10 Mai 2019
Bolsonaro é o símbolo reacionário com o qual a parcela mais conservadora da sociedade se identifica na ressaca do desalento político.
O comentário é de Roberto Amaral, cientista político, publicado por CartaCapital, 09-05-2019.
Há muitos equívocos, a meu ver, nos comentários aos primeiros quatro meses do novo regime, por si só uma entidade à procura de definição. Ouso identificar como principais as percepções de que o governo: 1) está parado; 2) é imprevisível e 3) não aponta para o autoritarismo sem disfarce.
Sobre tais equívocos sobreleva como erro básico a redução do novo regime ao governo que o expressa, e este à figura do capitão, como se em 2018, em pleno desenvolvimento de um processo que teve como ponto de partida o impeachment de Dilma Rousseff, tivéssemos vivido uma corriqueira transição de governo.
Por antonímia, o bolsonarismo é privatista, americanista, entreguista e repele mudanças sociais. É a voz da extrema-direita contemporânea que, do ponto de vista ideológico, não é “um ponto fora da curva”, nem representa uma especificidade brasileira. Experimentamos o que alguns observadores denominam “democracia illiberal” e mesmo anti-iluminista. Na verdade, um regime autoritário bifronte, caracterizado pela convivência de restrições a direitos individuais com um ultra liberalismo econômico, sustentado pelo sufrágio popular. O mesmo processo levou ao poder Tayyip Erdogan e Viktor Orbán.
O neoliberalismo econômico (o amálgama que, com o anti-lulismo, consolida a aliança dos militares com o mercado) pede um governo autoritário (às favas o liberalismo politico, como diria o cel. Jarbas Passarinho), porque sua efetividade requer medidas antipopulares. A reforma que o “Posto Ipiranga” patrocina com o apoio da unanimidade da grande imprensa, da Avenida Paulista e suas adjacências, nos chega como aquele experimento dos Chicago boys que vicejou na sangrenta ditadura de Pinochet.
Só um governo autoritário – e mesmo protofascista – pode assegurar a implantação de uma política que desencadeia o desemprego, desampara pensionistas e protege os mais ricos em momento de crise econômica profunda. Crise alimentada pelos desarranjos estruturais conhecidos, e agravada pela crise internacional que, depois da quebra do sistema financeiro norte-americano, nos revisita com o esperado aumento do preço do petróleo, fruto da política trumpiana na Venezuela, no Oriente Médio e, sobretudo, no Irã, forçado a retomar seu programa nuclear.
Tenho, neste espaço, insistido na tese de que estamos sob um novo regime que se auto-conserva como uma ‘nova ordem’, a qual, gerada na antiga ordem e filha do sistema, se volta contra uma e outro, procurando negá-los, num regressismo inaudito.
Assim se explica como o campeão da antipolítica carrega consigo mais de 30 anos de mandato parlamentar e, fruto da “velha política”, reivindique o posto de arauto de uma “nova” política.
Mas isso que estou denominando de novo regime se alimenta, mais profundamente, na negação do regime instaurado pela Constituição de 1988 e, mais precisamente, nos anos de preeminência do petismo e do lulismo que os generais apoiaram, sem haver sido conquistados para suas teses.
Sem autonomia doutrinária, o bolsonarismo converte-se numa proposta de pura negação. Contrapõe-se à modernidade, com a qual identifica um tal de “marxismo cultural” e o lulismo, que aponta como síntese dos males do país.
O autoritarismo está, pois, na gênese do novo regime; atende a uma necessidade interna e se precata contra os novos ventos da conjuntura internacional.
De outra parte, o novo regime, por intermédio de sua representação atual que é o governo bolsonaro, vem realizando todas as ameaças de campanha. Uma vez mais lembremos: jamais tivemos um governo e uma política tão previsíveis. Sua pauta está em dia, como atestam os avanços na “reforma” da previdência, a nova política externa fundada na dependência abjeta e na aliança – por razões estritamente ideológicas – com governos de direita e extrema-direita, a desmontagem de direitos sociais e individuais e seu empenho na luta contra o conhecimento e a reflexão.
Neste cenário de coerência entre fins e meios, estratégia e métodos, se os atos do novo regime são previsíveis, como já vimos, igualmente previsível é o Estado que está por vir, quando a conjuntura nacional, reproduzindo o quadro internacional, nos acena com aguda crise econômica associada à crise da democracia representativa que embute a crise dos valores da democracia liberal, a falência dos partidos políticos e a desmoralização da política como instância de solução dos problemas do povo e do país.
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A previsibilidade do que está por vir - Instituto Humanitas Unisinos - IHU