26 Julho 2019
Ficha técnica
Nome: Estou me guardando para quando o
Carnaval chegar
Cor filmagem: Colorida
Origem: Brasil
Ano de produção: 2019
Gênero: Documentário
Duração: 85 min
Classificação: Livre
Direção: Marcelo Gomes
Toritama é um município no agreste de Pernambuco que o cineasta Marcelo Gomes conheceu ainda criança, viajando com o pai, funcionário público. Décadas depois, passando novamente pela região, deparou-se com outdoors enormes espalhados pela estrada, todos com propagandas de jeans. “Fiquei impressionado com aquilo. Aí meu motorista me contou que todo mundo da cidade passava o ano inteiro costurando, para tirar férias durante o Carnaval e gastar todo o dinheiro que juntou. Achei isso doido. Era um ato de rebeldia? Uma transgressão contra o capitalismo?”, disse o diretor em entrevista concedida a Alysson Oliveira, publicada por Cineweb, 10-07-2019.
Gomes conta que faz filmes sobre coisas que não conhece, sobre o que move sua curiosidade. E essa dinâmica do capital em Toritama o intrigou, resultando no documentário Estou me guardando para quando o Carnaval chegar. “Minha família é do Agreste. Eu tenho uma memória afetiva com o lugar, mas o que me interessava aqui era a geografia humana, o que mudou nos últimos tempos”. Pela cidade, o diretor se deparou com uma população inteira voltada para a produção de jeans – tanto que a cidade é conhecida como a capital brasileira do jeans. “O que encontrei foi um grande paradoxo. Os trabalhadores e trabalhadoras dessa indústria, que são autônomos, dizem que estão felizes assim, e têm liberdade. Mas que liberdade é essa, trabalhando de 12 a 14 horas por dia, todos os dias da semana?”
Estou me guardando..., que empresta seu título de uma música dos anos de 1970 de Chico Buarque, chega aos cinemas num momento crítico da história dos direitos trabalhistas no Brasil. “O filme mostra a face mais cruel do neoliberalismo, a ganância neoliberal, que leva as pessoas a trabalharem o tempo todo, a acreditarem que são empreendedores e que está tudo bem. Mas não está. Estão sendo exploradas mesmo, e sem qualquer vínculo empregatício.”
Cada uma dessas microempresas são chamadas, por eles mesmos, de “facção”. A maioria dessas facções ficam dentro das próprias casas, onde trabalho, descanso e lazer se confundem. “Isso parece moderno, mas é extremamente anacrônico. É um modelo antigo que potencializa a exploração do trabalhador.” O filme teve sua estreia mundial na Mostra Panorama do Festival de Berlim, depois foi exibido no É Tudo Verdade, de onde saiu com menções honrosas do júri oficial e da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas (ABD), além do prêmio da crítica. “Quando exibi o filme fora do país, percebi que todo mundo se sente muito próximo dessa realidade. Amigos de Londres e Berlim vinham me falar como conhecem regimes de trabalho similares nos países deles. É um movimento mundial da degradação do trabalhador. É preciso fazer algo, para que o mundo não se torne uma grande Toritama.”
Em oposição a esse esquema de trabalho contínuo da cidade, o filme coloca o outro lado, quando, uma vez por ano, os moradores da cidade tiram férias para brincar o Carnaval perto do mar. Conforme o documentário mostra, eles chegam a vender eletrodomésticos e afins para conseguir juntar o dinheiro suficiente para viajar. “O tempo do trabalho parece que não passa nunca, é exasperante, mas o da festa é rápido, logo acaba, e tudo volta a ser como era antes.”
Ao todo, Gomes e sua equipe fizeram sete viagens a Toritama, ao longo e um ano e meio, captando imagens e fazendo entrevistas com moradores locais. “As pessoas ficaram desconfiadas da gente, no começo. Pensaram que éramos espiões contratados por chineses para documentar o modo de trabalho deles. Depois, com o tempo, acabaram se abrindo.” Dos toritamenses presentes no filme, destaca-se Léo, uma espécie de faz-tudo, que, segundo o diretor, foi encontrado numa das facções e “dizia as coisas de um jeito diferente, uma espécie de filósofo anacrônico.” O rapaz tem preciosos minutos ao longo do filme, fazendo suas considerações e confessando que queria ser um profeta “para ajudar as pessoas.”
Léo e sua família ganham ainda mais destaque quando o Carnaval finalmente chega e diretor cede a ele uma câmera para que grave imagens da viagem e da festa. “Eu acompanhei todo mundo durante o trabalho nas facções, não achei justo intervir também no momento de descanso deles. Por isso veio a ideia de deixar uma câmera com ele, e rezar para que tudo desse certo.” E deu. O resultado são imagens tipicamente caseiras de uma viagem de férias mas, ao mesmo tempo, reveladoras. “Quando assisti, percebi que era um material que sintetizava tudo.”
Estou me guardando... chega ao público de uma maneira diferenciada. É o primeiro lançamento da Sessão Vitrine de 2019 que, neste ano, lançará simultaneamente os filmes também em plataformas digitais – a estreia em cinema e streaming é nesta quinta, 11 de julho. “É uma inovação que potencializa o público,” acredita o produtor do filme, João Vieira Jr. “Estão sendo criados novos hábitos de assistir aos filmes. As pessoas que não teriam acesso a esse documentário, se estivesse apenas no cinema, poderão ver.” Já o diretor ressalta: “Agora não tem desculpa para não assistir.” Toritama, por sua vez, não precisará recorrer ao digital e poderá se ver no cinema. “A sessão lá acontece no dia da estreia, numa sala de cinema que levou sete anos para ser feita. É um orgulho poder exibir o filme para eles na tela grande,” comemora Gomes.
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Marcelo Gomes revê dilemas do trabalho e do tempo em novo documentário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU