03 Outubro 2018
"Enfim, Jesus de Nazaré não votaria em candidatos que usam em vão o nome do Deus da Vida e nem em candidatos que representam os interesses do capital", escreve Gilvander Luís Moreira, Frei e padre da Ordem dos carmelitas.
Frei Gilvander é mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblica, de Roma; é professor de Teologia Bíblica; assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT -, assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI -, assessor do Serviço de Animação Bíblica - SAB - e da Via Campesina em Minas Gerais.
“Eta, espinheira danada
Que o pobre atravessa pra sobreviver
Vive com a carga nas costas
E as dores que sente não pode dizer...” (Música Espinheira, de Duduca e Dalvan).
A crise plural pela qual passa o povo brasileiro e mundial é gravíssima: crise econômica, política, ecológica, social, crise das instituições etc. Ingenuamente pessoas acreditam que votar corretamente é o caminho para superar as injustiças. Pode ser um caminho, mas não o caminho, pois “entra ano e sai ano e o tal de fulano ainda é pior...”, cantam Duduca e Dalvan. Dentro dos ditames do sistema capitalista, eleições garantem apenas fachada de democracia em sistemas opressores. Correto é investir apenas 5% do nosso tempo, sabedoria e energia em eleições para elegermos os/as melhores candidatos/as e dedicar 95% do nosso tempo, sabedoria e energia na luta por direitos humanos fundamentais para construirmos Política com P maiúsculo, que é luta pelo bem comum. Justo seria se o voto fosse facultativo e votasse quem quisesse e tivesse acesso às principais informações para discernir quais são os/as melhores candidatos/as. Fato é que Eleição não é o que garante democracia econômica, social e política. O voto vale muito pouco. Se voto tivesse valor, não teria acontecido golpe parlamentar, jurídico e midiático contra e ex-presidenta Dilma Rousseff, sem ela ter cometido crime de responsabilidade. Alegando que iriam diminuir o desemprego, a maioria dos deputados federais e senadores ignoraram 54 milhões de votos e destituíram uma presidenta eleita pela vontade da maioria do povo brasileiro, abrindo as comportas para vários cortes em direitos fundamentais/sociais e rasgando a Constituição.
Há vários mitos e mentiras circulando agora em tempo de campanha eleitoral. O Brasil não é uma empresa e nem um quartel. Logo, a eleição presidencial não é para escolher o melhor coronel/capitão e nem para escolher o melhor administrador de empresa. O Brasil é um país com 206 milhões de habitantes, um território de 9,5 milhões de quilômetros quadrados e com biomas – Cerrado, Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal, Caatinga e Pampa – profundamente devastados pelo agronegócio que, por meio de monoculturas, uso exagerado de agrotóxico e produção de alimentos transgênicos, está causando a maior devastação socioambiental da história. Pesquisas científicas apontam que o uso de agrotóxicos na agricultura do agronegócio está causando câncer em mais de 600 mil pessoas a cada ano no Brasil.
O latifúndio continua sendo a coluna mestra do capitalismo brasileiro, que é uma máquina de moer vidas humanas e de toda a biodiversidade. As áreas urbanas, por sua vez, consolidam os modelos de desigualdade social, onde a população empurrada para a periferia não tem acesso a uma política habitacional, saneamento básico, saúde e transporte digno. A violência social campeia com mais de 70 mil jovens sendo assassinados anualmente. Diante desse cenário, seja em área rural ou urbana, uma cortina de fumaça está sendo insuflada diante do povo que está sendo cegado e impedido de discernir quais são os/as candidatos/as éticos/as e que de fato serão representantes do povo nos poderes executivo e Legislativo, em âmbito federal e estadual.
As causas principais da violência social que se abate sobre o povo brasileiro, a Mãe Terra, as águas e todos os seres vivos está no capitalismo, sob o modelo de agronegócio e a superexploração dos bens naturais que é imposta pelas empresas transnacionais e pelo capital financeiro e especulativo, principalmente. Predomina aqui o racismo ambiental sob a manutenção da condição de colonialismo que atinge trabalhadores e trabalhadoras rurais, indígenas, quilombolas e outros tipos de povos tradicionais, em regra os mais penalizados. Ainda importante lembrar que nos últimos 20 anos aproximadamente 50 mil trabalhadores se encontravam em situação análoga à escravidão, sendo que esta estimativa deve ser bem superior, estando a maioria envolvida escravizada nos setores de extração mineral, construção civil, agronegócio e confecção de roupas e tecelagem, esta última, que serve a famosas grifes de moda e de redes de varejistas.
Não podemos esquecer que a sociedade brasileira é uma sociedade de classes, organizada para reproduzir a desigualdade social. Há a classe dominante detentora dos meios de produção – terra, empresas, indústrias, fábricas, grandes comércios e capital financeiro especulativo – subjugando a classe trabalhadora e a classe camponesa. Ou seja, opressão de classe e luta de classes são características básicas das relações sociais capitalistas.
Não se deve dar crédito aos candidatos que repetem à exaustão a cantilena: “Temos que gerar emprego e para isso precisamos atrair investidores internacionais com capital internacional. Para isso temos que reduzir o Estado, promover austeridade fiscal e promover competitividade.” Candidatos e partidos que fazem esse tipo de discurso/propaganda na prática estão dizendo “bem-vindas empresas transnacionais. O Brasil está aqui para ser sugado e surrupiado. E o povo resignado aceitará nova colonização.” Quem promove isso não ama o povo brasileiro.
No Bloco de centro-direita estão os candidatos Geraldo Alkmin (PSDB), Henrique Meireles (MDB) e Bolsonaro (PSL) (para citar os que têm mais votos). São candidatos do grande empresariado e que representarão os interesses do capital nacional e internacional. Jamais irão governar para o povo e nunca com o povo. Serão sempre subservientes aos interesses imperiais dos Estados Unidos e continuarão privatizando as empresas estatais, a mãe terra, as águas, reduzindo o povo à miséria e desertificando nosso território. Esses candidatos não falam nada sobre necessidade de políticas de preservação ambiental e nem de se fazer Reforma Agrária Popular. Ao contrário, prometem fortalecer o agronegócio, as mineradoras e até impedir a demarcação de terras dos povos indígenas e quilombolas. Isso é injustiça que clama aos céus!
Na extrema-direita, Jair Bolsonaro é o pior candidato a presidente, porque ele discrimina as mulheres, os indígenas, os quilombolas, as domésticas, os homossexuais, os pobres. Bolsonaro defende torturadores e a tortura. Ele usa em vão o nome de Deus, pois semeia ódio no tecido social; em vez de colocar livros nas mãos das pessoas, quer liberar o mercado de armas no Brasil. Em 30 anos como deputado, Bolsonaro não contribuiu para melhorar nem a segurança pública no estado do Rio de janeiro. Se eleito, ele será como Trump no Brasil: autoritário e repressor. O ético é pôr nas mãos das pessoas livros e não armas. Ele recebe auxílio moradia sem precisar, usa funcionária do congresso para cuidar da mansão dele no estado do RJ. Ele quer privatizar tudo, ou seja, entregar o povo brasileiro, a Mãe Terra, as águas, tudo para multinacionais. Disse que os povos indígenas não merecem “nem um centímetro de terra”. É uma grande contradição ser pessoa cristã e apoiar quem quer semear violência na sociedade, distribuir armas e autorizar policiais a matar. O povo brasileiro não merece entrar novamente em outra ditadura. O filho dele, Carlos Bolsonaro, também deverá ser julgado por defender a tortura. Grave também são lideranças religiosas, sejam padres ou pastores, induzirem os fiéis a votarem em Bolsonaro só por causa do seu discurso enganoso que diz “Deus acima de tudo e defensor da família e da moral tradicional”. Ele mesmo já passou por vários casamentos e apresenta propostas antagônicas com a fé cristã: armar as pessoas, ensinar crianças a atirar, dizer que a polícia tem que ser autorizada a poder matar etc..
No bloco de centro-esquerda estão a candidata Marina Silva (REDE) e os candidatos Ciro Gomes (PDT), Haddad (PT), Guilherme Boulos (PSOL) e Vera Lúcia (PSTU). Para a classe trabalhadora e camponesa Guilherme Boulos é o melhor, pois está umbilicalmente ligado aos movimentos sociais populares, sendo Boulos do MTST e tendo como co-presidenta Sônia Guajajara, liderança indígena profundamente comprometida com a defesa da Mãe Terra, da Irmã Água e da família mais tradicional do Brasil: a indígena. Eis uma dica: no 1º turno, votar no melhor e no 2º turno impedir a eleição do pior. Ético e cristão é votarmos em candidatos não capitalistas, à esquerda, e jamais em candidatos de centro ou de direita. Votar em quem defende a classe trabalhadora e a classe camponesa.
De 2003 a 2015, sob o Governo do PT o salário mínimo teve aumento real, 16 universidades federais e 422 Institutos Federais foram construídos, além de várias políticas públicas de respeito aos direitos humanos fundamentais. Conquistas sociais que nenhum outro partido fez. Não podemos aventurar por no volante do Brasil quem insufla políticas repressoras, que são falsos remédios para injustiças sociais e, pior, até acena no rumo de uma nova ditadura. A quem não sabe o que é Ditadura Militar-civil-empresarial sugiro ler o livro Brasil Nunca Mais e assistir ao Filme Batismo de Sangue.
Enfim, o povo trabalhador e camponês não deve votar em deputados que o traiu no Congresso Nacional congelando os gastos sociais por 20 anos, fazendo a “reforma trabalhista”/desmonte dos direitos trabalhistas, cortando direitos sociais e aprovando a terceirização.
Sugerimos:
Não votar nos deputados federais e senadores que foram a favor da PEC da Morte (congelamento por 20 anos dos investimentos em políticas públicas, Emenda Constitucional nº 95/2016) (veja aqui e aqui), à Terceirização e à Reforma Trabalhista (veja aqui e aqui). Não votar em candidatos que ataquem os Direitos Humanos e defendam o “uso das armas” como solução para os problemas sociais (veja aqui).
Como discípulos/as de Jesus Cristo, devemos primar pela busca da paz como fruto da justiça social, agrária e ambiental; ter o amor e o respeito ao diferente como princípio da convivência social; diante das injustiças sociais, cultivarmos sempre Opção pelos injustiçados como Opção de Classe trabalhadora. É muito importante e fundamental estarmos cientes de que a superação das injustiças passa sempre por educação e cultura popular, a partir dos de baixo. Se as eleições não nos motivam pela politicagem impregnada no sistema que as gerenciam, inspiremo-nos, porém, nas palavras do Papa Francisco e sigamos firmes na luta: “Não deixemos que nos roubem a esperança” (Evangelli Gaudium, 86). Enfim, Jesus de Nazaré não votaria em candidatos que usam em vão o nome do Deus da Vida e nem em candidatos que representam os interesses do capital.
Arinos, MG, 1º/10/2018.
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Fé cristã e eleições 2018: em quem Jesus não votaria? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU