08 Mai 2019
Na Bíblia parecem dois salmos (42 e 43 ou 41 e 42), mas era apenas um só, depois dividido em dois, ninguém sabe por quem. Um refrão, facilmente memorável, o separa em duas partes: Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei pela salvação da sua face. (42.8 e 12; 43.5).
A reflexão é do biblista e monsenhor italiano Giovanni Giavini, ex-Capelão de João Paulo II, em artigo publicado por Settimana News, 04-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como de hábito, nos perguntamos: quem fala neste salmo que vamos ler na última versão do CEI? Claramente trata-se de um sacerdote judeu, ou pelo menos um levita, ou seja, um auxiliar do antigo templo salomônico de Jerusalém antes de sua destruição (que ocorreu em 586 a.C. pelos babilônios de Nabucodonosor, reconstruído pelos judeus aproximadamente em 520, esplendidamente ampliado pelo famoso e terrível Herodes, o Grande, pouco antes do nascimento de Jesus e definitivamente eliminado pelos romanos em 70 d.C.).
Aquele sacerdote ou levita lembra com nostalgia as procissões e cânticos talvez dirigidos por ele como diretor do coral junto com seu povo: pois eu havia ido com a multidão. Fui com eles à casa de Deus, com voz de alegria e louvor, com a multidão que festejava.
Mas então? Adversários ... pessoas implacáveis ... um homem fraudulento e injusto, talvez até mesmo com difamação, foi forçado a abandonar a cidade e o templo e acabar no exílio: cerca de 150 km ao norte, entre rochas e montanhas cobertas de neve, perto das nascentes do Jordão alimentadas por torrentes e cachoeiras rumorejantes, entre bestas selvagens, e até mesmo corças. Tudo isso teria agradado um turista ... mas a ele, realmente não.
Cachoeiras e ondas lembram a ele apenas aquelas que Deus jogou sobre ele: Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado sobre mim. Além disso, estando também em uma região de idólatras, há também aqueles que o desafiam sobre religião e fé: As minhas lágrimas servem-me de mantimento de dia e de noite, enquanto me dizem constantemente: Onde está o teu Deus?
Havia, portanto, precisamente, necessidade de chorar profusamente ou mesmo pular de um penhasco e acabar com tudo ... Ao invés disso, sua alma, ou seja, é o seu íntimo mais verdadeiro, o seu coração, prefere, apesar de tudo - quase apesar de Deus - ficar numa beira: entre o desespero e esperança.
O salmo, de fato, oscila continuamente entre esses dois polos, com uma alternação profundamente humana (ou não?). Eis o sentido do refrão que se repete por três vezes e outras expressões como estas: como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! a minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo (não dos ídolos mortos do mundo circundante). Quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus que agora parece escondido por trás de nuvens ameaçadoras?
Mas onde voltar para vê-lo? Seria necessária Jerusalém com seu templo ... Não, agora o salmista, mesmo com o próprio rosto riscado de lágrimas, descobre que Deus também está ali entre aquelas rochas e entre aquele fragor das cachoeiras! E, portanto, ele pode falar com ele como de coração a coração, de alma a alma: o Senhor doa-me a sua misericórdia de dia, e de noite a sua canção (!) estará comigo, uma oração ao Deus da minha vida, ao Deus da vida até mesmo de um exilado! Direi a Deus, minha rocha: Por que te esqueceste de mim? Por que ando lamentando por causa da opressão do inimigo?
Retornam também neste salmo as expressões sinceras e ousadas, como as do Salmo 22,: "Meu Deus, meu Deus, por que me esqueceste?" Assim, Deus quer o nosso diálogo com ele. Este salmo também é inspirado pelo seu Espírito.
Da beira do penhasco, renascem o desejo de retornar à comunidade de Jerusalém e a confiança: Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa... envia a tua luz e a tua verdade ... me levem ao teu santo monte, aos teus tabernáculos. Eu irei ao altar de Deus, a Deus, que é a minha grande alegria, e com harpa te louvarei, ó Deus, Deus meu. Talvez esse salmista também fosse um ... compositor? Podemos imaginá-lo com um violão entre os braços, cantando e dançando com mulheres e homens da reencontrada comunidade, mesmo que o salmo não o escreva explicitamente.
De uma montanha a outra: na Galileia, outro judeu – porém laico - um dia sobe "a montanha", como o antigo Moisés para a lei, e pronuncia verdades luminosas: o Decálogo e a lei mosaica são de fato uma luz, mas boa para um bom judeu; para meus discípulos, no entanto, é ainda mais verdadeiro o "Mas eu vos digo"! A verdadeira rocha para uma vida realmente boa é a "minha Palavra", o meu amor sem limites, "levado até o fim" e o meu Espírito!
Mesmo com essa enorme novidade (também ela faz parte das "boas novas"), o salmo agora relido contém e revela valores preciosos por si só, sobre os quais meditar e rezar: Deus está em toda parte e não apenas no templo, talvez mesmo no Duomo de Milão ou em São Pedro em Roma Milão; também um exilado - e quantos podemos contar nos nossos dias! - permanece sob a face de Deus Pai e do Crucifixo ressuscitado e Senhor; eu estou com Deus, com a minha personalidade e com as minhas alegrias e tristezas, com a minha oração cordial e talvez até desafiada pelo ambiente circundante ou até mesmo hostil; mas também é bom poder me unir à comunidade e cantar com suas vozes e os seus violões.
E a partir daí começar de novo, com amor recuperado, em direção ao meu mundo de hoje. Como uma corça que encontrou a verdadeira fonte e a verdadeira rocha para a vida.