - Instituto Humanitas Unisinos - IHU