29 Agosto 2018
“Como é sempre difícil perdoar aqueles que nos ferem! Que desafio sempre é acolher o migrante e o estrangeiro!” O Papa Francisco celebrou a missa conclusiva do Encontro Mundial das Famílias no Phoenix Park, em Dublin. Choveu a manhã inteira, dificultando a longa caminhada para os fiéis que compareceram, mas, à tarde, as chuvas diminuíram.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada em Vatican Insider, 26-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Phoenix Park é um dos maiores parques urbanos da Europa, com mais de 700 hectares de extensão a noroeste do centro da capital irlandesa. Entre os monumentos que o caracterizam, há também a enorme cruz, erguida para comemorar a histórica missa celebrada aqui por São João Paulo II em 29 de setembro de 1979, diante de mais de um milhão de pessoas. Hoje, não são tantas, estavam presentes 300 mil pessoas.
No início da celebração, o pontífice leu uma declaração em espanhol, traduzida consecutivamente em inglês para os fiéis. É a resposta ao pedido que lhe foi formulado no sábado pelas oito vítimas de abuso encontradas na nunciatura, que invocavam a menção do caso das mães solteiras das quais, nos institutos religiosos, eram arrancados os filhos para serem dados para adoção.
“Recolhendo o que eles [as oito pessoas sobreviventes de abusos de poder, de consciência e sexuais], gostaria de pôr esses crimes diante da misericórdia de Deus e pedir perdão por eles. Pedimos perdão – acrescentou Bergoglio – pelos abusos na Irlanda, pelos abusos de poder e de consciência, abusos sexuais por parte de membros qualificados da Igreja. De maneira especial, pedimos perdão por todos os abusos cometidos em diversos tipos de instituições dirigidas por religiosos e religiosas e por outros membros da Igreja.”
“E pedimos perdão – disse o papa – pelos casos de exploração laboral a que tantos menores foram submetidos. Pedimos perdão pelas vezes em que, como Igreja, não oferecemos aos sobreviventes de qualquer tipo de abuso compaixão, busca da justiça e verdade, com ações concretas. Pedimos perdão. Pedimos perdão por alguns membros da hierarquia que não se encarregaram dessas situações dolorosas e guardaram silêncio. Pedimos perdão. Pedimos perdão pelas crianças que foram afastadas de suas mães e por todas aquelas vezes nas quais se dizia a muitas mães solteiras que tentaram buscar seus filhos que lhes haviam sido afastados, ou aos filhos que buscavam suas mães, quando se dizia que isso era ‘pecado mortal’. Isso – especificou o pontífice – não é pecado mortal, é o quarto mandamento! Pedimos perdão. Que o Senhor mantenha e acrescente esse estado de vergonha e de compunção e nos dê a força para nos comprometermos a trabalhar para que isso nunca mais aconteça e para que se faça justiça. Amém.”
“Na conclusão deste Encontro Mundial das Famílias – afirmou Francisco – nos reunimos como família em torno da mesa do Senhor. Agradecemos ao Senhor pelas muitas bênçãos recebidas nas nossas famílias. Queremos nos comprometer a viver plenamente a nossa vocação para ser, de acordo com as tocantes palavras de Santa Teresa do Menino Jesus, ‘o amor no coração da Igreja’.”
O papa comentou o evangelho do dia, que descrevia a reação confusa e até enraivecida dos discípulos de Jesus diante das suas “palavras duras”, tão “contrárias à sabedoria deste mundo”. Mas o Nazareno lhes explicou que as suas palavras são “espírito e vida”.
“Elas indicam – continuou Bergoglio – a fonte última de todo o bem que experimentamos e celebramos aqui nestes dias: o Espírito de Deus, que constantemente sopra nova vida sobre o mundo, nos corações, nas famílias, nas casas e nas paróquias. Cada novo dia na vida das nossas famílias e cada nova geração trazem consigo a promessa de um novo Pentecostes”, com a chegada do Espírito “consolador”, que “verdadeiramente nos dá coragem”.
“Como o mundo precisa deste encorajamento que é dom e promessa de Deus! Como um dos frutos desta celebração da vida familiar, vocês podem retornar para as suas casas e se tornar fonte de encorajamento para os outros... As suas famílias – insistiu o pontífice – são tanto um lugar privilegiado quanto um importante meio para difundir essas palavras como ‘boas notícias’ para cada um.”
O papa recordou as palavras de São Paulo sobre o casamento como “participação no mistério da perene fidelidade de Cristo à sua esposa, a Igreja”. Um ensinamento que, “embora magnífico, pode parecer a alguns como uma ‘palavra dura’. Porque viver no amor, como Cristo nos amou, envolve a imitação do seu próprio sacrifício de si, envolve morrer a nós mesmos para renascer a um amor maior e mais duradouro. Aquele amor que só pode salvar o mundo da escravidão do pecado, do egoísmo, da avidez e da indiferença para com as necessidades dos menos favorecidos.”
“Este é o amor que conhecemos em Jesus Cristo”, enfatiza Francisco. “Ele se encarnou no nosso mundo mediante uma família e, mediante o testemunho das famílias cristãs em cada geração, tem o poder de romper todas as barreiras para reconciliar o mundo com Deus e fazer de nós aquilo que desde sempre somos destinados a ser: uma única família humana que vive unida na justiça, na santidade e na paz.”
O papa reconhece que “a tarefa de testemunhar essa Boa Notícia não é fácil”, mas lembra que “os desafios que os cristãos hoje têm pela frente são, de seu modo, não menos difíceis do que aqueles que os primeiros missionários irlandeses tiveram que enfrentar. Penso em São Columbano, que, com seu pequeno grupo de companheiros, trouxe a luz do Evangelho para as terras europeias em uma época de escuridão e de decadência cultural. Seu extraordinário sucesso missionário não se baseava em métodos táticos ou em planos estratégicos, mas em uma humilde e libertadora docilidade às sugestões do Espírito Santo”.
Não foram as estratégias, mas sim “o seu testemunho cotidiano de fidelidade a Cristo e entre si que conquistou os corações que desejavam ardentemente uma palavra de graça e que contribuiu para o nascimento da cultura europeia”. Naturalmente, acrescenta Bergoglio, “sempre haverá pessoas que se oporão à Boa Nova, que ‘murmurarão’ contra as suas ‘palavras duras’”. No entanto, “nunca nos deixemos influenciar ou desencorajar pelo olhar gélido da indiferença ou dos ventos tempestuosos da hostilidade”.
Francisco vai um passo além. “Reconheçamos humildemente – afirma – que, se formos honestos com nós mesmos, podemos até achar duros os ensinamentos de Jesus. Assim como é sempre difícil perdoar aqueles que nos ferem! Que desafio é sempre o de acolher o migrante e o estrangeiro! Como é doloroso suportar a desilusão, a rejeição ou a traição! Como é incômodo proteger os direitos dos mais frágeis, dos ainda não nascidos ou dos mais idosos, que parecem perturbar o nosso senso de liberdade.” Mas seguir Jesus e o seu evangelho significa aceitar esse desafio.
No fim da celebração, foi anunciada a sede para o próximo Encontro Mundial das Famílias, que ocorrerá em Roma, em 2021.
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''As palavras de Jesus sobre a acolhida aos estrangeiros também são duras para nós'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU