23 Agosto 2019
“Quando os fatos são incertos, quando a pesquisa está incompleta, devemos nos inclinar para a solução que seja mais segura para as pessoas afetadas. Brincar com a vida das pessoas é inaceitável.”
A opinião é de Thomas J. Reese, jesuíta estadunidense, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 22-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na política, é comum ter divergências sobre valores e objetivos. O que dificulta ainda mais a tomada de decisão do governo hoje é que discordamos não apenas em relação aos objetivos, mas também em relação aos fatos.
O planeta está se aquecendo? Os requerentes de asilo estarão em perigo se forem devolvidos a seus países ou se lhes for dito para esperarem no México? Um sistema único de saúde levaria o governo à falência?
Os problemas fáceis são aqueles com os quais concordamos sobre fatos e objetivos: a ponte desmoronou e precisa ser substituída. Há muitas questões adicionais que precisam ser resolvidas (design, contratos e como pagar por isso), mas sabemos como construir uma nova ponte. O acordo sobre os fatos e o objetivo torna as decisões subsequentes mais fáceis de serem tomadas.
Quando temos acordo sobre fatos, mas não sobre valores e objetivos, precisamos de um processo político.
Por exemplo, se uma cidade tem um superávit de um milhão de dólares, o que deveríamos fazer com o dinheiro? Concordamos sobre o montante do excedente, mas não sobre o que fazer com ele.
Desacordos sobre objetivos e valores só podem ser resolvidos por meio de negociações, compromissos ou pelo exercício do poder. Nós temos os votos; você perdeu.
Há até situações políticas em que concordamos sobre os objetivos, mas discordamos sobre os fatos, ou não sabemos como alcançar o objetivo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, queríamos derrotar os nossos inimigos, mas, no início da guerra, não estava claro como fazer isso. Durante a corrida espacial, decidimos colocar um homem na Lua, mas ninguém no Congresso tinha o conhecimento científico e de engenharia necessário para fazer isso acontecer.
Em ambos os casos, recorremos a especialistas para pesquisar o problema, encontrar soluções e fazer o trabalho. Muitas vezes, isso significava tentativas e erros até que uma boa solução fosse encontrada.
A pesquisa e a ciência, no entanto, são corrompidas quando as pessoas brincam com os fatos. Pesquisadores tendenciosos são comumente financiados por grupos de interesses especiais que querem os fatos do lado deles. Os políticos usam “fatos alternativos” para apoiar o seu caso. As disputas sobre fatos tornaram-se tão comuns que criaram um novo ramo de jornalismo dedicado a checar declarações de políticos de ambos os partidos.
Santo Agostinho acreditava que a proibição da mentira era absoluta para os cristãos, mesmo que isso lhes custasse a vida. Em sua opinião, mentir era um mal intrínseco. Moralistas posteriores argumentaram que alguém poderia mentir para se proteger de uma pessoa ou de um Estado malvados.
Hoje, afastamo-nos tanto de Agostinho que as pessoas simplesmente mentem para ganhar uma discussão ou para fazer dinheiro. O fim justifica os meios. E, quando pegas mentindo, elas não têm nenhuma vergonha nem sentimento de culpa.
O debate sobre a imigração é um debate em que vemos desacordos sobre valores e também sobre fatos, e isso o torna tão difícil de resolver.
Valores: que tipo de imigrantes queremos em termos de riqueza, educação, etnia, raça e religião? Devemos priorizar a reunião de famílias ou imigrantes que impulsionam a nossa economia? Como devemos lidar com aqueles que chegaram aqui ilegalmente? Devemos separar as famílias na fronteira?
Mas há também desacordos sobre os fatos: o que acontece com os requerentes de asilo quando eles retornam aos seus países? Os imigrantes cometem mais crimes do que os cidadãos nativos? Os imigrantes ou os cidadãos nativos são mais dependentes da assistência do governo? A imigração ajuda ou prejudica a economia? Os imigrantes pagam mais em termos de impostos do que recebem em termos de benefícios do governo?
A confusão sobre os fatos dificulta a tomada de decisões. Ignorar ou mentir sobre pesquisas já feitas só piora as coisas.
Se quisermos progredir no nosso país, precisamos valorizar os fatos e a verdade. Precisamos valorizar a pesquisa e a ciência.
Não há dúvida de que, às vezes, os pesquisadores e os cientistas entendem errado. Mas a ciência, no seu melhor, é um processo de autocorreção, no qual outros cientistas podem criticar e melhorar o trabalho dos seus pares. Mas, quando os políticos e o público descartam as descobertas científicas porque não gostam dos resultados, então estamos com problemas.
O destino dos requerentes de asilo é algo que me preocupa muito. Os requerentes de asilo são pessoas que alegam ter medo de sofrer danos se forem devolvidas ao seu país de origem. Os judeus que fugiam da Alemanha nazista eram um exemplo clássico de requerentes de asilo. Alguns judeus foram impedidos de entrar e voltaram para a Alemanha, onde encontraram a morte nos campos de concentração.
Os requerentes de asilo de hoje do Oriente Médio, da África e da América Central afirmam que suas vidas foram ameaçadas por razões políticas, religiosas ou de identidade, ou simplesmente porque não cooperariam com as gangues que predominam nos seus países. Alguns refugiados são mulheres que fogem do abuso conjugal. Às vezes, o governo é o perseguidor; às vezes, ele simplesmente olha para o outro lado e permite que a violência ocorra.
O governo Trump afirma que a maioria dos requerentes de asilo são fraudulentos e que estão vindo para os Estados Unidos realmente por razões econômicas. O governo alega que eles podem ser devolvidos com segurança para os seus países.
Essa é uma questão factual que deve ser pesquisada. O governo Trump já devolveu milhares de requerentes de asilo à América Central. O que aconteceu com eles depois do seu retorno? Temos alguns relatos sobre requerentes de asilo que retornaram, mas nenhum estudo abrangente.
O Congresso deveria exigir que o Escritório de Responsabilização do Governo, o Departamento de Segurança Interna e o Departamento de Estado façam a pesquisa para descobrir o que aconteceu com essas pessoas depois que elas foram devolvidas. Foram mortas? Ainda estão sob ameaça? Seus governos as protegeram?
Acadêmicos, organizações não governamentais e a Igreja Católica também deveriam fazer essa pesquisa. Precisamos saber o que acontece com as pessoas que são enviadas de volta.
A formulação de políticas deve ser influenciada pelos fatos. Tomar decisões ignorando os fatos é irresponsabilidade. É atirar no escuro quando não sabemos quem vamos ferir.
Mas os nossos valores também devem entrar em jogo. Quando os fatos são incertos, quando a pesquisa está incompleta, devemos nos inclinar para a solução que seja mais segura para as pessoas afetadas. Brincar com a vida das pessoas é inaceitável.
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Ciência, fatos e verdade são mais importantes quando vidas humanas estão em jogo. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU