29 Junho 2018
A floresta amazônica, que já perdeu quase 20% de sua área original, está mais vulnerável do que se pensava. Pesquisas recentes apontam que a combinação de desmatamento, aquecimento global e queimadas pode levar mais de 50% do bioma a se transformar em uma savana até 2050. Se nada for feito para impedir essa degradação, a perda da floresta deve alterar drasticamente os regimes de chuva no centro e no sul do Brasil, com prejuízos para a agricultura e falta de água para os moradores das áreas urbanas.
A reportagem é de Maíra Menezes, publicada por IOC/Fiocruz e reproduzida por EcoDebate, 28-06-2018.
Esses e outros dados que revelam a dimensão do desafio das mudanças climáticas foram apresentados pelo físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em palestra (15/6) no Núcleo de Estudos Avançados (NEA) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Com o tema Meio ambiente global e Amazônia em crise: O que fazer?, o evento fez referência ao Dia Mundial do Meio Ambiente (5/6). Para conhecer as edições anteriores do NEA, clique aqui.
Na abertura do seminário, o coordenador do NEA, Renato Cordeiro, destacou o impacto das mudanças climáticas para a saúde pública, em especial no que se refere à transmissão de doenças infecciosas. “A progressiva destruição do planeta e o aquecimento global vêm causando um incremento nas doenças e na mortalidade dos seres humanos e de outros animais. A dengue, a zika, a malária, a chikungunya, a tuberculose e as doenças respiratórias, entre outras, são exemplos dessas fraturas ambientais”, afirmou.
Em sua palestra, Artaxo ressaltou que um conjunto cada vez maior de evidências científicas confirma que a ação humana está alterando o planeta e ressaltou que os altos índices de emissões de CO2 são uma causa importante das transformações observadas. Enquanto, antes da revolução industrial, cerca de três bilhões de toneladas de dióxido de carbono eram lançadas anualmente na atmosfera, hoje esse valor se aproxima dos 40 bilhões. Como desdobramentos, a temperatura na superfície terrestre está 1,25°C mais quente, enquanto os oceanos se tornaram 30% mais ácidos.
“Estamos no Antropoceno: uma era em que nós, seres humanos, nos tornamos uma força geofísica, capaz de mudar questões críticas no planeta”, declarou o pesquisador. Ele destacou que quatro dos nove limites planetários relevantes para a sustentabilidade ambiental já foram rompidos: as mudanças climáticas (ligadas ao aquecimento global); a integridade da biosfera (relacionada à perda de biodiversidade); o uso do solo (associado ao desmatamento); e os ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo (derivados do uso de fertilizantes em larga escala).
O cientista enfatizou que as mudanças climáticas afetam todo o planeta, uma vez que a atmosfera é um sistema aberto: uma molécula de dióxido de carbono emitida, por exemplo, nos Estados Unidos, leva apenas dois dias para dar a volta na Terra. Por outro lado, as consequências do aquecimento global variam dependendo do local. No Brasil, cidades com mais de um milhão de habitantes (como Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre) precisarão se adaptar, uma vez que o nível do mar deve subir de 22 cm a 100 cm até 2080, segundo estimativas conservadoras.
De acordo com Artaxo, pela sua gravidade, a crise ambiental atual não é apenas um problema científico, mas uma questão econômica e ética. No ‘Relatório de Riscos Globais 2018’, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, entre as cinco ameaças com maior probabilidade de ocorrer, três estão ligadas ao meio ambiente: eventos climáticos extremos, desastres naturais e fracasso das iniciativas para mitigação e adaptação frente às mudanças climáticas. Entre os cinco riscos com maior potencial de impacto para a economia, as mesmas questões são apontadas, ao lado da crise hídrica. “O componente ético da questão ambiental foi evidenciado, por exemplo, pela encíclica sobre meio ambiente publicada pelo papa Francisco em 2015. Se pensarmos na perda da biodiversidade, a questão ética é clara: que direito nós, seres humanos, temos de eliminar diversas espécies do planeta?”, questionou o especialista.
Apesar das evidências científicas e dos impactos reconhecidos, faltam ações efetivas para conter as mudanças climáticas. Segundo o membro do IPCC, nos últimos cinco anos, as tecnologias para produção de energia limpa, como eólica e solar, se tornaram competitivas para substituir os combustíveis fósseis, que constituem a maior fonte de emissões de CO2 no planeta. Porém, são necessárias políticas públicas para acelerar a sua implementação. “As soluções tecnológicas já existem e são economicamente viáveis, mas não vão avançar sem políticas públicas. Nenhum país do mundo expandiu o uso de carros elétricos sem incentivos governamentais. No entanto, isso contraria os interesses das indústrias automotivas, que ainda querem lucrar com tecnologias atrasadas”, argumentou.
O cientista ponderou ainda que o ‘Acordo de Paris’, único compromisso internacional em vigor atualmente sobre o tema, dificilmente atingirá a meta de conter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C. Artaxo afirmou que a maioria dos países está longe de cumprir os compromissos de redução de emissões de CO2 assumidos voluntariamente, enquanto os Estados Unidos abandonaram o tratado após a eleição do presidente Donald Trump. “O componente humano é o maior fator de incerteza para o futuro. As projeções climáticas são claras e a questão que se coloca é: o que a humanidade vai fazer?”, declarou. “Nossa sociedade é caracterizada pelo desperdício: de água, de alimentos, de recursos naturais, de roupas, de celulares. Este tipo de comportamento precisa mudar se quisermos construir uma sociedade minimamente sustentável no futuro”, opinou.
O avanço do desmatamento na Amazônia foi um dos exemplos de retrocesso ambiental citado por Artaxo. Após uma tendência majoritária de queda entre 2004 e 2012, a área desmatada na floresta voltou a crescer a partir de 2013 – um ponto crítico, já que a vegetação contribui para conter o aquecimento global. Atualmente, cerca de 30% das emissões de CO2 são absorvidas pelas florestas, reduzindo a parcela de dióxido de carbono na atmosfera e, consequentemente, o efeito estufa. Além disso, no contexto local, a Amazônia desempenha um papel central para a manutenção do fluxo de vapor d’água, que alimenta o regime de chuvas das regiões central e sul do Brasil.
Citando uma pesquisa publicada em abril deste ano, o pesquisador afirmou que o valor dos serviços ambientais prestados pelos ecossistemas da América do Sul – onde a Amazônia tem um papel significativo – foi calculado em US$ 14 trilhões por ano. O cálculo considera aspectos como segurança alimentar, hídrica e energética, além das contribuições para a saúde da população e a sobrevivência de culturas locais. “O bioma amazônico é estratégico para o país e a sua destruição contraria o interesse nacional. É fundamental preservar a floresta para preservar os serviços ambientais que ela presta”, defendeu.
A importância da conscientização de todos – incluindo a comunidade acadêmica – para o enfrentamento da crise ambiental foi um dos temas abordados no debate realizado no encerramento da palestra. Lembrando o conceito de ‘One Health’ (Saúde Única), pautado na integração entre saúde humana, saúde animal e meio ambiente, o público comentou o impacto da crise ambiental para a transmissão de doenças infecciosas. A relevância do tema para as pesquisas desenvolvidas no IOC e para a formação dos estudantes de pós-graduação do Instituto também foi ponto de discussão. O descompasso entre a rapidez da degradação ambiental e a lentidão das transformações tecnológicas, econômicas e culturais necessárias para enfrentar o problema foi mais um alvo das discussões. A urgência do tema foi enfatizada, com apontamentos sobre a importância de manifestação da academia nos debates para a implantação de políticas públicas efetivas contra as mudanças climáticas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Crise ambiental, mudanças climáticas e os riscos na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU