05 Agosto 2019
A participação na Eucaristia é a fonte e o ápice de toda a vida cristã. As palavras reunidas no número 11 da Lumen Gentium, um dos documentos fundamentais do Vaticano II, devem nos levar a refletir sobre a realidade presente em muitas comunidades que não podem desfrutar de sua celebração, ficando reduzida em não poucos casos a uma vez por ano, uma situação presente na região amazônica.
A reportagem é de Luis Miguel Modino, publicada por Religión Digital, 01-08-2019. A tradução é do Cepat.
Diante desta realidade, o cardeal Walter Kasper se pergunta, em um texto que tem como título Munus Sanctificandi: Ministros nas comunidades indígenas e o direito de acesso à Eucaristia, sobre: “Como é possível negar, então, o direito à Eucaristia?”. Trata-se de uma reflexão na vida da Igreja, nos últimos anos, e que ganhou especial relevância com o Sínodo para a Amazônia, que terá sua assembleia sinodal em Roma, de 6 a 27 de outubro.
Walter Kasper, considerado um dos grandes teólogos do panorama europeu, nas últimas décadas, faz uma análise teológico-pastoral com qual pretende apresentar argumentos que fundamentem as previsíveis discussões que em torno deste tema devem surgir entre os padres sinodais. O cardeal alemão parte da ideia de Eucaristia como santificação do cosmos e da vida. Faz isso a partir do conceito de munus sanctificandi, estabelecendo um paralelo entre a Bíblia e o mundo amazônico, destacando a íntima ligação desses povos “a seu habitat e sua cultura e, ao mesmo tempo, possuem um sentimento pelo sagrado da natureza e do cosmos”.
Podemos dizer que o mais interessante do texto de Kasper são as perguntas que faz. Em referência a esta situação, questiona: “Como não podemos reconhecer (texto original: conceder) este simbolismo eucarístico aos povos, que o entendem melhor que nós e que necessitam dele para a sua vida diária, muitas vezes dura? Como podemos negar a celebração da Eucaristia com formas e canções apropriadas a sua cultura?”.
Procura responder estas perguntas a partir da teologia bíblica e do próprio Magistério, pois não podemos esquecer que um dos mandamentos da Igreja diz que “os fiéis devem participar da Missa todos os domingos e dias festivos”. Sendo assim, faz uma terceira pergunta: “Como fazer toda uma igreja local, como a da Amazônia, ser uma igreja em uma tradição apostólica sem a regular celebração eucarística dominical?”.
Em uma segunda parte do texto, o cardeal aborda o tema da Eucaristia a partir da economia da salvação, mostrando pela Bíblia e o Magistério o que a Eucaristia representa na vida do católico. Dos santos padres ao Vaticano II, Kasper encontra em sua reflexão argumentos para fazer uma nova pergunta, pois “se sem participação na Eucaristia falta algo essencial no ser igreja e se sem comer na mesa eucarística a comunidade fraterna e a unidade da Igreja se fragilizam, desmoronam e correm o risco de se dissolver, a questão é: como as comunidades cristãs podem ser Igreja, em sentido pleno da palavra, se não participam regularmente da celebração eucarística? Sem a Eucaristia, não lhes falta algo, não falta a elas o centro, não carecem do essencial do ser Igreja? Como é possível lhes negar, então, o direito à Eucaristia?”.
Esse direito à Eucaristia é o ponto de partida de sua reflexão na terceira parte, onde aborda questões relacionadas ao sacerdócio comum dos fiéis, que leva a afirmar que “todo o Povo de Deus, em razão do sensus fidei, goza da infalibilidade in credendo (LG 12: EG 119) e participa na função profética de Cristo (LG 13)”, algo que já mostrou John Henry Newman, cuja forma de entender estas realidades “não agradou a todos. No entanto, em algumas semanas será canonizado”. Junto com isso, destaca a necessidade do "sentire ecclesiam, viver a Igreja e viver na Igreja, que às vezes pode ser também um sofrer com a Igreja”, e de viver a sinodalidade, de ser “companheiros no caminho e escutar juntos o que o Espírito diz às igrejas”.
Por último, o cardeal alemão encerra seu escrito com três conclusões concretas.
Na primeira, destaca que “se em circunstância normais, as comunidades ao redor têm espaços e distâncias que permitem somente uma ou duas vezes ao ano ter acesso à Eucaristia, carecem de algo essencial para ser Igreja”. A partir daí, afirma que “estas comunidades têm o direito de que o bispo faça tudo o que for possível, de sua parte, para mudar esta situação”. Uma oportunidade que se apresenta com o Sínodo para a Amazônia, onde deixaria de ser uma iniciativa pessoal de um bispo para ser uma iniciativa eclesial.
Na segunda, reconhece que “o celibato não é o valor supremo, que tem prioridade sobre todos os valores de iure divino, como a estrutura sacramental da Igreja”, afirmando que “o celibato... não deve nos levar a uma Igreja de visitas, em vez de uma Igreja que permanece, acompanha, está presente e compartilha a vida cotidiana e serve para a santificar”. Sendo assim, convida à reflexão aberta sobre a ordenação de viri probati, e a “identificar que tipo de ministério oficial é possível conferir às mulheres”.
Por último, aborda o tema da “inculturação da celebração sacramental”, que na opinião do cardeal Kasper “implica uma penetração interior e uma transformação da cultura por dentro”. Além disso, também questiona se este é momento oportuno para falar “sobre a ordenação das mulheres”, reconhecendo que isso “parece pouco realista e, de fato, nos levaria a um cisma”, atrevendo-se a qualificar a questão como “um suicídio papal”. Nesse sentido, ele é partidário a dar outros passos, como “talvez o diaconato”, mas sobretudo para buscar estruturas sinodais “que garantam a corresponsabilidade e o direito à consulta, mas também de decisões do Povo de Deus”.
Sem dúvida, uma boa reflexão que, em concordância com elementos que fazem parte do Instrumentum Laboris do Sínodo para a Amazônia, pode significar uma fonte de argumentação para um tema que se apresenta como fundamental na vida das comunidades amazônicas, e que tem consequências que vão além da dimensão eclesial.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cardeal Kasper: “Como ser uma Igreja na tradição apostólica sem a regular celebração eucarística dominical?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU