25 Julho 2018
Violência doméstica ou ameaças de gangue passam a não estabelecer base para asilo, segundo memorando de 11 de julho.
A reportagem é de Maria Benevento e Nuri Valbona*, publicada por National Catholic Reporter, 24-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Uma voluntária e crianças brincando em abrigo para mulheres e crianças migrantes, em Tijuana, no México, no dia 20 de junho. O abrigo é dirigido pelas irmãs dos Missionários de São Carlos Borromeo e tem cerca de 80 pessoas, que pretendem buscar asilo nos Estados Unidos. (Foto: Reprodução CNS).
Patricia viveu toda a sua vida na região do Valle de Juarez, no México. Ela ocupou um cargo no governo, e depois disso, trabalhou numa loja vendendo artigos domésticos. Desde então, pessoas "estranhas e encapuzadas" visitam sua loja, exigindo uma ‘cota’. Porém, o montante era impossível de pagar.
Quando os corpos torturados e decapitados daqueles que não podiam pagar apareceram na cidade, Patrícia, que pediu para ser identificada apenas por seu primeiro nome, fugiu com seus quatro filhos para uma cidade vizinha de Juarez, mas a violência a seguiu. Gangues ameaçaram ela e sua família. Sendo assim, Patrícia pediu asilo nos Estados Unidos para si e seus filhos.
Depois de sua receosa entrevista, mas com o apoio de parentes e abrigos, incluindo a Casa Vides em El Paso, no Texas, Patricia agora está vivendo de forma independente e trabalhando legalmente, enquanto seus filhos prosperam na escola.
Mas ainda existe um medo que se esconde no fundo de sua mente - o medo da deportação. Patricia conhece famílias que foram enviadas de volta ao México - sendo que algumas foram mortas após o retorno.
"Toda a atividade criminosa está ligado ao governo. O México não é seguro. A que ponto chegamos? Quantos mais de nós eles vão matar?", disse Patrícia.
Em outra parte do Texas, Adélia, identificada por um pseudônimo porque pediu anonimato, permanece em um centro de detenção na cidade de Pearsall após chegar de Honduras com seu filho há quase sete meses, a fim de pedir asilo devido violência doméstica.
Aproximadamente do tamanho do Missouri em quilômetros quadrados, Honduras tem comunidades estreitas, o que dificulta as vítimas de violência doméstica se afastarem dos agressores caso permaneçam dentro do pequeno país.
"Muitas vezes, os perseguidores vão atrás para caçar as pessoas. O abusador encontra a vítima e continua as agressões", disse Sara Ramey, advogada de Adelia, e diretora executiva do Centro de Direitos Humanos para Migrantes.
"Se ela tivesse ficado mais um mês em Honduras já estaria morta, pois havia um homem que bateu tanto nela, que, se não fosse pelos vizinhos, ele a teria matado com um facão", disse a filha de Adelia, que pediu anonimato.
Apesar da extrema violência de que estão fugindo, as chances de Patrícia e Adélia ganharem asilo foram recentemente reduzidas.
No dia 11 de junho, o Secretário-Geral, Jeff Sessions, interveio no sistema de tribunais de imigração para derrubar várias decisões da Câmara de Apelações de Imigração. Uma das decisões de asilo revogada era baseada em violência doméstica.
Sessions disse que as alegações baseadas em violência doméstica ou violência de gangues não devem qualificar migrantes ao asilo.
Mas, pelo menos Patrícia e Adelia terão a chance de discutir suas reivindicações no tribunal. Milhares de solicitantes de refúgio podem não ter essa chance depois que os Serviços de Cidadania e Imigração dos EUA (USCIS) emitiram um memorando sobre a política no dia 11 de julho, que aplica a decisão de Sessions às “entrevistas de medo credível” de forma que fica mais difícil aos requerentes passarem até mesmo do primeiro estágio da requisição de proteção.
“Entrevista de medo credível” acontece quando um migrante que chega aos EUA expressa o medo de voltar para casa. Se o oficial de asilo encontra um medo credível, o imigrante é, pelo menos temporariamente, autorizado a permanecer. Também lhe é oferecido uma audiência para determinar se estão qualificados para o asilo.
O memorando direciona os policiais a considerarem pedidos de refúgio baseados em "participação num determinado grupo social". Os padrões estabelecidos na decisão de Sessions geralmente excluem as reivindicações baseadas em violência doméstica ou violência de gangues.
O nível daquilo que se supõe como medo credível deveria ser baixo. O novo padrão eliminaria alguns imigrantes que poderiam ter solicitado o asilo com sucesso, mesmo com as novas diretrizes de Sessions, disse Victoria Neilson, advogada da Rede Católica de Imigração Legal (CLINIC).
Jovem acena enquanto ele e outros migrantes caminham para a passagem da fronteira EUA-Méixo em Tijuana, no dia 29 de abril. Lá eles encaminharão seu pedido de asilo (Foto: CNS/ David Maung)
Os migrantes que não estão familiarizados com o sistema legal dos Estados Unidos e não têm assessoria jurídica, podem não saber o que devem destacar e dar mais credibilidade para a reivindicação de refúgio. Isso faz com que alegações válidas sejam ignoradas nessa terrível etapa, explicou Neilson.
A única declaração em negrito do memorando diz: "Em geral, à luz dos padrões acima, as alegações baseadas na participação em um grupo social particular putativo, definido pela vulnerabilidade dos membros ao dano de violência doméstica ou de violência de gangues, cometida por agentes não governamentais, não estabelece a base para o asilo, status de refugiado, ou um medo credível e razoável de perseguição".
Neilson disse que pedir às autoridades que pré-julguem as reivindicações é contrário ao princípio fundamental da lei de asilo de que cada caso é único e deve ser julgado por seus méritos.
A decisão de Sessions e o memorando político também derrubaram precedentes que reconheceram a violência doméstica não apenas como um crime privado, mas "um sintoma de um governo fracassado e uma falha na compreensão dos direitos das mulheres como seres humanos", disse Neilson.
"Da mesma forma, a ideia de que a violência de gangues é apenas um ato criminal pontual, eu diria que descaradamente descaracteriza o papel elas desempenham nesses três países do Triângulo Norte, onde em muitas situações, as gangues essencialmente governam as pessoas através da violência e do terror", acrescentou.
“Embora o memorando seja redigido em linguagem legalista, é possível ler nas entrelinhas e ver sua intenção de restringir asilo, especialmente para pessoas da América Central”, disse Camilo Perez-Bustillo, um dos diretores da Hope Border Institute em El Paso. Neilson e outros ecoaram essa interpretação.
"Alguém realmente acredita que Jeff Sessions está interessado apenas na distinção acadêmica entre o que é e o que não é um grupo social específico?" perguntou Tisha Rajendra, professora de teologia da Loyola Universidade de Chicago, cujas áreas de foco incluem migração, direitos humanos e pensamento social católico. Em vez disso, disse ela, parece óbvio que o governo quer restringir os motivos para asilo e, particularmente, excluir pessoas de cor.
“Esse estreitamento ocorre apesar do fato de que as Nações Unidas encorajaram os governos a expandir a categoria ‘grupo social particular’ para reconhecer pessoas que não se encaixam perfeitamente nas categorias tradicionais para requerentes de asilo mas que estão fugindo por suas vidas”, disse Rajendra.
"O maior princípio do direito de asilo e do direito dos refugiados é o de não repulsão. Uma ideia de que você não pode deportar alguém para a morte", completou.
Uma solicitante de asilo de Honduras abraça seu filho de 06 anos, em 13 de julho, no abrigo La Posada Providencia, em San Benito, no Texas. A mãe e o filho foram reunidos, após terem sido separados perto da divisa entre o México e os Estados Unidos. (Foto: CNS Reprodução)
Embora esteja claro que os Estados Unidos não podem proteger a todos - mesmo com ameaça de morte -, partindo de uma perspectiva ética, realmente importa se a ameaça é do governo, marido, gangue ou força paramilitar?
Numa seção que enfatiza a capacidade dos oficiais de exercerem a discrição, o memorando lista os fatores que podem pesar contra os requerentes de asilo. Esses fatores incluem: “contornar procedimentos-padrão para refugiados”, permanecer ou viajar por outros países e tentativas passadas de buscar asilo.
Embora o memorando diga que os oficiais devem prestar atenção à "totalidade das circunstâncias" e que "o perigo de perseguição irá superar todos os fatores", essas declarações foram colocadas entre discussões de entrada ilegal como um fator adverso, exceto em certas circunstâncias - como escapar de dano iminente.
Perez-Bustillo disse que considerar ilegal a entrada sob condições adversas é uma clara violação do direito internacional, e observou que não há exigência na legislação dos EUA ou na internacional para os requerentes de asilo que queiram cruzar os portos de entrada. "Uma reivindicação de asilo tem que ser adequadamente encaminhada onde quer que seja apresentada", ressaltou.
De acordo com a perspectiva cristã, proteger as pessoas do perigo deve ter prioridade sobre a segurança das fronteiras do país ou determinar o mérito dos imigrantes, disse M.T. Dávila, professor de Estudos Religiosos e Teológicos na Faculdade de Merrimack, em North Andover, Massachusetts.
“O ensino católico vai além da lei internacional de asilo, afirmando que as pessoas têm o direito de migrar para proteger a si mesmas ou suas famílias, ou para sustentar economicamente suas famílias”, afirmou Rajendra.
Dávila encoraja as pessoas de fé a aprender sobre as leis que protegem os direitos dos migrantes e a perceber que uma verdadeira antropologia cristã enfatiza a interconexão e a dependência de Deus e dos outros.
A lei e os valores cristãos "não devem estar em tensão, e onde há uma tensão, a dignidade humana deve resolver. Se as fronteiras não defendem a dignidade humana, então elas não estão servindo ao povo de Deus", acrescentou.
*Maria Benevento é estagiária do NCR
Nuri Vallbona é fotojornalista documental freelance. Ela trabalhou para o Miami Herald de 1993 a 2008, e foi professora da Universidade do Texas e da Universidade de Tecnologia do Texas.
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Estados Unidos: Novas diretrizes para requerentes de asilo geram insegurança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU