18 Setembro 2019
Laudato Si’, a segunda encíclica do Papa Francisco, agora reflete o estado de espírito de uma geração.
A reportagem é de Nicolas Sénèze e Mélinée Le Priol, publicada por La Croix International, 16-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Do “Tempo da Criação” à Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia e um curso universitário de verão sobre ecologia integral, a Igreja Católica parece estar se tornando verde.
Quatro anos depois de Laudato Si’, o Papa Francisco não pretende baixar a voz na questão ecológica.
De fato, em mensagem publicada no dia em 1.º de setembro para abrir o “Tempo da Criação”, ele mais uma vez convidou os cristãos a se perguntarem sobre as “escolhas diárias”.
“Muitos de nós ainda se comportam como os senhores da criação”, disse ele.
Esse é um convite recorrente do papa argentino diante da assembleia sinodal sobre a Amazônia a acontecer em Roma entre os dias 6 e 27 de outubro no contexto de uma comoção mundial provocada pelos incêndios imensos na floresta tropical.
Hoje, esta preocupação ambiental parece ser mais compartilhada dentro da Igreja do que o era quando a encíclica foi publicada, em maio de 2015.
Na época, muitos católicos se perguntaram por que Francisco dava tanta importância a uma questão “temporal”, e a Laudato Si’ também suscitou um grande interesse para além da Igreja.
“Houve um grande interesse de todos os que esperavam uma voz moral sobre a questão ecológica e não estavam acostumados a ouvir a Igreja sobre esse assunto”, confirma Tebaldo Vinciguerra, assessor para assuntos ambientais do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, criado em 2016.
Esta encíclica deu um peso maior dentro da Igreja aos que são sensíveis em termos ecológicos. Em Roma, as universidades pontifícias se uniram para oferecer, pela primeira vez, uma graduação comum em ecologia integral.
Cátedras ou institutos inspirados em Laudato Si’ estão florescendo em todo o mundo, em Budapeste bem como em Oxford e no Panamá.
“Esse interesse não se restringe aos países ricos. Acontece que as iniciativas nos países em desenvolvimento podem ter menos visibilidade”, diz Vinciguerra.
Alguns episcopados reescreveram o texto papal em uma linguagem acessível para o grande público, enquanto a Caritas, rede mundial de caridade da Igreja Católica, fez do cuidado da casa comum uma de suas orientações estratégicas para os próximos anos.
O interesse no assunto igualmente se estendeu a outros círculos católicos além daqueles que já estavam convencidos: a noção de “ecologia humana” permitiu uma junção entre questões socioeconômicas e com questões de bioética ou antropologia.
“Laudato Si’ não só uma encíclica ‘verde’: é uma encíclica social”, repetiu o papa em junho passado à Fundação Centesimus Annus, grupo de empreendedores e economistas que refletem sobre a doutrina social da Igreja.
No nível internacional, o texto e as iniciativas subsequentes deram à Igreja uma maior credibilidade sobre o assunto e muitas instituições hoje estão integrando grupos religiosos em seus trabalhos.
Vinciguerra, que participou da Semana Mundial da Água em Estocolmo no final de agosto, não quer que a Igreja seja “instrumentalizada e convidada só para fins de sair nas fotos”.
No que diz respeito à França, este verão foi marcado por algumas novas iniciativas, como a organização, em agosto na Notre-Dame de l’Ouÿe (em Essonne), de uma primeira universidade de verão sobre ecologia integral.
A Comunidade de Taizé, em Burgundy, também ofereceu a jovens de 18 a 35 anos um curso específico sobre temas ambientais no fim de agosto, enquanto as sessões de verão aos jovens das comunidades Chemin-Neuf e Emmanuel contaram, pela primeira vez, com um curso sobre a Laudato Si’.
Em um momento de protestos estudantis contra as mudanças climáticas e do Manifesto Estudantil por um despertar ecológico, os jovens cristãos parecem estar tomando parte, a seu modo, do momento crucial de sua geração.
“O público está mudando!”, diz Fabien Revol, diretor do Centro Interdisciplinar de Ética e Ecologia Integral da Universidade Católica de Lyon.
“Entre 2015 e 2018, as iniciativas em torno da encíclica atraíam essencialmente o público de sempre, em geral idosos, com a exceção dos Escoteiros da França, os quais imediatamente tomaram conta do tema”.
O público e também a natureza destas propostas não são mais os mesmos de 2019. Após a efervescência da descoberta do texto papal, chegou a hora de assumi-lo e pô-lo em prática. Dentro das dioceses, existem aproximadamente 30 representantes encarregados desses assuntos, especialmente para o desenvolvimento do selo Igreja Verde.
O ensino católico também está levando este tema cada vez mais a sério.
Antes do começo do ano letivo, Revol conduziu um curso de formação sobre ecologia integral para cerca de 50 diretores escolares das dioceses de Gap, Digne e Aix-en-Provence, após ter proposto dias semelhantes à Secretaria Geral de Educação Católica, ou Fundação Auteuil.
“Tento fazê-los entender que a ecologia integral não existe para ser enxertada nas atividades, mas para que que revisitem por completo os seus projetos pastorais”.
Longe de uma simples concessão no espírito dos tempos, a ecologia parece ser uma oportunidade para que a Igreja se torne confiável aos olhos do mundo.
Mas para ser ouvida na questão da ecologia, ela deve também demonstrar o seu compromisso na erradicação dos abusos sexuais”, diz o blogueiro Patrice de Plunkett.
Para ele, a secularização só pode levar os católicos franceses a viver a religião na ação e “no seio do mundo”. Nesse sentido, a ecologia constitui “um caminho para o futuro”.
Como o curso de verão sobre ecologia integral, várias iniciativas coordenadas por católicos acontecem exatamente do lado de fora da Igreja, o que permite um intercâmbio com os não cristãos.
Assim, o movimento cristão Unidos pela Terra se fez presente na contracúpula do G7 em Hendaye no fim de agosto.
Já o Campus Transição, que acontece em Forges (em Seine-et-Marne) desde o verão de 2018, é uma atividade não denominacional, embora conte com o apoio da congregação religiosa da Assunção. Oferecendo aos alunos e profissionais a oportunidade de ter estilos de vida mais moderados e solidários, os seus membros buscam uma postura “radical e não marginal”.
Essa questão da radicalidade percorre a reflexão atual da Igreja sobre a ecologia.
Enquanto uns dão as boas-vindas ao progresso feito nos últimos meses e em um tom que por vezes rejeita toda culpa, outros deploram o fato de que a Igreja ainda carece de firmeza, especialmente para com os Estados e as multinacionais, e esperam muito do próximo Sínodo sobre a Amazônia.
“Não podemos mais dizer que veremos mais tarde”, diz o Pe. François Cassingena-Trévedy, monge beneditino em Ligugé.
“O planeta se transformou na grande questão sobre a qual todo fica suspenso. A frugalidade sempre teve um ideal espiritual, mas a ecologia se tornou um horizonte inevitável”.
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Ecologia: um novo horizonte para a Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU