09 Agosto 2018
“A prática pastoral católica deve começar com boas-vindas e o primeiro sinal de boas-vindas é como abordar alguém. Não há nada de não católico sobre o uso de nomes e pronomes que refletem o sentimento de identidade de uma pessoa”, afirma David Albert Jones, que lidera o Centro Anscombe de Bioética da Universidade de Oxford e que aconselha bispos em toda Europa, citando o Papa Francisco, em artigo publicado por News Ways Ministry, 05-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Um eticista católico de referência apresentou ponderações positivas sobre identidades transgênero em uma recente entrevista. Ele afirma que não deve ser assumido como problemático o fato de alguém nomear sua identidade de gênero e que essa identificação poderia ser uma afirmação de que Deus os criou.
Professor David Albert Jones, que lidera Centro Anscombe de Bioética da Universidade de Oxford e que aconselha bispos em toda Europa, comentou sobre muitos aspectos do debate atual da Igreja Católica sobre identidades transgênero. Jones disse ao Crux:
"Discernimento é necessário, no entanto, para distinguir o que é pecado e precisa ser renunciado (embora talvez isso só possa ser realizado por etapas), e o que não é pecado, mas um elemento da complexa e diversa experiência humana. No caso de identidades de gênero divergentes, não devemos pressupor, como talvez a pergunta pareça assumir, que alguém expressando um profundo senso de identidade de gênero está fazendo algo pecaminoso ou objetivamente desajustado. Pelo contrário, a pessoa pode estar aceitando sua identidade de gênero como algo dado por Deus."
Esse discernimento, disse Jones, só surge após acompanhamento pastoral, que é o primeiro passo para discernir as "difíceis questões morais relacionadas à identidade de gênero incongruente". Ele ressaltou o engajamento do Papa Francisco com pessoas trans antes de afirmar que as respostas a tais questões "devem surgir do 'falar com' e não apenas do 'falar de' católicos com um sentido divergente de identidade de gênero". Jones rejeita respostas rápidas e simples, dizendo que "se você acha que é [simples] você está provavelmente entendendo errado."
A relação de Jones com questões trans foi construída por seus próprios encontros com católicos trans e a necessidade da Igreja de ter recursos teológicos adequados para seu apoio. Para Jones os recursos atuais são carentes. Ele explicou:
"Com base no que eu tinha escrito me pediram para ajudar a desenvolver recursos teológicos e pastorais nesta área. Isso me deu a oportunidade de procurar pessoas transexuais que estavam praticando o catolicismo e lhes perguntar sobre suas experiências e o que pensavam que seria útil. Eu também falei com especialistas em direito canônico, educadores, e padres com experiência de acompanhamento transgênero, mas a coisa mais importante para mim foi ouvir pessoas que buscavam viver sua fé mesmo depois de aceitar seu profundamente arraigado senso de identidade de gênero.”
"Apesar da natureza muito singular do caminho trilhado por cada um, encontrei uma grande vontade de falar e uma apreciação de minhas tentativas à escuta, sobretudo quando uma pessoa disse: 'Obrigado por falar para nós e não apenas sobre nós.'"
Sobre a questão da cirurgia de redesignação sexual e em especial a ética dos hospitais católicos em prestarem tais cuidados, Jones afirmou que não havia nenhum ensino dominante sobre o assunto. Também disse que:
"Na ausência de qualquer ensino oficial, a maioria dos teólogos morais católicos que consideraram a questão, tomaram uma das duas perspectivas: alguns têm caracterizado tal cirurgia como mutilação, danosa diretamente ao organismo e, portanto, incompatível com a ética médica católica. Outros argumentaram que tal cirurgia poderia ser considerada justificável, se, por exemplo, ajudasse a aliviar a angústia extrema do transtorno de identidade de gênero. No entanto, normalmente, este segundo grupo de teólogos têm dúvidas sobre se tal cirurgia é eficaz em fornecer o alívio por um longo prazo.
"Minha opinião é de que a cirurgia possa aliviar o sofrimento de alguns pacientes. No entanto, não vejo como a cirurgia de redesignação de sexo, que causa esterilidade, é compatível com os princípios éticos da tradição católica. No entanto, é importante salientar que, ainda não há nenhum ensinamento católico explícito e dominante sobre esta questão”.
"Além disso, se os hospitais católicos não oferecerem a cirurgia de redesignação de sexo, isso não deve ser por causa de uma relutância em cuidar de pacientes transexuais. Qualquer recusa desse tipo, para ser ética, deve se referir não à pessoa a ser tratada, mas somente à natureza do procedimento."
Sobre a questão das múltiplas condenações do Papa Francisco sobre a "ideologia de gênero", Jones disse que as palavras do Papa foram sobre teoria e sistemas, e não sobre indivíduos:
"O movimento para a maior aceitação das pessoas transgênero é parte de um muito maior debate sobre sexo e gênero na sociedade. Sobre estas questões há mais de um ponto de vista secular, mais de um ponto de vista religioso, e a visão católica tem se desenvolvido ao longo do tempo.”
"Também é importante notar que o foco deste ensino papal é sobre vários erros de natureza teórica e a forma como esses erros foram promovidos por governos e entidades educacionais. Isso não é direcionado à situação das pessoas que experimentam um sentimento consistente, persistente e insistente de identidade incongruente com seu sexo natal."
Jones, assim como o Papa Francisco, visa preservar um entendimento da complementaridade de gênero, o qual afirma que homens e mulheres são iguais em dignidade, mas diferentes em função. Ele disse que o Magistério é mais crítico com explicações que negam a complementaridade e também de entendimentos do gênero que o separam do sexo biológico e fazem do sexo uma escolha. Sobre este ponto, Jones comentou:
"Quando nós tentamos dar sentido a diversas expressões da identidade de gênero, é natural que procuremos analogias com outras questões. Esse tipo de identidade é visto como sendo relativo a ideias feministas dos papéis de gênero social, ou como orientação sexual (LGBT, por exemplo), ou como divergências fisiológicas do desenvolvimento sexual (popularmente conhecido como condições "intersexuais"), ou como um tipo dismorfia corporal (como a anorexia). Meu argumento é de que a identidade de gênero incongruente é parecida (mas, também, diferente) com cada um desses fenômenos."
Sobre relações legais e sociais, Jones cita a comparação da filósofa trans Sophie-Grace Chappell em relação à adoção, onde para a criança adotada é dada uma nova identidade social e jurídica, mantendo o conhecimento da sua identidade biológica:
“Se você é um pai adotivo, você é um pai para a maioria das coisas e ninguém sensato duvida disso – ninguém decreta que você não pode estar presente em reuniões de pais na escola, ou o vê como de alguma forma perigoso ou ameaçador, ou prejudicando 'pais verdadeiros', sendo desonesto ou delirante, ou um sintoma de doença mental, ou mesmo um constrangimento e um faz de conta... "mulheres transexuais estão para as mulheres tal como pais adotivos estão para os pais."
Finalmente, sobre a questão de se referir a pessoas trans por seus nomes e pronomes sociais, Jones novamente citou o Papa, dizendo que:
"A prática pastoral católica deve começar com boas-vindas e o primeiro sinal de boas-vindas é como abordar alguém. Não há nada de não católico sobre o uso de nomes e pronomes que refletem o sentimento de identidade de uma pessoa."
Há problemas com os pontos de vista de Jones, como sua afirmação de complementaridade de gênero e sua equivocação sobre a cirurgia de redesignação de sexo, mas as entrevistas que ele faz com pessoas trans nos dão um caminho que mais oficiais da Igreja e teólogos deveriam seguir: a reflexão teológica que leva a sério vozes católicas trans. Ela está amparada no cuidado pastoral e inclui um compromisso com a ciência contemporânea. Vale a pena ler a entrevista completa, e você pode a encontrar clicando aqui.
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Para especialista em ética, católico não deve presumir que identidades transgênero são "pecaminosas" ou "desajustadas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU