10 Setembro 2018
Vencedor do prêmio Nobel de economia, o americano Joseph Stiglitz tem um conselho a dar ao presidente argentino Mauricio Macri: pense em renegociar a dívida do país. A Argentina vive uma nova crise econômica com uma grande desvalorização do peso e um aumento das taxas de juros – o Banco Central argentino subiu a taxa básica de juros para 60% ao ano, um dos valores mais altos do mundo.
"Se isso excluir a Argentina dos mercados internacionais, o que provavelmente não fará, pode ser que não seja tão ruim", sustenta Stiglitz em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC News.
O país teme que a inflação aumente, que a incerteza tome conta do mercado e que apareça de novo o fantasma da inadimplência. Macri recorreu à ajuda do FMI (Fundo Monetário Internacional), mas até agora isso não foi capaz de inspirar confiança na economia.
A análise de Stiglitz, que já foi economista-chefe do Banco Mundial, é que os erros de Macri limitam a margem de ação. Além disso, os custos das medidas de austeridade que o argentino tenta implementar podem ser grandes demais se não houver uma renegociação da dívida do país. "Uma grande crise no país poderia afetar os outros países da região de diversas formas", adverte. "Particularmente neste momento concreto porque os países do mundo têm déficits de conta corrente, como a Turquia, ou com grande déficit de dívidas, enfrentam problemas".
A entrevista é de Gerardo Lissardy, publicada por BBC Brasil, 09-09-2018.
Eis a entrevista.
O senhor recomendou mudanças na política macroeconômica argentina em junho, em um artigo com o economista Martín Guzmán. O que acha das medidas que o governo está aplicando?
O que escrevi originalmente é que Macri, quando chegou, confiou demais na ideia de que haveria uma entrada de capital de investimento estrangeiro. Ele cometeu um grande erro ao cortar os impostos sobre exportação, que eram uma importante fonte de recursos, e ao aumentar a dívida com o montante que teve que pedir emprestado. Isso tudo encareceu os alimentos e reduziu os salários reais dos trabalhadores. Acabamos de falar em uma conferência sobre a importância de se diminuir a desigualdade. Essa foi uma medida que aumenta a desigualdade, porque reduz os impostos para os mais ricos e os mais pobres pagam o preço.
Não acompanhei todas as suas medidas, mas pelo que vi, agora o governo elevou os impostos para exportações, em um novo pacote de medidas. Se tivesse feito isso originalmente, não estaria na situação extrema em que está hoje. Este sim é um movimento na direção correta. Nossa opinião também era de que uma parte crítica do erro foi o enfoque excessivo nas metas de inflação.
E que isso estava atraindo mais capital especulativo...
Exato. Juros excessivamente altos atraem capital que vem por um tempo e logo vai embora. O que me preocupa é que, uma vez que se cria uma crise, como parecem ter feito, bem previsivelmente, essas políticas de má gestão, a margem de manobra fica muito limitada. As medidas de austeridade que estão implantando vão desacelerar a economia e impor novamente um alto custo para o povo. Um outro instrumento é a reestruturação da dívida.
O senhor recomenda a reestruturação da dívida como uma medida a ser tomada?
Sim, creio que deve ser feita a reestruturação (ou renegociação) da dívida. Do contrário, os custos que vão aparecer por causa da austeridade são grandes demais. Há muito otimismo irracional, tanto dos devedores quando dos credores.
Sugere algum tipo específico de reestruturação?
Ao menos uma nova renegociação para adiar os pagamentos imediatos. Suspeito, no entanto, que diante da magnitude dos erros econômicos que foram cometidos nos últimos anos, teria que haver um perdão da dívida.
De novo?
De novo. Depois da crise de 2001, havia uma filosofia de que a Argentina deveria evitar endividar-se muito no exterior. E não foi uma coisa ruim que a Argentina tenha sido excluída dos mercados internacionais. Foi uma espécie de lição, que fez com a que Argentina enfrentasse as realidades orçamentárias. Não uma lição feita da melhor maneira, mas ao menos evitou uma pós-crise.
Os termos do acordo de Macri com os credores e a enorme deferência depois da Argentina ter se sacrificado tanto foram exagerados. E criaram para a Argentina um problema futuro.
Alguém do lado dos credores também deveria ter feito o tipo de análise que eu e outros fizemos, e se dar conta de talvez não fosse um bom negócio. Conseguiram taxas de juros mais altas, uma vantagem do risco. E quando te pagam mais pelo risco, você tem que enfrentá-lo. E agora é o momento. Se isso (a rediscussão da dívida) excluir a Argentina dos mercados internacionais, o que provavelmente não vai acontecer, pode ser que não seja tão ruim.
Como a Argentina deveria fazer a negociação com o FMI para evitar erros do passado?
Os erros do passado foram a austeridade excessiva, a perda da autonomia econômica nacional... Há uma lista enorme de condições que eram inapropriadas. A boa notícia é que algumas negociações recentes foram mais flexíveis. Então é preciso ver quais foram as demandas particulares que o FMI fez.
Há possibilidade de que a crise afete o resto da América Latina? Ou é um problema particular da Argentina?
Este é um problema particular da Argentina, mas uma grande crise no país poderia afetar os outros países através de várias formas. E particularmente neste momento concreto porque os países do mundo que têm déficit de conta corrente, como a Turquia, ou com grandes déficit de dívidas, enfrentam problemas.
Há vários países, não vou dizer quais, que acredito que podem estar à beira de uma crise. Se houver um par de crises em um período curto, pode haver um efeito multiplicador e criar uma crise nos mercados emergentes. Por outro lado, os problemas poderiam permanecer locais. Em termos gerais, creio que há preocupações.
Se refere a países de América Latina ou a mercados emergentes em geral?
Mercados emergentes em geral.
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Argentina. 'Medidas de austeridade terão um alto custo para o povo', diz Joseph Stiglitz, Nobel de economia, sobre plano de Macri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU