11 Mai 2016
O cristianismo sempre foi um fenômeno global justamente nas origens, quando, a partir de uma área periférica do Império Romano, a Palestina, situada, porém, nos arredores da encruzilhada estratégica entre Oriente e Ocidente, se difundiu em ambas as direções, chegando ao Oceano Atlântico e às ilhas britânicas, mas, antes ainda, à China e às costas do Pacífico.
A opinião é de Marco Rizzi, professor de literatura cristã antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, de Milão, em artigo publicado no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 08-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Em meados do século XVII, quando o missionário português Jerónimo Lobo chegou à Etiópia, então conhecida com o nome de Abissínia, ele ficou estupefato: "Nenhum país no mundo está repleto de igrejas, mosteiros e eclesiásticos como a Abissínia; não é possível cantar em uma igreja sem ser ouvido em outra, e talvez em mais do que uma. Este povo tem uma disposição natural para o bem, e os seus habitantes mantêm em grande medida o devoto fervor dos primeiros cristãos".
Ainda hoje, muitos ficariam igualmente surpresos ao saber que a ligação daquela região da África com o cristianismo das origens não é uma piedosa metáfora evocado pelo missionário, mas sim uma precisa realidade histórica. Assim como despertou admiração em 1287 a viagem diplomática às principais cortes da Europa de um embaixador especial do soberano mongol de Tabriz (cidade no norte do atual Irã): tratava-se de um monge cristão de origem chinesa, pertencente à Igreja que se reconhecia nas doutrinas de Nestório, patriarca de Constantinopla, deposto e condenado ao exílio pelo Concílio de Éfeso, em 431.
Portanto, mais ou menos quando Dante se apaixonava por Beatrice, a Igreja nestoriana estava difundida e viva na enorme área geográfica que vai da Síria norte-oriental à China, então dominada por outro soberano mongol, Kublai Khan, enquanto a Igreja etíope resistia à expansão do Islã, que já havia há muito tempo suplantado o cristianismo como religião dominante no Oriente Médio e no Norte da África. Além disso, o cristianismo etíope também se remetia – e ainda se remete – a posições doutrinais objeto de disputas e de condenações no Concílio de Calcedônia, em 451.
Esses poucos dados talvez sejam suficientes para mostrar como o cristianismo, no plano histórico e geográfico, não pode ser constrangido unicamente dentro das fronteiras do Império Romano, antes, e da Europa ou do Ocidente, depois, do qual tomaria impulso para se tornar, no limiar do século XXI, uma "religião global".
Na bem da verdade, ele foi um fenômeno global justamente nas origens, quando, a partir de uma área periférica do Império Romano, a Palestina, situada, porém, nos arredores da encruzilhada estratégica entre Oriente e Ocidente, se difundiu em ambas as direções, chegando ao Oceano Atlântico e às ilhas britânicas, mas, antes ainda, à China e às costas do Pacífico.
Nessa primeira "globalização", o papel decisivo foi desempenhado pelas Igrejas que surgiram nos primeiros séculos no Oriente Médio, entre Jerusalém, Antioquia e Alexandria do Egito, que se expressavam em línguas diferentes do grego e do latim do Império Romano: acima de tudo, o siríaco, que foi o veículo de propagação para o Leste.
Não por acaso, Philip Jenkins dedicou o livro La storia perduta del cristianesimo [A história perdida do cristianismo] (recentemente publicado pela EMI) ao milênio de ouro da fé cristã no Oriente Médio, África e Ásia.
Esse estudioso estadunidense é conhecido por uma série de outros livros, muitos deles traduzidos para o italiano, que analisam as transformações em curso nas Igrejas cristãs sob o impulso da globalização. A reconstrução das diferentes formas conhecidas do cristianismo oriental e africano lhe permite reforçar a visão segundo a qual as Igrejas europeias representam uma das múltiplas possibilidades de realização da mensagem evangélica, que não é a única, nem assume valor normativo.
Jenkins ressalta, particularmente, dois aspectos da experiência das antigas Igrejas orientais, que as diferenciavam profundamente daquelas que se desenvolveram no Ocidente. Acima de tudo, uma relação substancialmente diferente com o poder político. Embora não tenham faltado, também nesse âmbito, experiências de Igrejas, como a armênia, mais ou menos coincidentes com um reino confessional, a maioria delas se viram trabalhando em realidades em que os detentores do poder não eram cristãos, mesmo que, muitas vezes, não hostis ao cristianismo.
Consequentemente, foram mais intensas as trocas e as interações com as outras religiões presentes nos diversos contextos geográficos, em que o cristianismo incidia sobre elas e, por sua vez, era influenciado. É o caso do Islã, que, especialmente nas suas variantes africanas, assume do cristianismo formas de espiritualidade ou de culto da santidade; ou do budismo, do qual alguns textos nestorianos adotam categorias e formas de expressão para veicular a mensagem de Jesus; por sua vez, alguns monges nestorianos ajudaram budistas indianos a traduzir ao chinês os seus livros sagrados, permitindo, assim, a sua difusão para o Extremo Oriente.
A tragédia que leva ao desaparecimento das antigas Igrejas orientais se consuma em dois momentos específicos. Por volta de 1300, a expansão mongol ao Oriente Médio levou os soberanos islâmicos a eliminar toda forma de diferenciação religiosa dentro dos seus territórios. Por sua vez, depois de um período de abertura em relação ao cristianismo, os mongóis abraçaram o Islã, condenando os cristãos a uma condição de minoria e, muitas vezes, de perseguição. O segundo ato da tragédia se consumou a partir de meados do século XIX, com os massacres dos maronitas e dos armênios, e a expulsão ou a fuga, ainda em curso, dos cristãos do Oriente Médio.
Jenkins tem razão em criticar o pouco ou nenhum conhecimento que o cristão comum tem dessa "história perdida", ligado a uma visão eurocêntrica da própria religião, e em lamentar a perda irreparável determinada pelo desaparecimento de antigas Igrejas. No entanto, basta entrar em uma boa biblioteca universitária para ver, ao lado dos volumes que contêm os escritos dos Padres da Igreja gregos e latinos, coleções igualmente amplas dos Padres orientais, fruto do trabalho conduzido a partir do fim do século XIX por estudiosos europeus, muitos dos quais eclesiásticos.
É preciso se perguntar, então, por que tudo isso não se transformou em conhecimento difundido. Sem dúvida, uma parte da responsabilidade deve ser atribuída às Igrejas, que tendem a se autocompreender cada uma como a forma autêntica do cristianismo, não favorecendo uma visão mais variada, articulada e rica, tanto em termos históricos, quanto geográficos.
Também são igualmente responsáveis, porém, as instituições acadêmicas, prisioneiras de esquematismos igualmente rígidos. Para nos determos no caso italiano, os mecanismos de concurso colocam a literatura cristã antiga ao lado da filologia grega e latina, excluindo qualquer referência a textos cristãos nas outras linguagens contemporâneas; a história do cristianismo, em vez disso, por alguma misteriosa alquimia, é associada à biblioteconomia. Não é de se admirar que essas fronteiras mentais se reflitam nas publicações.
Em todo o caso, Jenkins também parece condicionado pelo crescente limite acadêmico anglo-saxão de negligenciar tudo o que não foi escrito (ou traduzido) em inglês. Uma olhada, mesmo que superficial, para a bibliografia alemã, francesa ou até italiana teria evitado para ele algumas imprecisões, como atribuir a origem da mística cristã ao gnosticismo, apresentar Orígenes e o origenismo como um fenômeno limitado apenas às Igrejas nestorianas, ou colocar a Constantinopla do século IV na Ásia, quando, ao contrário, ela se estendia inteiramente para a margem europeia do Bósforo; de modo mais geral, teria permitido a ele uma reconstrução mais articulada e precisa da relação das línguas e culturas orientais com as gregas, com as quais sempre mantiveram contatos próximos e das quais traduziram uma grande quantidade de escritos, começando pelo Novo Testamento.
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O passado africano e oriental do Evangelho. Artigo de Marco Rizzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU