01 Outubro 2019
Composta por pouco mais de trezentas palavras no grego original, divididas em 25 versos nas edições modernas, a Epístola de Paulo a Filemon foi por muito tempo considerada desprovida de profundidade teológica e doutrinária.
O comentário é de Marco Rizzi, professor de literatura cristã antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, de Milão, em artigo publicado por Corriere della Sera, 30-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Trata-se de um escrito ocasional - ao qual é dedicado o volume de ensaios Onesimo nostro fratello (Onésimo, nosso irmão, em tradução livre, Paideia) - em que o apóstolo recomenda ao destinatário que receba de volta em sua casa um certo Onésimo, "não mais como escravo, mas muito mais que isto, como irmão querido”.
Até o século XVI, os intérpretes concordavam em considerar que Paulo estivesse indicando a senhores e escravos cristãos o modo de se comportar: os primeiros tinham que ser clementes e benevolentes, os outros tinham que respeitar sua condição, como demonstrado pelo retorno de Onésimo, fugido ou afastado de seu dono por razões que Paulo não especifica. De qualquer forma, Paulo parece dizer que, entre os cristãos, deve valer a primazia do amor, que permite ir além da rigidez das estruturas sociais.
Essa interpretação parecia ter encontrado confirmação no plano histórico devido ao declínio da prática da escravidão na passagem da antiguidade para a Idade Média cristã, contribuindo para marginalizar ainda mais esse escrito paulino.
O tráfico de escravos africanos, no entanto, reacendeu a atenção pela Epístola a Filemon, especialmente no lado americano do Atlântico, onde a escravidão voltou a ser uma específica instituição social e econômica: a epístola foi invocada tanto por defensores da escravidão (Paulo não impõe a Filemon de libertar Onésimo), como por abolicionistas (embora não explicitamente, Paulo pediria a libertação de Onésimo, quando indica a Filemon para acolhê-lo "não mais como escravo").
Recentemente, a carta tornou-se terreno privilegiado para leituras bíblicas (pós-coloniais, feministas ou afro-americanas) que se propõem interpretar os textos "das margens", isto é, da perspectiva daqueles cuja voz não é percebida, neste caso, a de Onésimo.
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O escravo Onésimo acolhido pelo irmão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU