23 Mai 2019
“É preciso dizer não à uma economia depredadora que converte o trabalhador em escravo”. Uma mensagem clara e contundente, profética como sempre, que enviou o papa Francisco, em uma carta aos mais de 400 participante do Colóquio Internaconal sobre “O trabalho em uma transição ecológica solidária”, organizado na sede parisiense da Unesco, pelos jesuítas do CERAS e pela OIT.
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religón Digital, 22-05-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em uma curta, mas como sempre, valente mensagem, lida por dom Francesco Follo, representante papal frente a Unesco, Francisco destacou que “uma situação social indigna chama a uma valente revolução cultural” e que “antes as ameaças que pesam sobre o meio-ambiente, é necessário promover um novo estilo de vida”. Tudo um broche de ouro para um Colóquio laico-religioso, que busca trazer à realidade a Laudato Si’.
Um 'Colóquio Internacional sobre o trabalho em uma transição ecológica solidária' que, ontem, girou em torno de julgar o tremendo e denunciador quadro de Guayasamín, e hoje, quando se trata de atuar, foi mais simbolizado no 'Ícaro' de Picasso, outra das pinturas que fica na sede da Unesco em Paris. Pelo menos, porque essa tentativa tem a ver com a conquista dos céus: da dignidade e do trabalho decente.
O painel, moderado pela jornalista da La Croix, Isabelle de Gaulmyn, contou com três pesos pesados: uma das líderes da OIT, Anna Biondi, o secretário do dicastério romano do “Desenvolvimento Humano Integral”, dom Bruno-Marie Duffé, e o presidente da comissão episcopal de pastoral social da Argentina, o bispo jesuíta Jorge Lugones.
Em busca desse objetivo de um trabalho digno da humanidade e da terra, a diretora da OIT, Anna Biondi, incidiu nos grupos mais vulneráveis, incluído alguns países, como o Malawi, que “depende quase totalmente da produção do tabaco” e que precisa oferecer “alternativas reais”.
Também insistiu na necessidade de “empoderamento das mulheres” e “na economia circular, para caminhar juntos, de baixo acima, empoderando às comunidades da base, promovendo a segurança e a saúde como direito humano”.
Anna Biondi louvou, nesse sentido, o gesto do cardeal Krajewsvki, esmoleiro do Papa, de reestabelecer a luz elétrica em um edifício com 400 moradores sem-teto em Roma. Um gesto que, a seu juízo, “provocou escândalo, porém, quando é necessária a justiça, há que se atuar”.
Porém a estrela do fechamento foi, sem dúvida, o bispo argentino Lugones e seu novo projeto de “Cuidadores da casa comum”. O atual bispo de Lomas de Zamora, na região metropolitana de Buenos Aires, foi antes bispo de Nueva Orán, província de Salta, na fronteira com a Bolívia, e ali se sensibilizou com os problemas causados pelo extrativismo. Desde então vem refletindo sobre o tema ecológico e, em 2014, publicou “Uma terra habitável para todos”, um livro que teve a sorte de ser citado pelo próprio Papa no parágrafo 133 da Laudato Si’.
Animados pelo documento papal, dom Lugones e sua equipe decidiram leva-lo à prática com o programa “Cuidadores da Casa Comum”. O objetivo do projeto, no que hoje participam 3 mil jovens ao longo de toda Argentina, é gerar trabalho digno para jovens em situação de precaridade. Jovens que, como diz o bispo, “sofrem com a cultura do descarte, a quem golpeia duramente a política neoliberal que assola a região e aos que, no melhor dos casos, lhes oferece trabalhos indignos e degradantes”.
Dom Lugones com os cuidadores da Casa Comum. Foto: Religión Digital
Com o programa “Cuidadores”, também querem se unir “ao convite do papa Francisco de confrontar o capitalismo selvagem que mata”. Com uma série de eixos, entre eles o da formação integral, pelo que os jovens recebem um salário social complementar por parte do Estado.
“Porque, nós cuidadores tratamos de responder ao desafio e não baixamos os braços”, seguindo o Papa, que “nos convida a dar uma alma à economia”. E, ademais, porque “necessitamos um novo paradigma, para gerir uma nova civilização”. E os assistentes premiaram ao bispo Lugones com uma sentida e larga saudação por um projeto como o seu, que merecia ser mais conhecido e estendido por todo o mundo.
A estrela convidada do encerramento foi o secretário do dicastério do Desenvolvimento Humano Integral, o francês Bruno-Marie Duffé, que fez honra a sua fama e pronunciou uma brilhante conferência, na qual, na teoria e na práxis, fez presente as intenções do Papa.
Começou, de fato, lembrando que acabara de chegar, vindo do Brasil, mais especificamente de Brumadinho, o lugar onde arrebentou uma represa mal cuidada pelas empresas extrativistas e matou 300 pessoas, cujos alguns corpos ainda não foram encontrados. "Vim compartilhar, gritar e rezar com as pessoas a dor e a indignação provocadas pelo extrativismo mineiro, um exemplo claro da economia que mata".
Um exemplo claro desta economia que "quer sempre mais e mais rapidamente", que contrasta com o "ensino social do Evangelho" ou com a Doutrina Social da Igreja, que se baseia em quatro referências principais: co-criação, contrato justo, personalismo e a ecologia integral.
E o prelado francês revisou em seu discurso os quatro pilares. Quanto ao primeiro, co-criação, ele assegurou que "Deus é quem trabalha primeiro e dá à pessoa a capacidade de trabalhar e continuar a criação". Portanto, desde Gênesis, Deus pede aos homens quatro coisas: "produzir e proteger, co-criar e cuidar".
O segundo pilar da Doutrina Social da Igreja é o contrato justo, porque "o nosso desafio é o da solidariedade": reconhecer o outro como igual, como ajuda e como irmão ". O terceiro é o personalismo, porque "quando a pessoa se desenvolve, o mesmo acontece com a comunidade". E o quarto, a ecologia integral, isto é, "trata-se de proteger a pessoa e a comunidade, protegendo a terra”.
Portanto, na opinião de dom Duffé é "quando se pensa em um novo paradigma para a economia, ecologia e pela dignidade da pessoa", partindo "da memória coletiva do mundo do trabalho", a força da convicção, bem como "a alteridade e a força social da solidariedade e do poliedro das culturas".
De lá, ele disse que "a emigração não é uma ameaça, mas uma nova experiência de trabalho" e que "a ecologia integral exige uma união entre culturas e religiões", pois que "o desenvolvimento não está progredindo, assim como um barco embriagado de poder". E uma nova ovação estrondosa encheu o enorme salão da Unesco.
Louise Roblin, membro do CERAS e uma das organizadoras do evento, fechou o ato, apresentando um vídeo, no qual se resume um manifesto “por uma transição ecológica solidária”, no qual se sustente que “há que pensar um futuro no qual o trabalho seja uma parte integrante da transição ecológica”. Porque o “trabalho não pode seguir sendo uma mercadoria e deve ser protegido em nome da dignidade humana”.
Depois desta introdução, o manifesto se divide em quatro parte. A primeira, a mudança de paradigma, para conseguir um trabalho decente baseado nesses 8 princípios: dignidade humana, justiça social, bem-comum, qualidade laboral, solidariedade ecológica, cooperação, boa organização e cuidado das relações.
A segunda parte do manifesto postula que “o trabalho é coletivo pela essência” e tem que ter em conta a todos os trabalhadores, incluídos os invisíveis. A terceira parte diz que “o bem-comum é o objetivo do trabalho”. E a quarta e última aborda o trabalho como cuidado e recorda o velho princípio da DSI: “A propriedade privada está subordinada ao destino universal dos bens”.
Como conclusão, o principal organizador do Colóquio, o jesuíta Marcel Remon, agradecia aos oradores e, especialmente, aos presentes, que postos em pé, lhe devolveram o agradecimento com uma sonora ovação. Todo um êxito da organização, dos participantes e, sobretudo, de frutos. A Laudato Si’ floresce. Porque ninguém pode parar a primavera na primavera.
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Papa Francisco: “É preciso dizer não a uma economia depredadora, que converte o trabalhador em escravo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU