05 Julho 2018
Para ex-diretor da estatal, a resposta aos erros de gestão tem sido uma má política de contador.
A reportagem é de Gabriel Vasconcelos, publicada por Jornal do Brasil, 01-07-2018.
Ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras no governo Lula, o engenheiro Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, não tem papas na língua. Em entrevista, critica a venda de ativos da estatal com o objetivo de reduzir seu endividamento e acusa: “Estão privatizando a Petrobras e ninguém vê”. Sauer não poupa os erros da gestão Dilma, e diz ser embuste da mídia a versão de que a estatal não tem capacidade de investir por estar endividada. “Com garantia do petróleo, os chineses financiariam”. E condena “o putrefato governo Temer” pela abertura de 70% do óleo do pré-sal que a própria Petrobras descobriu”.
O que o Sr. pensa do plano de negócios da Petrobras que foca a venda de ativos?
Não está à altura do Brasil, nem da Petrobras. Há um enorme equívoco na forma como o atual governo e os gestores tratam a empresa, como se fosse um negócio convencional, subordinado às regras do sistema financeiro do eixo Nova Iorque-Londres. A Petrobras deveria estar fora disso. Muitos analistas celebraram as intervenções iniciadas pelo (Aldemir) Bendine no governo (Dilma) Rousseff e replicada com absoluta ortodoxia sob Temer. Essas pessoas entendem que o único papel da empresa é gerar dividendos e prestar contas sob ótica míope que só olha o curto prazo. É evidente que a Petrobras passou, especialmente de 2011 para cá, por processo de má gestão, de ausência de visão estratégica e de instrumentalizacão política. Houve os episódios criminosos que todos conhecemos, mas que também aconteciam antes. Mas a resposta dada agora em função da má gestão nos projetos de refinaria é absolutamente escandalosa. Em momento de crise, em vez de buscarem a solução no aprofundamento da estratégia de negócio chamaram o “contador”. Primeiro veio o Bendine, que ainda se revelou um corrupto. Com ele veio o Ivan Monteiro, que montou toda essa estratégia, foi mantido pelo Parente e hoje é o presidente. O Ivan Monteiro é o continuador dessa estratégia que pode ser o início do fim da Petrobras. As soluções que deram foram as piores possíveis: vender ativos como campos de petróleo, além de refinarias e gasodutos construídos a preços elevados em momento de baixa do petróleo e alta do aço. Vender gasodutos para a Brookfield e depois pagar valores de pedágio que, em dois ou três anos, se equiparam ao montante recebido, é absolutamente equivocado. Uma empresa que tem controle potencial da produção de 100 bilhões de barris, não deveria se submeter aos ditames da ortodoxia financeira. Deveria buscar parceiros como a China e a Índia para garantir créditos e aumentar a capacidade de produção. Não era o caso de amputar, mas sim de empreender.
É um processo de privatização velado?
Há uma privatização explícita da Petrobras e ninguém vê, porque é tudo mistificado. Se privatiza três mil quilômetros de gasodutos e as pessoas não sabem. Entregaram o campo de Carcará, por menos de US$ 2 o barril, quando a Petrobras pagou entre US$ 8/11 à União pelo óleo que ela mesmo descobriu. A população é contra a privatização, mas estão privatizando. Dizem que estão repassando ativos para tapar o buraco deixado pela má gestão anterior. Este é o discurso. mas é tudo mistificação. Também usam os escândalos para legitimar a ortodoxia financeira como a única capaz de salvar a empresa e destruir valor da população brasileira. É um modelo de negócio errado. No futuro, aparecerão as verdadeiras razões, hoje impublicáveis.
O Sr. tem opinião formada sobre o imbroglio da cessão onerosa?
Se tivessem me ouvido à época, não teria havido nem cessão onerosa e nem partilha. Por mim, quando estes campos foram descobertos, o governo teria contratado a Petrobras para produzir o petróleo a preços que compensassem todos os custos de produção e gerassem uma margem excelente de retorno para mantê-la como a empresa mais capacitada em termos tecnológicos do mundo. Mas, em uma operação para aumentar a participação acionária do governo, criaram a lei e cederam à Petrobras todo o volume do petróleo estimado por meio de um contrato que guardava gatilhos de correção dos valores para cima ou pra baixo, a depender do preço do petróleo no mercado internacional. Esse contrato foi assinado e a Petrobras, como empresa de capital aberto, tem de fazer valer o contrato. Se confirmada a correção, o contrato deve ser cumprido. No fim, é verdade, a União perde. Quem ganha são os 42% de acionistas privados, dos quais 30% estão em NY. Mas foi um problema criado lá atrás, na concepção do modelo.
Corre no Congresso Projeto de Lei que libera a venda de 70% da cessão onerosa ao setor privado sob o argumento de que a Petrobras não tem capacidade de investir sozinha. Concorda?
Este é o maior embuste já criado pela mídia. Em quase todo o pré-sal, o operador é a Petrobras, que tem a responsabilidade de dirigir a exploração (pesquisa), coordenar a contratação das plataformas e toda a operação. Cabe às outras petroleiras dos consórcios acompanhar e dizer sim. Qual é o papel delas? A Petrobras informa o cronograma e coordena os investimentos. Se alguém não cumprir, outro assume ou a cota é vendida. E de onde sai o dinheiro? O dinheiro não está no caixa dessas empresas. É no sistema financeiro onde buscam o dinheiro. Elas dão em garantia a existência do petróleo e pegam o dinheiro, ficando com parte da receita. Detendo o ativo maior, qualquer um faz. A Petrobras não teria de captar dinheiro no mercado. Tem muita gente pra fazê-lo. Nos anos 1990, o sistema financeiro não queria financiar a Petrobras. O Banco do Japão fez isso até 2002 em troca da preferência de compra do petróleo. Hoje, os chineses estão ávidos por isso. Dinheiro não falta. É complicado quando há alto grau de risco, mas ele é baixo porque estão assegurados o petróleo do pré-sal, a capacidade tecnológica e a demanda pela produção.
Quadro histórico do PT, o senhor é critico ferrenho da política energética da direita, mas também de Lula e Dilma. Já tem voto definido para outubro?
Não. Ia votar em mim mesmo, fui cotado para ser candidato do PPL, mas desisti para atuar como analista na academia, fazer proposições ao debate, que é o mais importante agora.
Há conversas com o ex-presidente Lula?
Não. Junto com o (Luís) Pinguelli Rosa, pensei o programa para área de energia do governo do PT, que depois foi jogado no lixo para fazerem essa lambança toda aí. Então não vejo o porquê de alguém que já teve a chance de construir uma vez precisar voltar. Se o Lula me procurar, eu falo com ele, mas não vou atrás. Acho que o mundo gira para frente. Falar isso me dói muito. Desde a adolescência, quando o PT foi criado, estive junto. Fui massacrado dentro do partido, expulso da Petrobras e fizeram o que fizeram depois que saí de lá. Tenho consciência dos graves erros que aconteceram, mas também acho que quanto mais a gente pisar nas feridas, pior é a saída para o futuro. Nesse momento, é hora de aglutinar em torno de um programa capaz de nos afastar desses criminosos que estão no poder, desse governo putrefato, rejeitado por mais de 90% da população.
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‘Estão privatizando a Petrobras e ninguém vê’, afirma Ildo Sauer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU