Estou me guardando para quando o Carnaval chegar

Foto: Divulgação

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26 Julho 2019

Ficha técnica
Nome: Estou me guardando para quando o
Carnaval chegar
Cor filmagem: Colorida
Origem: Brasil
Ano de produção: 2019
Gênero: Documentário
Duração: 85 min
Classificação: Livre
Direção: Marcelo Gomes

Sinopse

Em Toritama (PE), capital nacional do jeans, não há espaço para a diversão. A maioria dos moradores tornou-se pequenos empreendedores, transformando suas casas em oficinas de costura, onde nunca se para de trabalhar, já que o ganho é por produção. A rotina se repete todos os dias, até chegar a época do Carnaval.

Comentário

Quando volta a Toritama, cidade do sertão pernambucano que conheceu, bucólica e rural, ainda criança, o diretor Marcelo Gomes encontra a realidade da fervilhante capital nacional do jeans - hoje com 40.000 habitantes, é responsável pela produção de 20 milhões de peças anuais, ou 20% do total da produção do país. Os gigantescos outdoors da entrada da cidade sinalizam a drástica mudança da paisagem.

O comentário é de Neusa Barbosa, publicado por Cineweb, 03-07-2019. 

Praticamente todos os habitantes da cidade tornaram-se pequenos empreendedores, transformando suas casas em pequenas fábricas, chamadas ali de “facções”. Nelas, numa jornada que começa às 5h e não se interrompe formalmente para refeições, trabalha-se até 22h. O ganho é por produção. Não há tempo, nem energia, para pensar em mais nada em Toritama, que se tornou uma linha de montagem permanente, onde a diversão simplesmente não existe.

Um dos entrevistados, Leo, parece destoar dessa azáfama constante. O diretor do filme o encontra cochilando. Ele logo acorda e começa a conversar. Já cortou cana, já arrancou toco de madeira. Capitalismo? Ele não sabe o que é. Seu objetivo é somente ganhar dinheiro. Parece não saber que esse tipo de engrenagem, que soma trabalho precário, falta de garantias trabalhistas, incerteza de aposentadoria, é uma situação que se alastra pelo mundo inteiro hoje.

Percorrendo as ruas que conheceu menino, acompanhando seu pai, um fiscal de tributos no agreste de Pernambuco, Marcelo Gomes angustia-se com o barulho ensurdecedor das máquinas, a opressiva repetição dos gestos - sente-se ora um ladrão, ora um fiscal do tempo alheio, ao procurar roubar alguns minutos de conversa. Nem todos aceitam. Domingo é dia da feira, não se pode parar.

Na zona rural que resta, seu João é um dos raros moradores ainda com tempo de olhar para o céu, decifrando os sinais do vento e da chuva. Assim como dona Rosilda, em cujo sítio restou uma galinha de estimação, Sara Jane. Canário, o único pastor de cabras do pedaço, apascenta seus animais num cenário seco que lembra o Irã dos filmes de Abbas Kiarostami e Jafar Panahi.

No lugar do Ângelus das 18h, que ficou na memória afetiva do diretor, para os motoqueiros que hoje levam os tecidos e as peças de jeans de um lado a outro, a trilha sonora é o rap gritando nos celulares.

Ao lado do sonho do negócio próprio e de uma casa, no entanto, resta um outro que define todo o modo de vida local e, de certa forma, o contradiz. Porque, todo ano, na época do Carnaval, estes intrépidos trabalhadores vendem tudo, suas geladeiras, fogões, até as máquinas de costura que lhes dão o sustento, para ter dinheiro para passar uma semana perto do mar, alimentando um outro ativo comércio na cidade. Na volta, compram tudo de volta e o ciclo recomeça. Como a vida depois da Quarta-Feira de Cinzas, banhada de chuva, esta sim, algo que não mudou nestas paradas.

Estou me guardando para quando o Carnaval chegar teve sua première mundial na seleção oficial da seção Panorama, no Festival de Berlim, e recebeu menção honrosa do júri, menção honrosa da ABD (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas), além do prêmio da crítica, no Festival É Tudo Verdade.

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