25 Julho 2018
"Guerra comercial é sinônimo de protecionismo nacionalista. As autoridades governamentais de cada país passam a tomar medidas mais rígidas, às vezes drásticas, para proteger os produtores e os trabalhadores nacionais, em detrimento do volume de importações mantido até então. Erguem-se barreiras não somente aos imigrantes, mas também às mercadorias que podem ser produzidas no próprio território", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais.
Os personagens são Donald Trump e Vladimir Putin, respectivamente presidente dos Estados Unidos e da Rússia. A farsa foi o encontro dos dois na segunda-feira, 16 de julho/2018, em Helsinque, capital da Finlândia. Ambos fizeram de conta que o encontro dizia respeito aos problemas entre as duas potências, e o mundo fez de conta que acreditava na versão, nas fotos oficiais e nas imagens oficias. No fundo, porém, todos sabiam que havia algo de carnavalesco nessa estranha cúpula a dois. Interesses ocultos e bem mais subterrâneos estavam em jogo!
Na coletiva de imprensa que seguiu o encontro, Trump contradisse as agências de inteligência americana, negando que a Rússia tivesse interferido no processo eleitoral de 2016, que acabaria por levá-lo à presidência. Além disso, convidou o líder russo a visitar Washington. Quanto a Putin afirmou haver nessa última cidade “forças que levianamente estão dispostas a sacrificar as relações russo-americanas por causa das suas ambições na luta política interna”. Um dia depois, na terça-feira, em outra coletiva de imprensa, Trump diz ter total “crença e apoio” nas as agência americanas. Uma vez mais, o véu das aparências mal conseguia esconder algo de mais relevante.
O que concluir de tudo isso? Terminou a guerra fria? Não terminou a guerra fria? Talvez o mais correto seja verificar como a guerra fria político-ideológica, que caracterizou os anos do pós guerra, vem se convertendo numa espécie de nova guerra fria, mas desta vez de natureza comercial e com forte peso nas relações econômicas internacionais. Mas não mudou apenas o caráter e o conteúdo da guerra fria; mudaram também, e sobretudo, seus principais antagonistas. Em lugar de Estados Unidos de um lado e Rússia de outro, agora, deste outro lado, temos a poderosa China. Daí as tentativas de Trump no sentido de isolar a União Europeia, a Inglaterra e a Rússia nas relações com o gigante amarelo. A elevação das tarifas faz parte da guerra. Sem esquecer que Trump pousa como candidatíssimo republicano para as eleições de 2020.
Estudos apontam para um deslocamento do epicentro econômico planetário, hoje fortemente globalizado numa rede internacional. Sinais e tendências indicam uma virada histórica, no sentido do ocidente para o oriente, do oeste para o leste. Resulta que, em termos econômicos, enquanto o império norte-americano estaria caminhando para o outono, o império chinês estaria se agigantando e se aproximando cada vez mais da primavera. O primeiro declina lenta mas inexoravelmente, o segundo ascende lenta mas silenciosamente. Basta constatar os progressivos investimentos chineses na América Latina, na África, na Europa e nos países asiáticos. Os impérios começam estendendo suas raízes em todas as direções, fortalecendo desse modo o alicerce para a gigantesca construção. Evidente que um acontecimento dessa magnitude, querendo ou não, envolve os satélites de ambos os protagonistas. Quando as estrelas caem ou se apagam, e quando sobem ou se acendem, influenciam os planetas ao seu redor.
Guerra comercial é sinônimo de protecionismo nacionalista. As autoridades governamentais de cada país passam a tomar medidas mais rígidas, às vezes drásticas, para proteger os produtores e os trabalhadores nacionais, em detrimento do volume de importações mantido até então. Erguem-se barreiras não somente aos imigrantes, mas também às mercadorias que podem ser produzidas no próprio território. Entra em cena, em nível internacional, um redimensionamento da produção, comercialização e consumo de massa. Acirra-se a concorrência, a competição e a disputa por matérias primas mais acessíveis e a bom preço, pelas fatias mais rentáveis do mercado global, ao lado de um forte incentivo ao consumo interno.
Verifica-se, além disso, um reforçamento das forças de direita, conservadoras e até retrógradas. Diante das crises, a pressão popular costuma aclamar (e eleger) homens/mulheres fortes para tomar as rédeas do poder. Uma espécie de messianismo, por uma parte, e um salvador da pátria, por outra, são duas faces da mesma moeda. E aqui há uma lição inequívoca: quando tomamos consciência da própria fragilidade, torna-se imperativo apelar para a força. Ou ainda:quando um enfermo passa a aumentar de forma excessiva as doses do remédio, das duas uma, ou está perto da cura, ou caminha para o túmulo.
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Dois personagens e uma farsa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU