28 Outubro 2019
Parentes dos que teriam morrido em Essex enfrentam terrível espera por notícias.
Ao longo do dia, orações pelos mortos foram ouvidas em autofalantes. Moradores, cabisbaixos, puderam ser vistos caminhando solenemente pelas ruas de Yen Thanh, localidade encharcada pela chuva.
A reportagem é de Mark Townsend e Lam Le, publicada por The Guardian, 26-10-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Situada em uma área remota da província vietnamita de Nghe An, Yen Thanh é onde muitas das 30 pessoas encontradas mortas no carregamento de um caminhão em Essex (teriam começado uma jornada que acabaria em tragédia. O bairro encontra-se no epicentro de uma investigação policial global em torno de um grupo contrabandista que seria o responsável pela maior investigação criminal do Reino Unido desde os Atentados de 7 de Julho de 2005, em Londres.
Localização de Essex no mapa do Reino Unido (Fonte: Google Maps)
Um sacerdote, o Pe. Anthony Dang Huu Nam, está entre os que começaram a tarefa macabra de coletar os contatos dos familiares das vítimas. “O bairro inteiro está encoberto de tristeza”, disse Nam. “Isso é uma catástrofe para a comunidade”.
Sábado à noite, na casa da família de Nguyen Dinh Tu, em Phu Xuan, uma das pessoas suspeitas de ter morrido no baú refrigerado do caminhão, moradores enlutados circularam pelo local prestando homenagens. Dentro da casa, uma dúzia de mulheres sentadas ao chão, com os olhos vermelhos de tanto chorar.
O mais jovem de cinco irmãos e irmãs, Tu saiu de casa para a Europa em março, pagando 70 mil dongs (cerca de 12 mil reais) para chegar à Romênia. Após trabalhar por alguns meses aí, foi para a Alemanha e, então, para ganhar mais dinheiro, decidiu se mudar para a Inglaterra, onde o seu padrasto mora.
O padrasto de Tu ajudou a contatar os contrabandistas, que disseram que o ajudariam a chegar à Inglaterra pelo custo de 11 mil libras (55 mil reais). O jovem conseguiu chegar à França, mas, segundo a família, eles perderam o contato no último dia 22 de outubro. Este foi o último dia que tiveram notícias. “Desde então, não tive mais nenhuma notícia do meu filho”, disse Nguyen Dinh Sat.
A tragédia emergiu quarta-feira passada em um parque industrial de Londres, a 1h40min da manhã, quando paramédicos foram chamados para lidar com uma descoberta sinistra.
No entanto, quatro dias depois muito resta a saber ainda sobre o que, de fato, aconteceu. É uma incógnita como os 31 homens e oito mulheres pararam dentro do baú refrigerado do caminhão. Também o é a origem de todas as vítimas. A polícia tem tentado desesperadamente rastrear o motorista que entregou o trailer ao porto de Zeebrugge, na Bélgica, antes de ser transportado, na terça-feira de manhã, para Purfleet, em Essex.
Autoridades belgas estão encarregados de “rastrear a rota do contêiner” e apreender os responsáveis por “colaborar com o seu transporte”. Câmeras de segurança em Zeebrugge localizaram o baú refrigerado em sua chegada no terminal, com reportagens indicando que fora filmado uma dezena de vezes no porto.
No sábado, Dirk de Fauw, prefeito de Bruges e presidente do porto de Zeebrugge, confirmou que não houve nenhum avanço, mas que sabia que algumas das vítimas suspeitas haviam sido vistas no país pouco antes da tragédia.
Entre elas está a adolescente vietnamita Bui Thi Nhung, cuja página no Facebook a mostrava em uma localidade de Bruxelas em 18 de outubro, antes de contar a amigos que estava indo para a França e, depois, Inglaterra, onde tinha parentes.
Em 21 de outubro, dois dias antes do caminhão com os mortos ser descoberto, um amigo perguntou à jovem de 19 anos como estava indo a sua viagem. “Quase na primavera”, respondeu Nhung, empregando uma expressão que, em vietnamita, significa que ela quase havia chegado ao seu destino.
Depois, a adolescente nada mais escreveu. No sábado, dezenas de parentes se reuniram na modesta casa da família, onde sua mãe, perturbada pelos acontecimentos, passa mal de tanta ansiedade.
“Estamos aguardando e esperando que ela não esteja entre as vítimas, mas é muito provável que esteja. Oramos por ela todos os dias. Havia outras duas pessoas do nosso bairro que estavam com o grupo”, disse Hoang Thi Linh, primo de Nhung.
Apesar da informação inicial dada pela polícia de Essex de que as 39 vítimas eram chinesas, as evidências mais recentes sugerem que a grande maioria dos mortos são naturais do Vietnã.
Localização do Vietnã no mapa-mundi (Foto: vietcheckin.com)
A polícia inglesa revelou, no sábado, que os investigadores se encontraram com o embaixador vietnamita e que estavam “engajados” com a comunidade vietnamita no país para tentar identificar os mortos, sem descartar a possibilidade de haver outras nacionalidades entre os falecidos.
Tragédias parecidas com esta dão sugerem que o processo de identificação levará ainda mais alguns dias. Até agora, as únicas famílias que vieram a público preocupadas com o desaparecimento de entes queridos são os de Pham Thi Tra My, jovem de 26 anos, e Nguyen Dinh Luong, de 20.
Na sexta-feira, a família de Pham revelou que pagaram 30 mil libras esterlinas (aproximadamente 150 mil reais) para que ela viajasse à Inglaterra, temendo que a jovem estivesse entre os mortos encontrados no caminhão detido em Londres. Uma sequência de mensagens recebidas pela família dizia: “Mãe, me desculpa. A minha ida para o exterior não deu certo. Mãe, eu te amo tanto. Estou morrendo porque não posso respirar”.
No começo do mês, Luong contou à família que planejava viajar para a Inglaterra indo pela França. O seu pai disse ter recebido um telefonema alguns dias antes de alguém do Vietnã que dizia que “algo inesperado aconteceu”.
Em Phu Xuan, a família de Tu está em estado agonizante, com a morte do parente não tendo sido anunciada oficialmente, mas sendo esperada com temor. A esposa de Tu, Hoang Thi Thuong, falou que ainda devia dinheiro aos contrabandistas que se ofereceram para levá-lo à Inglaterra, embora reportagens dessa semana apontem que os responsáveis pelo contrabando estavam ressarcindo as famílias das vítimas.
“Tenho uma dívida enorme a pagar, estou sem esperanças, e não tenho energia para nada”, disse a esposa à agência Reuters. Tu e Nhung se juntaram ao grande número de pessoas que abandonam as províncias mais empobrecidas do Vietnã. Segundo um relatório recente publicado pela Fundação Pacific Links, organização americana contra o tráfico humano, mais vítimas são traficadas de Nghe An para serem exploradas na Europa do que em qualquer outra região do país asiático.
“Nghe An é uma grande fonte de trabalhadores que migram para outros países”, lê-se no texto divulgado. Ao analisar os dados demográficos da província, o texto descobriu que 58% da população – 1,8 de 3,8 milhões de pessoas – são elegíveis como “recursos de força de trabalho” e que muitas famílias em Nghe An têm parentes próximos que trabalham no exterior, incluindo um significativo número de pais cujos filhos são deixados aos cuidados dos parentes.
Para os que continuam morando na região, localizada a 290 quilômetros ao sul de Hanoi, resta saber se a tragédia da semana passada diminuirá o êxodo. Por enquanto, tudo o que os moradores podem fazer é rezar. “Irei realizar uma cerimônia para rezar por estas pessoas hoje de noite”, disse Nam.