19 Junho 2018
"Partidos de direita e de centro-direita não tem nenhum programa que não seja o fisiologismo, o mercado financeiro satisfeito e os pactos oligárquicos regionais, para reproduzir os seus mandatos e aparelhar obras públicas, envolvendo os setores de boa-fé que militam nos seu meio num raivoso anticomunismo e anti-petismo, sempre de ocasião", escreve Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul – PT, publicado por Sul21, 18-06-2018.
O excelente livro publicado no Brasil, de Boaventura Sousa Santos (“Esquerdas do Mundo, uni-vos”, Ed. Boitempo, 2018), traz uma análise-advertência da experiência atual de Governo em Portugal, pela qual a formação de uma maioria – para governar – foi forjada a partir de uma unidade mínima destinada a bloquear a destruição liberal-rentista do Estado Social. Para isso foram selecionados alguns pontos concretos de unidade, que resultaram num Governo de esquerda moderada, que não tem como objetivo nem a implantação de um regime socialista, nem a formatação de um novo tipo de Estado.
O Governo formado obteve a composição de maioria parlamentar para responder a “asfixia neoliberal” (pg.47) e todas as forças que o integram são cientes de que a implementação de “alternativas limitadas”, se realizadas de forma exitosa, além de terem reflexos positivos no padrão de vida de vastos setores das classes trabalhadoras e dos assalariados médios -além de em outros setores da sociedade-, promoveriam “um efeito simbólico decisivo”. Este efeito seria (e foi) o de desfazer o mito de que os partidos de esquerda só servem para protestar e não sabem negociar, nem muito menos assumir as complexas responsabilidades de governança.
Embora as forças políticas aqui no Brasil, tenham diferenças bastante visíveis, em relação àquelas que disputam em Portugal, pode-se dizer que a experiência portuguesa tem uma grade dose de universalidade: é uma saída visível e imediata, para uma crise das esquerdas que não tem saídas visíveis de médio prazo. As diferenças entre os dois países vem, de uma parte, porque aqui as bases orgânicas da esquerda, para as quais interessa em termos materiais uma saída social-democrata típica, estão sendo devastadas pela miséria, pelo desemprego e pelas mutações no mundo do trabalho. Estas condições geram -na verdade- novas exclusões sociais que aumentam o potencial de criminalidade e de ódio à política, não as perspectivas de uma sociedade regulada por pactos de inclusão produtiva e reformas sociais pela esquerda.
As diferenças estruturais em termos políticos – entre os dois países – de outra parte, vem de que as forças de esquerda em Portugal (inclusive a social-democracia) emergiram com energia social e eleitoral, a partir da Revolução de 25 de abril de 74, liderada pelos militares contra o fascismo: uma revolução democrática, portanto, que – num processo constituinte tormentoso – acordou um Estado Social e regras de convívio político democrático, que reduziram drasticamente a sedução autoritária das facções da direita extrema.
Aqui no Brasil, ao contrário, a social-democracia tornou-se um embrulho retórico de direita, do sociologuês de FHC, que integrou o golpismo, traiu a Constituição de 88 e fez da luta contra a corrupção uma bandeira artificial para favorecer os maiores corruptos do Brasil, no Congresso e fora dele. As forças de esquerda, de outro lado, que obtiveram força eleitoral no nosso país – já que aquelas mais tradicionais e experientes foram derrotadas ou enfraquecidas pela força do regime militar – só obtiveram sucesso político e eleitoral, porque surgiram no bojo da transição conciliada, com as velhas forças civis que deram sustentação aos Generais. A transição conciliada foi o conduto que levou uma parte da esquerda a governar, não a derrubada da ditadura.
Os demais partidos de direita e de centro-direita não tem nenhum programa que não seja o fisiologismo, o mercado financeiro satisfeito e os pactos oligárquicos regionais, para reproduzir os seus mandatos e aparelhar obras públicas, envolvendo os setores de boa-fé que militam nos seu meio num raivoso anticomunismo e anti-petismo, sempre de ocasião. O patrocínio dos refletores da Globo e do grande empresariado submisso ao capital financeiro, é o centro do pacto de dominação em curso no pós golpismo, e sua derrota só ocorrerá se forem derrotadas as suas reformas.
Por estas condições e especificidades a experiência portuguesa pode indicar um caminho para sairmos da crise política derivada da ilegitimidade do Governo Temer, somente se uma Frente, aqui no Brasil (que deve ir até o centro progressista disperso em vários partidos) for liderada – em algum momento – pelos partidos e agrupamentos de esquerda. Seu ponto de unidade mínima deve ser a defesa dos princípios do Estado Social da Constituição 88, a retomada do pré-sal, a soberania alimentar, a moradia e a democratização da mídia. Opino hoje, que os candidatos que se apresentam pelos menos formalmente como “de esquerda”, para o pleito presidencial deste ano – Lula, Boulos, Manuela e Ciro – já deveriam ir pensando em algo parecido com a “Geringonça” portuguesa, para o segundo turno. Não deu certo a prisão de Lula, preparemo-nos, pois ter que soltá-lo. E o Brasil, assim, vai voltar a andar, de novo.
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