25 Abril 2019
"Muitas polêmicas surgiram após a transmissão das imagens do santo padre Francisco, enquanto com dificuldade se ajoelha e beija os pés ao presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, e aos vice-presidentes designados, Rebecca Nyandeng De Mabior (uma mulher!) e Riek Machar.
Papa Francisco beija os pés de Rebecca Nyandeng Garang (Foto: Vatican News)
Muitas dessas polêmicas, no entanto, evidenciam uma certa ignorância da lógica e do ato sacramental, que Francisco constantemente coloca em cena. Eu gostaria de oferecer algumas reflexões a esse respeito", escreve Emanuela Ersoch, em artigo publicado por Settimana News, 23-04-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nas últimas décadas, aprendemos a aceitar, não sem dificuldade para dizer a verdade, que os bispos da Igreja católica realizam gestos simbólicos, isto é, portadores de um significado cada vez maior das múltiplas interpretações e significados guardados na intenção original.
Há muitos exemplos possíveis, da estola colocada por Paulo VI no ombro de seu sucessor, então "apenas" patriarca de Veneza, Albino Luciani, até o costume de João Paulo II que, descendo do avião que o levava em visita a países vizinhos e distantes, ajoelhava-se para beijar o chão.
O ato sacramental, por outro lado, ainda nos escapa, embora seja "alguma coisa" que todos nós, católicos, em virtude do batismo e da participação eucarística, deveríamos não somente reconhecer, mas até mesmo praticar; de tal modo, embora tenhamos olhos, não vemos e, apesar de termos mãos, não agimos.
"Sacramentais" são aqueles gestos e/ou sinais e/ou objetos através dos quais, "pela intercessão da Igreja, são obtidos os efeitos sobretudo espirituais" (Catecismo da Igreja Católica 1667; cf. também Sacrosanctum concilium 60-61). Um ato sacramental, por exemplo, é cada bênção. Os sacramentais, embora usando o registro simbólico, têm um horizonte ainda mais amplo: não apenas significam e sempre remetem a um outro, um alius ou um aliud, mas abrem espaços e processos, dão início a dinamismos, são instituídos para pôr em movimento e alimentar o processo de santificação (cf. Catecismo da Igreja Católica 1668).
Voltando ao episódio em questão, o contexto e suas características não podem ser ignorados. Primeiro, o papa agiu no final de um retiro espiritual, que - me perdoem a banalidade - não é uma convenção política ou um encontro entre chefes de Estado: tem outras lógicas.
Em segundo lugar, esse retiro espiritual foi programado pelo Arcebispo de Canterbury, Justin Welby, presente ao lado de Francisco quando ele se ajoelha, como oferenda de acompanhamento da Igreja à enorme responsabilidade daqueles homens e daquela mulher, e de remédio às profundas feridas de um país inteiro em que a cultura cristã, em suas várias dimensões confessionais, ainda desempenha um papel importante.
Em terceiro lugar, Francisco inclina-se para beijar os pés daqueles homens e daquela mulher para que se tornem os pés dos mensageiros da paz (cf. Is 52, 7) e acompanha este gesto com palavras que se reportam e se iluminam reciprocamente: é um gesto sacramental que quer conferir efeitos espirituais sobre aqueles homens e aquela mulher!
Memorial Martin Luther King (Foto: Settimana News)
Francisco sabe, de fato, que a paz é um dom divino e sem a força dos sacramentos e dos sacramentais esse dom permaneceria ainda mais precário e instável do que já é nesta terra (cf. Gaudium et spes 76). Estes chefes de estado aceitaram se empenhar pela paz, escolhendo fortalecer essa decisão com um retiro espiritual que o santo padre selou, colocando um gesto sacramental que não só lhes permite não esquecer as boas intenções e boas disposições de espírito alcançadas durante o retiro, mas que também oferece uma "dynamis" que vai além de suas próprias intenções e capacidades.
Parece tão claro e em todo o seu esplendor como Francisco seja o romano pontífice, "vigário de Cristo" porque "servo dos servos de Deus", capaz de toda humilhação humana e do maior amor pelos irmãos, elementos que mais uma vez se reportam uns aos outros.
Se fôssemos capazes de um olhar e um ato sacramental, seríamos capazes de reconhecer o sacramento que todo ser humano - cada irmão e cada irmã - é para nós.
Cada rosto nos mostraria Cristo e nos lembraríamos aquele único mandamento, entre aqueles claramente presentes no texto do Evangelho, nunca instituído como sacramento na Igreja. Talvez, precisamente porque seja paradigma de todo ato sacramental: "Entendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. Na verdade, na verdade vos digo que não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou. Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes.” (João 13,12a-17).
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Quando um papa se ajoelha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU