07 Dezembro 2018
“Contemplar o mistério da vinda do Filho do homem, ampliando o olhar para todo o Evangelho e não nos detendo unicamente nos relatos da infância, que ouviremos proclamados na liturgia do Advento e do Natal, pode dar à expectativa um rosto mais ligado à nossa existência concreta e às exigências do seguimento do Senhor.”
A opinião é do monge beneditino e teólogo italiano Matteo Ferrari, da Comunidade de Camaldoli, professor do Instituto de Liturgia Pastoral Santa Justina, de Pádua, e da Faculdade Teológica da Itália Central, de Florença. O artigo foi publicado por Settimana News, 01-12-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todos os anos, a liturgia da Igreja nos propõe um tempo em que a palavra-chave é “vinda”: o Advento. Nesse tempo do ano litúrgico, ouvimos ressoar muitas vezes a invocação “Vem, Senhor!”, falamos de uma vinda passada, presente e futura do Senhor, celebramos depois, no tempo de Natal, a sua vinda na carne e na história da humanidade.
Mas que significado tem a vinda do Senhor? Poderia haver muitas perspectivas para responder a essa pergunta. No entanto, há uma na qual talvez pensemos mais raramente. A de deixar que o próprio Jesus nos diga o sentido da sua vinda.
Na Carta a Tito, no trecho que lemos na noite de Natal (Tt 2, 11-13), o autor afirma que “a graça de Deus” se manifestou para nos ensinar “a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade”, resumindo, de modo muito eficaz, o sentido da vinda na história e na carne humana do Filho de Deus.
Jesus veio para nos ensinar a viver uma vida humana plena, para fazer resplandecer aos nossos olhos o sonho de Deus sobre a nossa existência e sobre a da humanidade inteira.
No entanto, nos Evangelhos, muitas vezes, é o próprio Jesus que nos diz por que ele veio, qual é o sentido da sua missão de “narrador” do rosto de Deus (cf. Jo 1, 18).
Tentemos, então, repassar o Evangelho de Mateus para deixar que Jesus mesmo diga o porquê do seu Advento e da sua encarnação. Todos os Evangelhos apresentam afirmações em que Jesus fala da sua vinda. No entanto, o primeiro Evangelho nos permite elencar três traços principais da vinda de Jesus, que podem ser particularmente significativos.
No Evangelho de Mateus, de fato, podemos identificar três âmbitos em relação aos quais Jesus afirma o significado da sua vinda: a relação com a palavra de Deus; a relação com os pecadores e com a humanidade inteira; a relação com as lógicas do mundo e com a contraposição que o anúncio da proximidade do reino de Deus pode despertar.
Acima de tudo – e é uma característica fundamental do primeiro Evangelho – Jesus afirma que não veio para abolir/destruir a Torá/Lei e os Profetas, mas para levá-los a cumprimento e para confirmá-los (Mt 5, 17).
Por Torá/Lei e Profetas, podemos entender a palavra de Deus, através da qual ele comunica a sua vontade. Trata-se, sem dúvida, da Escritura nas duas primeiras partes do cânone judaico, a Lei e os Profetas. Acima de tudo, Jesus veio, então, em relação a Deus e à sua vontade, que se comunica aos homens e às mulheres através das Escrituras.
Existe um vínculo profundo entre essa afirmação e o conceito de justiça presente no Evangelho de Mateus. A justiça, de fato, não é principalmente de caráter jurídico ou social, mas consiste em fazer a vontade de Deus. Jesus mesmo interpreta o seu ministério como “cumprimento da justiça”, no seu diálogo com João Batista no momento do batismo no Jordão (Mt 3, 15). Não por acaso, encontramos aqui o mesmo verbo pleroo (cumprir) que se encontra em Mt 5, 17 sobre a Torá e os Profetas.
Trata-se de um primeiro dado fundamental. Jesus veio dentro de uma história de salvação, na história de um povo, na qual Deus busca comunicar a si mesmo a Israel e à humanidade inteira. O Deus da Bíblia, das Escrituras judaicas, é aquele que é “o Deus conosco”, desde o início, e que em Jesus leva às últimas consequências essa sua vontade de comunicação e de doação.
Jesus, portanto, acima de tudo, veio para manifestar, para revelar esse rosto de Deus. O Evangelho de Mateus se abre e se fecha precisamente com a expressão “conosco/com vocês” (Mt 1, 23; 28, 20). Todo o primeiro Evangelho quer anunciar que, em Jesus, se manifesta, em continuidade e conformidade com as Escrituras, o rosto de Deus “como Deus conosco”. Ele é o Emanuel (Mt 1, 23).
Essa afirmação central, que ressoa várias vezes na liturgia do Advento e do Natal, não é um dado que diz respeito unicamente aos relatos da infância, como às vezes se poderia pensar. Em vez disso, é um traço que caracteriza todo o ministério de Jesus, do qual ele se torna como que uma chave interpretativa irrenunciável. É outro modo de afirmar aquilo que João anuncia no prólogo do seu Evangelho através da expressão “o Verbo se fez carne” (Jo 1, 14).
Uma segunda motivação que Jesus dá à sua vinda e à sua missão diz respeito aos pecadores e, em geral, à humanidade inteira. Acima de tudo, em referência aos pecadores, ele afirma: “Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9, 13). Estamos no contexto do chamado de Mateus, o publicano, e da comunhão da mesa com os pecadores, que os fariseus contestam como comportamento inadequado para um fiel observante da Torá.
O tema, portanto, não parece se afastar da observância/cumprimento da Lei, de que falamos acima. Poderíamos quase dizer que, aqui, nos deparamos com uma consequência da afirmação geral que vimos a respeito da observância da Torá e dos profetas, e não da sua anulação.
É um exemplo concreto para explicar o que significa que Jesus não veio para abolir a Lei e os Profetas. De fato, Jesus introduz as suas palavras de resposta às críticas dos fariseus – os homens religiosos da época, mas se dirigindo aos fiéis de todos os tempos – com uma citação do profeta Oseias (Os 6, 6): “Vão aprender o que significa: quero misericórdia e não sacrifícios”.
Se, por justiça, entendemos – como afirmamos anteriormente – adesão à vontade de Deus e à sua Palavra, Jesus veio para aqueles que não aderem a Deus, isto é, os pecadores, os distantes. Através dele, os pecadores, todos os distantes podem encontrar uma estrada para retornar a Deus e à comunhão com ele.
Em Jesus, revela-se o rosto de um Deus de misericórdia que quer estar não apenas “com os justos”, mas também “com os pecadores”; que não pode suportar nenhuma distância dele. O Deus de Jesus não é apenas “o Deus conosco”, mas ele é o Deus que “quer estar com todos”.
Na mesma perspectiva, encontramos em Mt 20, 28 (com o paralelo de Mc 10, 45) uma afirmação mais ampla que diz respeito, em geral, à relação de Jesus para com a humanidade inteira, à qual ele é enviado: “O Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir, e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos”.
O contexto dessas palavras é um ensinamento de Jesus aos seus discípulos sobre o seguimento. Jesus veio para servir e para resgatar, através da sua vida, a vida de todo homem e de toda mulher. Ele veio para “resgatar a vida” de toda desumanização; para fazer resplandecer a vida humana na sua integridade, assim como Deus a sonhou.
Jesus realiza esse “resgate” da vida através do dom de si. É na vida vivida como dom que a vida humana é resgatada. Jesus já afirmou isso em outra passagem do Evangelho de Mateus, que, de algum modo, constitui o centro do seu anúncio: “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la” (Mt 16, 25). A vida humana é “resgatada” pelo dom, mas é destruída quando é vivida para si mesmos.
O contexto desse ditado acrescenta mais uma nuance. Essa não é apenas a missão de Jesus, mas também a de seus discípulos e das suas discípulas. Jesus afirma que existe um vínculo indissolúvel entre a sua missão e a vida daqueles que se puseram a segui-lo. A missão da comunidade dos discípulos de Jesus é o prolongamento da do seu mestre.
O advento/vinda de Jesus toca a vida daqueles que acolheram a sua palavra, de modo que, nele e no seu rosto, eles deveriam reconhecer a verdade deles mesmos e da sua missão no mundo. Eles também são chamados a “resgatar” a vida, vivendo como o seu mestre, na lógica do dom e do serviço.
Por fim, no Evangelho de Mateus, encontramos outra afirmação de Jesus a respeito da sua vinda. Talvez seja a que nos deixa mais desalentados e na qual estamos menos acostumados a pensar.
Jesus afirma que não veio para trazer a paz, mas sim a espada: “Não pensem que eu vim trazer paz à terra; eu não vim trazer a paz, e sim a espada. De fato, eu vim separar o filho de seu pai, a filha de sua mãe, a nora de sua sogra. E os inimigos do homem serão os seus próprios familiares” (Mt 10, 34-36).
No Natal, cantamos Jesus como príncipe da paz. No entanto, aqui, ele afirma que traz espada e divisão, até mesmo no âmbito que nós mais sonhamos como marcado pela harmonia e pela concórdia, como o das relações familiares. Talvez aqui Mateus tenha debaixo dos olhos a situação concreta da sua comunidade, na qual a adesão ao Evangelho por parte de alguns havia provocado profundas dilacerações até mesmo dentro das próprias famílias.
Se podemos pensar em uma situação concreta da comunidade do tempo de Mateus, no entanto, esse é um dado que diz respeito à missão de Jesus em geral: ele veio para provocar um discernimento, uma divisão entre aqueles que acolhem a sua mensagem e aqueles que a rejeitam.
Acolher a lógica do Evangelho significa ir ao encontro de rejeição e contraposição. Nesse sentido, Jesus veio para trazer divisão. Diante dele, não se pode permanecer no compromisso entre lógicas de vida e lógicas de morte; entre viver para si mesmos e viver para os outros.
A divisão de que se fala não tem tanto a ver com uma adesão institucional e formal a um grupo humano, mas sim com a necessidade de tomar posição diante do mal e da injustiça, de todas aquelas lógicas que pertencem à dureza do coração humano e que se contrapõem a Deus e à sua vontade de vida.
No fim deste breve percurso, que nos levou a deixar que o próprio Jesus nos diga o sentido da sua missão e da sua vinda, nós também poderíamos assumir a pergunta de João Batista: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11, 2-16).
Os traços do sentido da sua vinda, que Jesus delineia com as suas palavras no Evangelho de Mateus, podem nos levar, no tempo de Advento e de Natal que está à nossa frente, a dar uma resposta a essa pergunta para nossa vida de pessoas de fé.
Contemplar o mistério da vinda do Filho do homem, ampliando o olhar para todo o Evangelho e não nos detendo unicamente nos relatos da infância, que ouviremos proclamados na liturgia do Advento e do Natal, pode dar à expectativa um rosto mais ligado à nossa existência concreta e às exigências do seguimento do Senhor.
Ou, melhor, reler os próprios relatos da infância à luz das declarações de Jesus sobre o sentido da sua vinda pode lançar uma nova luz sobre esses textos tão ricos e profundos, já iluminados pelo mistério pascal da paixão, morte e ressurreição.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Advento nas palavras de Jesus. Artigo de Matteo Ferrari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU