21 Setembro 2019
"Estar no limiar significa considerar o cristianismo um "recurso". Estar dentro ou fora gera inevitavelmente contraposições. Enquanto os recursos por si só não contrapõem. Aliás, estão disponíveis para todos", comenta Giordano Cavallario sobre a obra Risorse del cristianesimo, ma senza passare per la via della fede do filósofo e sinólogo François Jullien, em artigo publicado em Settimana News, 19-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
François Jullien é um dos filósofos franceses mais famosos. Ele trabalhou sobre o pensamento europeu e oriental, especialmente chinês. Recentemente, foi publicada a sua obra Risorse del cristianesimo, ma senza passare per la via della fede (Recursos do Cristianismo, mas sem passar pelo caminho da fé, em tradução livre, Ponte alle Grazie, Milão 2019), que merece uma avaliação introdutória.
Jullien considera que a Europa esteja em dificuldade porque não fez do cristianismo seu próprio recurso de pensamento, tentando antes livrar-se de um evidente legado na contraposição entre fé e razão, entre crer e não crer. Para o autor, essa contraposição não tem hoje mais nenhum sentido. Pessoalmente, não quer estar nem dentro nem fora do cristianismo. Ele quer ficar e convidar a estar "no limiar" de seus recursos.
Estar no limiar significa considerar o cristianismo um "recurso". Estar dentro ou fora gera inevitavelmente contraposições. Enquanto os recursos por si só não contrapõem. Aliás, estão disponíveis para todos.
Recurso é, portanto, um termo-chave na obra. Um termo aberto. O recurso nunca exclui. Pode-se tirar o máximo dos recursos do cristianismo sem necessariamente passar, justamente, "pelo caminho da fé". Obviamente, sem excluí-la.
O cristianismo é um conjunto (plural) de recursos a partir de seus textos fundamentais: os Evangelhos. Quatro evangelhos em vez de apenas um.
Para Jullien, essas são quatro tentativas diferentes de realizar um percurso humano no inaudito da vida e da história, rumo ao evento novo sempre absolutamente possível.
João oferece nesse sentido o percurso mais interessante para o autor. O texto de João não propõe converter, ao contrário de Paulo. Na tentativa de converter, há um desejo de forçar, de impor. Para Jullien. João não busca a conversão dos ouvintes. João abre uma nova possibilidade existencial. Por isso seu pensamento pode interessar todo pensamento e, acima de tudo, toda vida.
João diz o que significa estar vivo, ou seja, vivente e não simplesmente estar em vida. Ele propõe dois termos: psyché, ou seja, a vida enquanto o humano está emvida e ainda não morto; e zoé, que é a vida humana como fonte de vida plena e superabundante. Cada um pode entender, segundo Jullien, a diferença, tanto na vida individual como na coletiva, principalmente na Europa de hoje.
Isso é essencial com a prevalência do pensamento contemporâneo, que visa o encerramento em si, o fechamento. Trata-se de entender hoje o que significa estar plenamente em vida e dar cumprimento à vida humana.
De João, Jullien retira dois conceitos "recurso": de-coincidência e intimidade. Por de-coincidência, entende a característica da vida que está fora do mundo, mesmo estando dentro do mundo, como contradição fecunda do humano. Por intimidade, entende a característica da vida que se mantém fora do fechamento do mundo para estar no outro, em intimidade com o outro. Estar fora do mundo, fora de si mesmo, é a condição para estar no outro e com o outro: no próximo (e, quando se crê, em Deus).
No mais profundo da vida de si, há a descoberta do outro. São grandes recursos do cristianismo que claramente vão além do próprio cristianismo.
A vida humana só pode ser entendida dessa maneira: no encontro com o outro. Encontro que, no entanto, é paradoxo e contradição. Porque o encontro perturba, mas abre continuamente para o novo evento possível.
De João ("Eu sou caminho, verdade e vida") Jullien também toma o recurso da verdade do cristianismo. Uma verdade ligada à vida, mais que ao conhecimento, com um olhar externo para a própria vida. Isso desloca o pensamento do conceito de verdade explicada e demonstrada para a original verdade da existência do humano. Uma verdade assim testemunhada pela própria vida.
Sem se pronunciar claramente sobre a humanidade divina de Cristo, Jullien vê em sua figura a aventura sempre possível do novo no humano: tanto no pensamento quanto na vida. O encorajamento de Cristo ou do cristianismo - conjunto de recursos - é, portanto, não permanecer no fechamento, romper o pensamento fechado (ideológico) e abrir continuamente brechas na vida individual e coletiva.
Cristo no evangelho de João - portanto o cristianismo - contém os recursos do pensamento que permitem justamente romper o que engessa, paralisa, aprisiona. Um potencial de pensamento e de consciência que dá aos seres humanos a capacidade de viver como seres viventes e não simplesmente como seres em vida, simplesmente porque ainda não mortos.
Isso, para Jullien, tem um grande valor hoje para a Europa e para a política na Europa: uma política que precisa de-coincidir, sair de algo fechado que está obstinadamente tentando salvaguardar, morrendo assim lentamente, para abrir-se a um novo diferente e possível.
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O cristianismo como um "recurso". Artigo de François Jullien - Instituto Humanitas Unisinos - IHU