30 Mai 2019
"Quando cheguei à universidade, era a primeira vez que as mulheres podiam ingressar. Passei os anos na filosofia, que naquela época eram todos em latim, como uma ilha intangível. Muitos de meus colegas estudantes haviam recebido instrução de seus superiores para não falar comigo e não me abordar. A obediência foi tamanha que ninguém jamais se sentou ao meu lado, nem à direita, nem à esquerda, nem mesmo na frente ou atrás. Eu era uma ilha."
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por la Repubblica, 29-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A aula "histórica" da Gregoriana, como ainda é chamada hoje em dia, ou seja, a única que permaneceu com os mesmos bancos de 1920, está lotada para a última aula, depois de quarenta anos de ensino, da grande erudita bíblica Bruna Costacurta, teóloga reservada, que nunca concedeu entrevista aos jornais apesar de múltiplos pedidos, uma vida dedicada aos estudos do texto hebraico sondado em sua profundidade semântica: "Continuamente eu luto - ela relata - contra a tentação de simplificar, de escolher um único sentido onde há uma polissemia”.
Era o final da década de 1960, quando Costacurta, a primeira mulher laica a ser admitida aos estudos filosóficos e teológicos, que até então eram reservados apenas para seminaristas e padres, colocou os pés na universidade que tinha entre suas fileiras estudantes do calibre de Oscar Romero e padre Massimiliano Kolbe, e também dos teólogos Roberto Busa e Bernard Lonergan, para chegar depois a Carlo Maria Martini, Elmar Salmann e Joseph Ratzinger que proferiu um curso sobre a eucaristia. Nem mesmo as freiras usufruíam de tal privilégio. Elas simplesmente não tinham permissão para estudar.
Ela entrou na universidade na ponta dos pés, cercada de longas batinas negras que a olhavam com indiferença ou com um pouco de reprovação: "Você nunca será um padre; se você voltar aqui, te enchemos de pancadas", disseram para ela os seminaristas do lado de fora da universidade. Mas os professores a defenderam. "Se alguma coisa acontecer com Bruna, saberei quem devo procurar", informaram aos interessados. E, inclusive, enquanto frequentava a especialização no Bíblico, ofereceram-lhe o ensino em Ciências Religiosas, depois em Psicologia, mais tarde em Espiritualidade e, por fim, no próprio Bíblico onde permaneceu até ontem, aos 72 anos, como professora de exegese do Antigo Testamento.
A Igreja tinha recém-saído do Vaticano II. O vento da renovação soprava, mas em correntes alternadas. Suas primeiras aulas eram frequentadas pelos seminaristas por curiosidade: "Eles compareciam porque estavam intrigados pelo estranho fenômeno, a presença incomum de uma mulher que ensinava as Escrituras", ela relata. E continua: “Depois a beleza da palavra de Deus levou a melhor e o fato de eu ser mulher deixou de ser uma atração. Eu fiz minha tese de doutorado sobre a emoção do medo. Eu abordei um tema inexplorado".
E, de fato, não há muitas pessoas que fazem exegese do texto examinando o mundo das emoções das personagens, as dimensões afetivas e emotivas do tecido pessoal. Nisso se basearam os anos de estudo dedicados a realçar a profundidade da Palavra: "Na Bíblia, um papel importante é desempenhado pela multiplicidade de significados presentes em uma expressão linguística. Tomemos o Salmo 103, versículo 12: ‘e como o oriente está longe do ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões’. ‘De nós’ também pode ser traduzido ‘de si’. Deus, portanto, afasta as transgressões de nós, mas também de si mesmo, de forma a não lembrar mais delas”. E conclui: "A palavra de Deus é um poço inesgotável no qual se pode buscar recurso infinitas vezes. Se uma poça de água bem pequena pode mostrar reflexos infinitos, muito mais as pequenas gotas do texto bíblico, porque são gotas de Deus”.
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A teóloga que desafiou os machistas. "Eles diziam: vamos te encher de pancadas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU