11 Junho 2019
Parece claro que existe um programa diplomático por trás das viagens do papa em países islâmicos destinado a reabrir os canais com o islã dialogante em vista de um diálogo inter-religioso cada vez mais frutífero e concreto. Esse objetivo determinou a assinatura do Documento sobre a fraternidade humana, em Abu Dhabi, no dia 5 de fevereiro de 2019, com o Grande Imam de Al-Azhar e do Apelo sobre Jerusalém/Al Qods, Cidade Santa, assinado em 30 de março de 2019 pelo Papa e por rei Mohammed VI.
O comentário é de Gabriele Ferrari, publicado por Settimana News, 06-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mas, ao mesmo tempo, essas visitas do Papa são encontros pastorais com as comunidades cristãs em missão ad gentes. E, como tal, permitiram ao Papa acrescentar novas peças ao mosaico da nova missão ad gentes que, a partir da Evangelii gaudium, ele está compondo para toda a Igreja.
Para ser honesto, o papa não está aportando nenhuma novidade em relação às orientações dadas pelo concílio à eclesiologia e à missão, mas novos acentos e palavras encorajadoras para os missionários, após as reiteradas e preocupadas recomendações para pregar o evangelho e batizar, dirigidas a eles nos anos passados.
Nos discursos do papa atual, prevalecem os chamamentos a uma corajosa saída para o mundo, ao diálogo e à caridade em resposta à realidade das Igrejas que hoje tendem a encerrar-se sobre o cuidado dos cristãos já batizados, esquecendo o vasto mundo onde o anúncio do Evangelho não ainda chegou ou não consegue mais avançar. Estamos nos referindo às populações da Ásia ou do mundo islâmico onde a Igreja, embora esteja presente, deve conforma-se a um aumento numérico estatisticamente pouco significativo. Que tipo de missão pode ser prevista nesses países? Ou deveria ser dada como terminada?
Não, não está terminada
Certamente não é este o pensamento missionário do Papa Francisco. A visita ao Marrocos, no final de março passado, depois do Egito e dos Emirados Árabes, não foi apenas uma visita corajosa para o atual momento político, mas uma oportunidade de dar um novo impulso à missão daquela Igreja e, junto, uma palavra corajosa e encorajadora para os missionários que trabalham ad gentes.
O papa encontrando-se com sacerdotes e homens e mulheres consagrados em Rabat, em 31 de março passado, fez afirmações que certamente fazem refletir e talvez até discutir os missionários da antiga missão e, principalmente, aqueles que esperam um retorno à missão do passado.
João Paulo II já havia sacudido a cúria romana quando se encontrou com jovens islâmicos em Casablanca (19 de agosto de 1985) aos quais havia falado de um possível diálogo entre cristãos e islâmicos sobre a fé comum no único Deus, e mais ainda quando havia convocado a Assis os líderes religiosos do mundo inteiro em 26 de outubro de 1986. Era o fim da missão?
Desta vez, Francisco em Rabat falou diretamente aos sacerdotes, aos consagradas e aos líderes do Conselho ecumênico das Igrejas. A realidade da Igreja no Marrocos sugeriu-lhe algumas ênfases que renovam o frescor da missão - paradoxalmente - em uma terra onde a atividade missionária não atinge os percentuais de novos cristãos como em outras terras da África.
Abandonando aquela exagerada ansiedade missionária que não tem direito de existir porque se esquece de que a evangelização é, em primeiro lugar, obra de Deus (Paulo VI já dizia isso na Evangelii nuntiandi), lembrou que "Jesus não nos escolheu e nos enviou para que nos tornássemos mais numerosos! Ele nos chamou para uma missão. Ele nos colocou na sociedade como aquela pequena quantidade de fermento: o fermento das bem-aventuranças e do amor fraterno".
O que importa, portanto, é a qualidade da presença dos cristãos no mundo não-cristão ou no mundo agnóstico e indiferente de hoje. A missão "não é determinada particularmente pelo número ou pela quantidade de espaços ocupados, mas pela capacidade que temos de despertar mudança, surpresa e compaixão". E, com uma insistência incomum, Francisco afirma que as vias da missão "não passam pelo proselitismo. Por favor, não passam pelo proselitismo!”
brecorda a palavra de Bento XVI já mencionada na Evangelii gaudium 14: "A Igreja cresce não por proselitismo, mas por atração, por testemunho". Por isso, a missão não consiste em conquistar seguidores para a Igreja e para a religião, e as estatísticas, se ainda se devem ou se querem fazer, não deveriam se preocupar com o número dos cristãos e dos sacramentos administrados, mas a capacidade de atração ou de irradiação cristã, o "nosso jeito de estar com Jesus e com os outros". O perigo, mas também o desafio da missão "não é ser [ou se tornar] pouco numerosos, mas ser insignificantes, tornar-se um sal que não tem mais o sabor do Evangelho - este é o problema! - ou uma luz que já não ilumina mais nada (cf. Mt 5,13-15)".
O segundo tema missionário sobre o qual o Papa insistiu em Rabat é o diálogo na missão da Igreja. Recordando as palavras de Paulo VI sobre a Igreja, que para evangelizar o mundo se faz palavra, conversa, diálogo (cf. Ecclesiam suam n. 67), Francisco afirma que a Igreja na sua missão "deve entrar em diálogo, não por uma moda ou como estratégia” para aumentar o número dos seus membros, mas "por fidelidade ao seu Senhor e Mestre que, desde o início, movido pelo amor, quis entrar em diálogo como amigo e convidar-nos a participar de sua amizade (cf. Dei Verbum 2)".
A missão no Marrocos, como nos outros países onde a Igreja é minoritária, mostra que "o cristão aprende a ser um sacramento vivo do diálogo que Deus quer estabelecer com todo homem e mulher, em qualquer condição de vida". Será um diálogo a ser realizado "à maneira de Jesus, manso e humilde de coração (cf. Mt 11,29), com um amor fervoroso e desinteressado, sem cálculos e sem limites, no respeito à liberdade das pessoas".
Esse modo de estar no mundo lembra o exemplo do diálogo ante litteram praticado por São Francisco de Assis que, em plena cruzada, foi se encontrar com o sultão al-Malik al-Kamil; do beato Charles de Foucault que, na solidão de Tamanrasset, vivia em comunhão com os tuaregues e adorava Jesus para ser um "irmão universal"; dos mártires da Argélia que escolheram solidarizar-se com o povo até doar a própria vida, revelando assim aquele amor de Cristo que vai até ao fim (cf. Jo 13, 1; 19, 30).
O Papa convida a "ser missão" antes que a "fazer missão" para que, então, a comunhão de vida e o diálogo se convertam em oração em nome daquela "fraternidade humana que abraça todos os homens, os une e os torna iguais. Em nome desta irmandade dilacerada por políticas fundamentalistas e divisionistas, por sistemas imoderados de lucro e tendências ideológicas odiosas, que manipulam as ações e os destinos dos homens" (cf. Documento sobre a Irmandade Humana, Abu Dhabi, 4 de fevereiro de 2019).
A missão se faz oração "que não distingue, não separa e não marginaliza, mas que se faz eco da vida do próximo; oração de intercessão capaz de dizer ao Pai: "venha o teu reino"; uma oração que converte a missão para que prossiga "não com a violência, não com o ódio, nem com a supremacia étnica, religiosa, econômica e assim por diante, mas com a força da compaixão derramada na Cruz para todos os homens".
Francisco encoraja os missionários a continuar a sua presença "sem outro desejo senão tornar visível a presença e o amor de Cristo que se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8,9)", para se fazer "próximos daqueles que muitas vezes são deixados para trás, dos pequenos e dos pobres, dos presos e dos migrantes", perseguindo aquele ecumenismo da caridade que é "o caminho da comunhão entre os cristãos de todas as confissões", e também "uma via de diálogo e cooperação com os nossos irmãos e irmãs muçulmanos e com todas as pessoas de boa vontade".
A caridade desinteressada, especialmente para os mais fracos, é a melhor oportunidade que temos para continuar "trabalhando em favor de uma ‘cultura do encontro’".
A missão que o Papa espera é caracterizada pela mansidão, simplicidade, pobreza, será uma missão que procura não conquistar, mas atrair com a beleza da vida segundo o Evangelho, que dialoga, ouve e não pretende seduzir com o poder das obras, mas se faz companheira das pessoas que encontra, solidária e compassiva com os pobres dos quais sabe que pode ser evangelizada.
Ao ler o discurso do papa em Rabat pode-se pensar que ele esquece a missão dos últimos dois séculos ... Não é assim. Pelo contrário, recorda aos missionários, sacerdotes ou religiosos presentes em Rabat, que são herdeiros e "testemunhas de uma história que é gloriosa, porque é uma história de sacrifícios, de esperança, de luta quotidiana, de vida consumida no serviço, de constância no trabalho difícil.”. E, referindo-se a Vita consecrata n. 110, afirma que missionários e os religiosos não têm apenas uma história gloriosa para lembrar e contar, mas uma grande história para construir! “Olhais para o futuro - frequentais o futuro - no qual o Espírito vos projeta para continuar a ser sinal vivo daquela fraternidade a que o Pai nos chamou, sem voluntarismos e resignação, mas como crentes que sabem que o Senhor sempre nos precede e abre espaços de esperança onde algo ou alguém parecia perdido”.
Assim, Francisco, em Rabat, deu um novo sopro à missão de estilo colonial, característica da história da Igreja nos últimos dois séculos, assegurando ao mesmo tempo que a missão, atenta à história, continua também e, acima de tudo, onde não parece avançar de sucesso em sucesso, livre do triunfalismo mundano das estatísticas. Não será a missão das grandes obras, mas da presença suave e humilde, de serviço fraterno à comunhão.
Rabat assinala mais um passo no caminho da missão, tal como foi concebida pelo Concílio Vaticano II e como a que concretizar o Papa Francisco.
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Missão: dialógica e pós-colonial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU