24 Agosto 2019
“A Índia nunca renunciará à Caxemira por razões de segurança, dada a sua posição estratégica global entre a Índia, o Paquistão, a China e também a Rússia. No local, apenas a situação jurídica mudou. A Caxemira perdeu o seu status especial e se tornou juridicamente parte da Índia.”
A análise é do jesuíta indiano Michael Amaladoss, fundador e ex-diretor do Instituto de Diálogo com as Culturas e as Religiões, do Loyola College, em Chennai, na Índia. O artigo foi publicado por Settimana News, 22-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando a “Índia Britânica” foi dividida entre a Índia e o Paquistão, em agosto de 1947, havia na Índia mais de 100 Estados, entre pequenos e grandes, governados por reis de uma maneira mais ou menos autônoma, que pagavam os impostos aos ingleses. Foi-lhes oferecida a opção de permanecer independentes ou de se unirem à Índia ou ao Paquistão. A maioria dos reinos da Índia se uniram a ela.
Hyderabad era um grande Estado que não havia tomado uma decisão, e a Índia enviou o seu exército e se apossou dele. O mesmo aconteceu com Goa, que era uma colônia portuguesa.
O reino da Caxemira era um caso especial. Era povoado por uma vasta maioria muçulmana. Poderia ter se unidos ao Paquistão. Mas tinha um rei indiano. Tanto o rei quanto o povo podiam se embalar na ilusão de permanecerem independentes.
O Paquistão não teve paciência para esperar. Por isso, enviou para a Caxemira um pequeno exército de irregulares. O rei pediu ajuda à Índia. A Índia queria que aderisse a ela antes de enviar a ajuda. O rei aderiu à Índia com algumas condições especiais. Conseguiu convencer a Índia a conceder um status especial – uma espécie de semiautonomia. Assim, a Caxemira teria a sua própria bandeira, que desfraldava ao lado da bandeira da Índia.
Mapa mostra os países que cercam e controlam a Caxemira (Foto: Reprodução)
Controle da Caxemira (Foto: Reprodução)
Os indianos não caxemirenses não poderiam adquirir nenhuma propriedade no território. As leis aprovadas pela Índia não se aplicariam automaticamente à Caxemira. Ela teria a sua própria assembleia de representantes para aprová-las. Ela poderia aprovar as suas próprias leis locais, como qualquer outro Estado indiano. Com exceção de alguns aspectos como a defesa, a segurança interna e as relações postas sob o controle indiano, o Estado teve a sua autonomia. No entanto, o governador devia ser nomeado pela Índia.
Uma vez alcançado o acordo, a Índia enviou o seu exército. Mas, antes que ele pudesse expulsar os invasores, Jawaharlal Nehru, querendo evitar mais derramamento de sangue, apelou para as Nações Unidas. A guerra foi detida. O Paquistão e a Índia mantiveram os territórios sob seu controle. O Paquistão possuía apenas uma pequena parte dele.
Alguns observadores das Nações Unidas ainda estão lá, mas apenas no que diz respeito à zona de guerra e à linha de controle. Um pequeno grupo de caxemirenses hindus, chamados de Pundits, optou por abandonar a Caxemira e se mudou para a Índia, afirmando ser perseguido e não se sentir seguro.
A Caxemira é um grande Estado dividido em três zonas. A Caxemira propriamente dito é amplamente muçulmana. Jammu, no Leste, é predominantemente hindu. Ladak, no Norte, tem uma população mista, alguns pertencem a populações indígenas.
Depois de cerca de 60 anos, a linha que divide as zonas paquistanesas e indianas da Caxemira continua sendo uma área de conflito. O próprio Estado está praticamente sob controle militar em ambas as partes. Há relatos de tiroteios frequentes em ambos os lados. A Índia acusa o Paquistão de enviar terroristas à Caxemira indiana e também de fornecer armas aos terroristas locais.
Uma parte da população local na Caxemira indiana continua se manifestando, às vezes violentamente, a favor da independência. A opinião geral é de que, se um plebiscito fosse permitido, as pessoas escolheriam a independência em vez de se unirem à Índia ou ao Paquistão. Os esforços feitos nas negociações sempre fracassaram nesse ponto.
A Índia se recusa a reconhecer o direito do Paquistão de manter o território que possui, adquirido com uma invasão. Em segundo lugar, a Índia também se recusou a negociar enquanto o Paquistão apoiar o terrorismo. Houve uma breve guerra sobre esse assunto entre a Índia e o Paquistão há alguns anos.
Há também a sensação, da parte indiana, de que a política paquistanesa nessa controvérsia não é decidida nem pelos caxemirenses próximos da fronteira, nem pelos políticos, mas sim pelo exército, que aproveita essa oportunidade para se fortalecer e comprar armas.
As ofertas de mediação por parte de terceiros, feitas recentemente também por Trump, foram rejeitadas pela Índia, afirmando que se trata de um problema bilateral. Do ponto de vista indiano, a parte da Caxemira ocupada pelo Paquistão pertence à Índia, já que todo o Estado da Caxemira aderiu a ela.
Nehru sempre foi acusado pelo Partido Bharatiya Janata (BJP), agora no poder na Índia, de ter recorrido à ONU em vez de rejeitar o exército paquistanês na época da invasão. Como o problema diz respeito à ONU, considera-se que a Índia não deveria tomar nenhuma ação unilateral nesse sentido.
Agora, o que ela fez recentemente foi se comportar como se a Caxemira não fosse mais um território disputado, mas efetivamente uma parte da Índia. O ministro do Interior indiano afirmou recentemente que a parte da Caxemira ocupada pelo Paquistão também pertence à Índia.
A Índia dividiu a parte indiana da Caxemira em três zonas: o vale da Caxemira, Jammu e Ladak. Jammu e Ladak foram declarados territórios da União, que serão geridos diretamente por um governador nomeado pelo presidente, ou seja, pelo governo central.
A Caxemira também foi declarada território da União, mas não um Estado da União. No fim, terá a sua própria assembleia legislativa, mesmo que o poder real seja exercido por um governador indicado pelo centro. Isso lembra a situação de Pondicherry: desde que a Caxemira perdeu o seu status especial, os estrangeiros podem agora comprar propriedades, viver lá e criar organizações, fábricas etc. Alguns pensam que isso pode se tornar uma fonte de desenvolvimento econômico para a Caxemira, que até agora dependia em grande parte do turismo para garantir postos de trabalho e renda.
O Paquistão obviamente protestou contra essa tomada de posse. Mas todos os outros países, incluindo a Grã-Bretanha, a ex-potência colonial, parecem ficar em silêncio. Os EUA, que também se ofereceram recentemente para mediar a disputa, não protestaram. Até agora, os países muçulmanos da Ásia ocidental não disseram nada. Parece que todos consideram o fato como evidente. Dentro da própria Índia, alguns partidos da oposição votaram com o governo quando o problema foi apresentado no parlamento.
O Congresso, o principal partido da oposição, é muito fraco e está dividido sobre esse problema; atualmente, não tem sequer um líder, após a renúncia de Rahul Gandhi. Alguns certamente recorrerão à Suprema Corte, contestando a legalidade da iniciativa indiana. Não sabemos como a Corte vai reagir.
A única consequência que alguns comentaristas indianos temem é que os muçulmanos da Caxemira não aceitem essa situação. Eles temem que agora a Caxemira seja “invadida” pelos índios de outras partes da Índia. Isso poderia aumentar a violência “terrorista” tanto de origem local quanto paquistanesa. Alguns disseram até que ela poderia se tornar outra Palestina.
Se fosse possível chegar à paz entre os EUA e os talibãs no Afeganistão, estes últimos poderiam se unir aos terroristas nas fronteiras da Caxemira. Os caxemirenses podem esperar para ver como a Índia vai tratá-los. Neste momento, a situação futura na Caxemira parece incerta.
O BJP, que sempre foi contrário à divisão da Caxemira e a considerou como parte da Índia, alcançou o seu objetivo. Ladak e Jammu agora estão satisfeitos por serem menos negligenciados e mais assistidos pelo centro.
A Índia nunca renunciará à Caxemira por razões de segurança, dada a sua posição estratégica global entre a Índia, o Paquistão, a China e também a Rússia. Localmente, apenas a situação jurídica mudou. A Caxemira perdeu o seu status especial e se tornou juridicamente parte da Índia.
Seu futuro permanece em aberto. Ela poderia se desenvolver melhor, com mais investimentos financeiros da Índia. Esta certamente fará o melhor para satisfazer a população da Caxemira. Isso também pode convencer o BJP a ser menos antimuçulmano.
A Índia, por população, é o terceiro maior país muçulmano do mundo, depois da Indonésia e do Paquistão. Esperamos e rezamos pelo melhor.
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O que acontece na Caxemira? Artigo de Michael Amaladoss - Instituto Humanitas Unisinos - IHU