12 Novembro 2019
Recém-chegada de Roma, onde participou do Sínodo para a Amazônia, como auditora integralmente, Moema Miranda, atual professora da disciplina Conflitos Socioambientais do Instituto Teológico Franciscano (ITF) de Petrópolis (RJ), fala nesta entrevista deste momento histórico para a Igreja, especialmente para a Igreja da América Latina.
A entrevista é de Frei Augusto Luiz Gabriel, publicada no portal da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, 11-11-2019.
Com um sorriso largo no rosto e o sentimento de missão cumprida, Moema tem plena consciência de que o Sínodo foi um “ponto de chegada, mas também é um ponto de partida”. Moema se emociona ao falar do Papa Francisco, que para ela é uma pessoa iluminada pelo Espírito Santo! “É um homem lúcido e com uma força impressionante. […] Pela sua humildade ele se faz um com o Pai”.
Moema foi enfática ao afirmar que todo o caminho da Igreja na Amazônia é marcado pelo caminho ‘martirial’ que se faz em nome do Evangelho de Jesus Cristo. Segundo ela, o sangue dos mártires espalha as sementes. “Neste Sínodo para a Amazônia as barreiras não existiram, a presença de quem estava do lado de fora, acompanhando e rezando, criou de fato uma comunhão com a presença do Espírito Santo”.
Franciscana, leiga, mulher e antropóloga, Moema acredita que o tempo de retomar o compromisso franciscano pela Casa Comum é agora. “Sejamos nós, a partir de nosso carisma, atores, atrizes, irmãos e irmãs neste grande pacto pela Amazônia e pela vida”, destacou.
Moema fez mestrado e pós-graduação em Antropologia Social pelo Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi ministra da Fraternidade Santo Antônio (RJ) da Ordem Franciscana Secular e integra a secretaria da Rede “Igrejas e Mineração” da CNBB.
Ela também faz parte da coordenação nacional do Sinfrajupe (Serviço Interfranciscano de Justiça Paz e Ecologia) e assessora a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), além de participar do grupo de estudos de Ecotelogia do ITF. Atuou até agosto de 2017 no Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Atualmente está fazendo o doutorado em questões ambientais pela PUC do Rio de Janeiro.
Nós sabemos que a Igreja, desde o Concílio de Jerusalém (At 15), vivencia a sinodalidade em suas discussões. Como é para você reviver essa experiência que até os primeiros apóstolos viveram?
Primeiro é uma experiência muito emocionante. Se teve uma coisa que em todo tempo da participação – tanto no processo de preparação como durante a realização do Sínodo – ficou muito clara é a presença forte de como a comunidade é comunhão. E comunhão só se faz em comunidade; ninguém comunga sozinho. O processo de sinodalidade na Igreja passou por diferentes momentos na história. De certa forma, o que o Papa Francisco está fazendo é a retomada de um processo que tinha sido vivificado por Paulo VI no Concílio Vaticano II. O Papa Francisco não só está revivendo a proposta que remonta ao início da nossa Igreja, como está aumentando e fortalecendo determinados aspectos que são essenciais para que o Sínodo de fato se tornasse um momento de escuta forte e de uma escuta que se torne proposta. Desde todo processo preparatório do Sínodo até durante o Sínodo, aberto já com a presença do Espírito Santo, foi muito forte a sensação e percepção de comunhão e comunidade: “Onde três ou mais estiverem reunidos em nome de Deus, Ele aí está”.
Ao seu ver, que importância tem o Sínodo para Amazônia na Igreja, para os povos que lá residem e para nós, franciscanos?
É um Sínodo fundamental porque busca novos caminhos para a Igreja e para a ecologia integral. A questão ecológica exponencia os limites do sistema que nós estamos vivendo, que no documento final do Sínodo é reconhecido como um caminho indelével de morte se não for detido. A urgência da crise ambiental está no centro das preocupações de todo Pontificado do Papa Francisco. Já com a Encíclica Laudato Si’ ele anteviu a necessidade de transformar as perspectivas que constam na encíclica em algo muito mais concreto. Nós, franciscanos, temos essa experiência e sabemos como a passagem da intuição para a instituição, muitas vezes, desidrata o sentido forte do carisma e da primeira paixão. Então, voltar para esse ponto de origem, como nos dizia Santa Clara, é importante o todo tempo. O Papa Francisco, quando reconheceu a urgência das questões climáticas e lançou a Encíclica Laudato Si’, afirmou que a Amazônia seria um teste para a Encíclica. Se na Amazônia a Igreja conseguir consolidar a ideia de uma ecologia integral, a partir de uma longa história de luzes e sombras, mas com uma Igreja que é martirial, presente e forte, então nós passaremos neste teste que a Encíclica requer, fortalecendo a Igreja com um novo ar. Durante o encontro em Roma, na segunda semana de trabalhos, um bispo falou que ele sentia o Sínodo como um grande encontro do Rio Amazonas com o Tigre. Quer dizer, o rio da tradição encontrando com outro grande rio vivo que é o Amazonas. E esses encontros foram produtivos e proveitosos. Deixa para todos nós a sensação de que agora estamos começando de novo. Neste sentido, os jovens têm um papel essencial neste processo. Nós sabemos que em todo planeta os jovens vêm desenvolvendo uma maior consciência da urgência da questão ambiental. E todos os movimentos da Europa, como o da Greta Ernman Thunberg e outros, mas também na Amazônia, temos uma força da juventude muito grande. Então, nutrimos uma grande expectativa de que essa comunhão se faça, mais ainda porque as questões ligadas ao consumismo, ao desperdício e à desigualdade entre a juventude, são muito brutais. Nós, que moramos aqui no Rio de Janeiro, sabemos como o assassinato de jovens negros é crescente. Então, acredito que o Sínodo abre espaço para essa comunhão da juventude. Não é possível que os jovens frades, os jovens universitários, os jovens da cidade não se responsabilizem, não se corresponsabilizem por estes jovens que estão sendo assassinados ali, muitas vezes nas periferias onde eles também moram. E o Sínodo abre essa grande possibilidade: a Amazônia é logo aqui. O que acontece na Amazônia, afeta nós aqui. Não foi à toa, dias antes do Sínodo, que o céu ficou negro em São Paulo por conta das queimadas na Amazônia, como para dizer: gente, o Papa tinha toda razão! Isso deu ao Sínodo mais visibilidade. Por isso, toda a nossa juventude tem um papel fundamental, porque, são vocês que vão levar adiante esse grande projeto de uma Igreja comprometida com a terra e com a salvação do mundo.
Qual é a importância do Pacto das Catacumbas? Você também assinou? Como descreve este momento ímpar para toda Igreja?
O Pacto das Catacumbas remonta ao Concílio Vaticano II. No processo de preparação do Sínodo, vimos do Pacto das Catacumbas no Concílio Vaticano II foi essencial para o que depois a Igreja desdobrou do Concílio aqui na América Latina. Então, aqueles bispos que fizeram o Pacto das Catacumbas em Santa Domitilla voltaram para o Brasil com um compromisso de mudar a Igreja e fazer esse percurso. Venderam os palácios episcopais, foram para as comunidades do interior, criaram Comunidades Eclesiais de Base (CEBS), ou seja, ali foi a origem de um processo popular de luta por democracia em nosso país, de luta com e pelos pobres, de compreender que durante milênios nós nos preocupamos com a salvação das almas, no entanto, hoje nós continuamos a nos preocupar, mas sabemos que alma e corpo são integrados. Não é possível você esperar a salvação da alma na cidade de Deus, se na cidade dos homens se vive com tanta desigualdade, onde nós pecamos por omissão ou conivência. Esse compromisso com os direitos humanos, com uma vida digna para os pobres, já foi assumido fortemente a partir do Concílio Vaticano II. Mas agora é um passo a mais: nós precisamos salvar a matriz de toda a vida, as condições de possibilidade de toda vida, pois é a própria terra que está ameaçada, essa terra que também é viva e vivente. O Pacto das Catacumbas tentou ser esse momento forte de um compromisso pessoal com os temas que estavam sendo discutidos ali. Importante destacar que não foram somente os padres sinodais – é claro que eles tinham precedência -, mas todo povo de Deus esteve presente e pôde se comprometer com essa causa nobre. O que a gente espera é que o pacto se desdobre em mais compromissos fortes com essa etapa fundamental em que a Igreja se torna, talvez, a instituição mais importante na defesa da Casa Comum. Por isso, faz todo sentido ter assinado o pacto dentro do Sínodo para a Amazônia, que a gente tenha voltado às Catacumbas de Santa Domitilla às sete da manhã, que a Missa tenha sido celebrada por Dom Cláudio Hummes, um franciscano que foi o relator do Sínodo e pediu para o Cardeal Bergoglio, ao assumir o nome de Francisco, para não esquecer dos pobres, esse Dom Cláudio que hoje é uma figura profética em nossa Igreja, comprometido e próximo ao carisma franciscano. Outro elemento muito bonito é que Dom Cláudio usou durante a Celebração Eucarística nas Catacumbas a estola de Dom Helder Câmara. Depois, no final da missa, ele chamou Dom Erwin Kräutler, entre tantos padres sinodais, e entregou a ele a estola, dizendo que a merecia. Por isso, foi muito bonito o encontro dessa Igreja que se reconhece no caminho da Igreja comprometida com os pobres e com a terra, no longo caminho da Igreja na Amazônia.
Moema assinando o Pacto das Catacumbas pela Casa Comum. Ao fundo, padre Dário Bossi e a Irmã Anttonnita.
(Foto: Portal dos Franciscanos)
O que significa a Amazônia para os povos indígenas?
O documento final possui uma expressão muito bonita onde fala que na Amazônia tudo está entrelaçado, a floresta, os rios, os povos. Este entrelaçamento da vida, nas suas múltiplas formas, numa imensa floresta como é a Amazônia, é um elemento essencial. Para os povos indígenas, o território é a condição de vida deles. A Irmã Dorothy repetia uma frase famosa de um indígena que diz: ‘A morte da floresta é o fim das nossas vidas’. Na verdade, território e identidade, território e vida estão absolutamente interligados. Para os povos dali, a floresta é a fonte e a matriz da vida; é a vida mesmo que se faz e se refaz. Eles estão integrados e entrelaçados com esse grande bioma, em espaço, tempo, biosfera, fauna e flora. Essa conexão intensa é que a gente percebe. O território é fonte de vida e de identidade. Ao mesmo tempo, eles cuidam, enriquecem, ampliam as possibilidades de vida na Amazônia, como já fazem há milhares de anos. Essa conexão é um exemplo para todos nós de aprendizado, de outra forma de ser e estar no mundo. Por isso, no documento final fica muito claro que eles são os protagonistas na defesa do seu território e nós, como Igreja, devemos ser seus aliados, caminhando juntos. Na Carta que eles escreveram para o Papa, tendo em vista que na sala sinodal havia 22 indígenas participando do Sínodo – alguns convidados e outros são padres e irmãs – fazem defesa do território, dos direitos à terra, como também da cultura, de um modo de ser e estar. Ou seja, a Igreja precisa ser uma aliada dos povos no seu direito de autodeterminação.
Fale sobre as novidades do Sínodo? Como era a rotina dos trabalhos? Superou suas expectativas?
Ah, com certeza, sim! Esse Sínodo tem quatro elementos fundamentais. O primeiro é um processo de escuta anterior realmente feito com muita gente. Cada um de nós que esteve lá, trazia uma voz que nos transcendia. Nós sabíamos que éramos responsáveis por dar voz a muitas outras pessoas. Além disso, durante todo processo sinodal foram organizadas orações, celebrações, ritos dos mártires na tenda da Casa Comum da Amazônia, em que durante todo esse processo houve a permeabilidade entre o que a gente pode chamar de fora e de dentro. Em todo o Brasil foram organizados momentos de celebrações e tríduos, e tudo isso chegou de uma Igreja que esteve em comunhão, como se estivesse lá na sala sinodal. Podemos dizer que as orações chegaram ao Sínodo. E isso nos deu uma grande responsabilidade na volta, porque sabemos que o Sínodo foi um ponto de chegada, mas também é um ponto de partida. O segundo, a presença dos povos indígenas e uma mudança radical no reconhecimento do lugar deles. Depois que voltei de Roma, estava lendo sobre o trabalho realizado na Conferência de Santo Domingo, em que o tema da inculturação e interculturalidade foram tratados, e também sobre todas as disputas que ali ocorreram entres os bispos e a Cúria Romana. Sobre essa discussão, Dom Erwin dizia que eles escreveram em um documento que a evangelização deve ser feita a partir das culturas. Ou seja, nós queremos levar uma Boa Nova e uma evangelização que achata, nega e desconhece as culturas? Ou partimos das culturas? Elas já têm as sementes do verbo e a presença viva do Cristo. A partir daí nós encontramos comunhão, e assim a Igreja se fortalece e se torna mais católica, pois ela se enriquece com todo esse processo que sempre foi assim desde o começo. Isso não é uma novidade da Amazônia. Se Paulo não tivesse ido conversar com os gregos e não tivesse traduzido do aramaico para o grego, e do grego para o latim, hoje a gente seria uma seita do meio Oriente. Não existiria o cristianismo. Então, esse processo de diálogo, onde a cultura que recebe a Boa-Nova é o sujeito da inculturação, faz da Igreja Católica uma Igreja Católica! Desde o Instrumentum Laboris, os povos indígenas já eram reconhecidos como protagonistas, e no documento final essa realidade foi concretizada. Então, a crise ambiental revela com mais força a relevância dos povos indígenas, porque eles sabem cuidar. É um gesto de reconhecimento, de pedido de desculpa e de aliança, mas uma aliança que se faz com eles, os protagonistas. A presença dos povos indígenas na sala sinodal foi marcante! Um líder da coordenação das entidades indígenas, que estava como convidado especial, disse ao Papa que eles estavam “empumados” (com penas) dentro do Vaticano. E o Papa com uma sensibilidade incrível, disse que ao ouvir comentários negativos sobre alguns indígenas que estavam usando as suas penas, ficou muito triste. ‘Que diferença tem isso e o chapéu que a guarda suíça usa?’, perguntou o Papa. Ele é uma pessoa fundamental nessa atitude do reconhecimento do protagonismo dos indígenas e de colocar a Igreja como aliada. O terceiro aspecto é a presença das mulheres, com sua relevância, voz e força nas questões que foram tratadas. É claro que o diaconato para as mulheres era uma reivindicação importante, que parte de um reconhecimento e de uma realidade a partir do que as mulheres já fazem na Amazônia. Não teve ninguém que trabalha na Amazônia que não tivesse falado sobre essa presença constante das mulheres. Embora esse ponto tenha ficado como indicação da retomada da comissão, a presença das mulheres na sala sinodal foi extremamente importante. E, por fim, destaco a possibilidade de um diálogo enriquecedor para todos entre a Cúria Romana, a tradição e esses povos múltiplos que chegaram com suas vozes a partir de seus territórios, incluindo seus bispos. Sabemos que nem sempre esse encontro é fácil, sem atrito e sem tensão. Mas o importante é que se tenha a presença do Espírito Santo, harmonizando essa voz para o bem maior da Igreja. E acho que isso nós vivemos como uma experiência sinodal da máxima importância.
Quais são as três primeiras palavras que lhe vêm à mente quando você lembra do Sínodo?
Em primeiro lugar, gratidão por essa possibilidade de estar trilhando esse caminho. Em segundo lugar, resistência e existência. Temos dito para os povos indígenas que existir e resistir e é reexistir com “x”. Essa força que a morte não terá a última palavra. Experiência que nós, mulheres, já fizemos aos pés da cruz e que toda Igreja fez quando encontrou no Ressuscitado seu caminho, sua verdade e sua vida. E a terceira, talvez seja a alegria dessa possibilidade de, em um mundo difícil, ter a alegria da força que vem da fé, da confiança da presença de Deus, de saber que a gente não está sozinha. É essa força da alegria que transforma e empurra o mundo para frente.
Como é trabalho de uma auditora do Sínodo?
Todos que falavam na sala sinodal precisavam fazer previamente a inscrição de seus textos. Cada um só fala uma vez por quatro minutos. Eu, como auditora, ou um cardeal, ou um bispo, tem a palavra por uma vez durante quatro minutos. Então, durante o debate na sala sinodal você não sabe quem vai falar antes de você nem depois. E aí, após os quatro minutos de sua exortação, faz-se quatro minutos de silêncio para que o próprio Espírito Santo permita que aquelas falas sejam absorvidas e que a gente entre em um diálogo mais profundo. É um diálogo não só entre nós, mas também de cada um consigo mesmo. Já nos círculos (grupos) menores é onde os diálogos são intensificados. Eram 12 círculos organizados por línguas onde também os auditores, peritos e os convidados especiais tiveram a oportunidade de interagir com os padres sinodais, embora só eles votassem. E puderam amadurecer a reflexão neste processo de comunhão. Partindo de uma dinâmica que não foi confrontacional, mas sim acreditando que é um momento único com a presença do Espírito Santo e que é diferente de todas as outras experiências de diálogo que a gente tem nos movimentos sociais, na sala de aula, no parlamento, ali tivemos a presença de uma força espiritual que vem da promessa de Cristo que disse a Madalena depois de ressuscitado: ‘Vai e diga aos meus irmãos que me encontrem na Galileia”. Isso mostra uma Igreja que busca caminhos e que tem a humildade de se colocar como aliada da terra, dos povos. Fomos abençoados por termos participado de um momento tão forte.
Sobre o Papa Francisco, como foi estar pertinho dele? O que você acha dele?
É uma pessoa iluminada pelo Espírito Santo! É um homem com uma lucidez e uma força impressionante. Ao mesmo tempo uma consciência sensacional ao mostrar que a comunicação não se faz do circuito do pensamento e da palavra, mas sim de toda a sua presença, de todo o seu corpo. Ele tem poesia, suavidade. O Papa Francisco recebe e acolhe todo mundo. Todos que quiseram tirar fotos, ele aceitou e, ao mesmo tempo, mostrou um compromisso com o todo o processo sinodal. Em todo tempo esteve presente, acompanhando, escutando, pensando e participando ativamente do processo de construção, mostrando-se com uma simplicidade e uma consciência de que ele é um instrumento nas mãos de Deus. É realmente comovente! Para nós que estivemos pertinho dele, acho que a saímos mais fortalecidos na fé. Esse é o transbordamento da mensagem maravilhosa que pudemos ter. Pela sua humildade, ele se faz um com o Pai.
E sobre o protagonismo da mulher na Igreja, o que você teria a nos falar tendo em vista que foi uma das 35 mulheres que participaram do Sínodo?
O parágrafo 22 do documento final, fala da Igreja samaritana e apresenta a ideia de que nós devemos ser uma Igreja Madalena e uma Igreja mariana. Uma igreja Madalena que foi acolhida e amada e a partir daí pode anunciar Jesus, morto e ressuscitado. Existe um longo percurso em que nós mulheres seguimos e servimos desde a Galileia. Jesus foi um com as mulheres. Ele acolheu, escutou, e muito do que Ele veio a ser depois, aprendeu com as mulheres. Mulheres que ajudaram que o próprio mistério fosse se revelando para Ele. Que foram parteiras – a parteira não é quem faz o filho – mas é quem ajuda o filho a se fazer na luz. Acredito que as mulheres na Igreja, em um contexto muito machista, como continua sendo, em um contexto patriarcal e particularmente depois da modernidade em que o patriarcado é uma das formas de exploração e de dominação funcionais, é muito comovente que na Igreja se promova esse espaço de abertura, reconquistado e conquistado a cada passo. Não é fácil, não é simples, ainda é uma Igreja atrasada, isso é indiscutível, mas nós precisamos assumir esse lado de sombra se queremos ir para a luz. As mulheres não foram chamadas para servir a Igreja e sim a Jesus. É a Ele que nós seguimos, e é com Ele que nós estamos comprometidas e sempre estivemos desde que saímos da Galileia. Nesse momento, em que o feminicídio aumenta, ver a presença das mulheres lutando pela defesa da terra e da Casa Comum é muito importante. Isso vai fazer da Igreja uma Igreja melhor. Isso precisa ser feito com cuidado e com carinho, porque eu sinto e vejo que esse é um diálogo muito delicado inclusive para as mulheres na Igreja. Por outro lado, todo novo começo tem certo medo. Dom Cláudio afirmou que precisamos de novos caminhos e Jesus é sempre o mesmo. Ele é o novo. Então, quando tivermos medo do novo peçamos a Jesus que nos ajude a enfrentar esse medo para encontrar os novos caminhos necessários. A força das mulheres está sendo de imensa sabedoria, de afirmação e reconhecimento de trabalho em comunhão.
Que esperança tem após o Sínodo para a Amazônia? Quais os principais resultados?
Essa é uma questão fundamental. Nós estamos vivendo um momento muito sério em termos de risco para toda biosfera. Todo o debate no Sínodo já começou com este sentido de urgência. Na exortação inicial de Dom Cláudio Hummes, ele relembra que na Conferência das Nações Unidas (COP 25), na França, um ministro disse que ‘mais tarde pode ser tarde demais’ se não nos preocuparmos com as questões ambientais e climáticas. Este sentido de urgência, o Papa Francisco já tinha dito na Encíclica Laudato Si’, que foi retomado na convocação do Sínodo para a Amazônia. Então, Francisco numa de suas falas, afirmou que a razão da convocação do Sínodo foi uma intuição profunda que a Encíclica Laudato Si’ precisava ter como um espaço de teste, de comprovação do seu sentido mais profundo. A Amazônia é este lugar. O sentido de urgência muito claro em todo o debate e na preparação do Sínodo está plasmado logo na introdução do documento final onde se apresenta a ideia de que nós não estamos vivendo em um tempo comum, mas sim em um tempo muito especial. Nesse tempo, uma das questões fundamentais é justamente a esperança e o futuro. Que esperança ter? E como não ter uma esperança que nos iluda de que se nós ficarmos parados, deixando que tudo aconteça, como sempre aconteceu, as coisas terão um resultado diferente? Essas são esperanças que nós, cristãos, não podemos ter, pois são muito perigosas. E por isso, é preciso qualificar a esperança que nós temos, e transformá-la em um compromisso em defesa da vida, da floresta, dos povos, tudo ao mesmo tempo, juntos e conectados. Defender os povos e as florestas para defender a nossa própria vida. No documento também, por indicação dos cientistas presentes no Sínodo, aparece a ideia da Amazônia como um órgão vital para todo o Planeta. Um dos cientistas disse: ‘Não pensem que a destruição da floresta Amazônica tem importância apenas para os povos amazônicos que vivem lá’. Hoje nós sabemos, pela ciência do clima, que a destruição de uma floresta como a Amazônica representa um desequilíbrio para todo o Planeta. A esperança com que nós saímos do Sínodo é a esperança do compromisso, da aliança e da conversão. Conversão é a palavra central em todo documento. Se nós reconhecemos o erro, o pecado ecológico, nós temos a possibilidade de alterar o futuro e de nos comprometer com um futuro diferente que estamos construindo agora. Hoje, o cuidado com a Amazônia é o cuidado com a vida no Planeta. Esse compromisso com o futuro da vida é a maior esperança que tivemos ao sairmos do Sínodo.
Para finalizar, deixe uma mensagem!
Por primeiro, agradeço a vocês por essa entrevista. Gratidão também pelas iniciativas que estão sendo tomadas na divulgação do Sínodo, pela conexão e oração. Mas a minha palavra final seria a seguinte: retomemos a nossa aliança franciscana, retomemos o nosso compromisso e sejamos nós, a partir de nosso carisma tão importante nesse momento, atores, atrizes, irmãos e irmãs neste grande pacto pela Amazônia e pela vida. É muito importante que nós, franciscanos e franciscanas, assumamos a nossa responsabilidade neste momento. Particularmente, parabenizo vocês da Província da Imaculada que são uma instituição muito importante em nosso país, com o protagonismo no compromisso, na conversão e na aliança com a Amazônia. Espero que nós avancemos em muitas outras iniciativas de compromisso com o Sínodo para a Amazônia com seus resultados e com seus desdobramentos. Paz e Bem!
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“É muito importante que nós, franciscanos, assumamos a nossa responsabilidade neste momento”. Entrevista com Moema Miranda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU