11 Março 2019
Cientistas espanhóis estão prontos para começar uma experiência em pessoas encarceradas que envolve colocar um implante de eletrodos na região da testa, de modo que o equipamento envie impulsos elétricos diretamente para seus cérebros. O objetivo, segundo o coordenador da pesquisa, Andrés Molero-Chamizo, é abrandar o nível de agressividade dos presos. As cobaias seriam 12 prisioneiros e alguns alunos de psicologia do próprio Molero-Chamizo, que fariam as vezes de grupo-controle.
A informação é publicada por Outra Saúde, 11-03-2019.
A pesquisa tinha o apoio do governo espanhol, de autoridades penitenciárias e do comitê de ética da universidade de Huelva, a qual o pesquisador está vinculado. Mas a repercussão do caso mudou o cenário. O site New Scientist foi o primeiro a dar a notícia, na quarta-feira. Na quinta, o ministro do Interior espanhol colocou, por enquanto, o estudo na gaveta.
Acontece que a experiência já havia sido feita antes, e com mais prisioneiros: 41, sendo 15 deles condenados por assassinato. O resultado foi publicado em janeiro na revista Neuroscience.
Como nota a Vox, num extenso texto, há muitos problemas envolvidos. A começar pela própria metodologia do experimento. Tudo começa com a implantação de um aparelho que usa a estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC). Depois, essas correntes são liberadas por 15 minutos ininterruptos, ao longo de três dias. Antes, as pessoas respondem a um questionário com afirmações do tipo: “Às vezes eu me sinto pronto para explodir”. Depois, são submetidas ao mesmo questionário. E é isso que “prova” a eficácia da ETCC. Desta vez, os pesquisadores queriam fazer testes de saliva para identificar níveis de cortisol, hormônio que indica estresse, mas não obtiveram autorização.
Aí entram várias implicações éticas. Em primeiro lugar, a vulnerabilidade das pessoas encarceradas. No passado, prisioneiros foram cobaia para procedimentos altamente questionáveis, como a tal castração química (defendida pelo presidente Jair Bolsonaro). Além disso, o fato de eles assinarem formulários em que concordam fazer parte da experiência acontece num contexto coercitivo. Ou seja, a própria ideia de consentimento está nublada. E por se basear em questionários, é natural que as respostas evoluam de acordo com a vontade das pessoas demonstrarem melhora, o que coloca os resultados do estudo em xeque.
Por fim, o pano de fundo do experimento é realmente complexo porque, segundo a Vox, esse tipo de implante é usado como argumento por grupos que defendem o fim do encarceramento em massa. Segundo eles, isso funcionaria como uma “reabilitação” que diminuiria o tempo das penas, ou mesmo sua necessidade em alguns casos. Mas, a partir disso, há um horizonte bastante sombrio de aplicação massiva de dispositivos que “acalmem” a população. O coordenador do estudo se anima com a perspectiva de que o implante seja aprovado para uso em prisões, hospitais e também para pessoas em geral “nas suas casas”.
Há ainda outro problema que a Vox não lista: o fato de implantes falharem, e muitas vezes tornarem a vida das pessoas um calvário, como mostrou a recente investigação jornalística internacionalImplant Files.