12 Mai 2018
A Pecém Agroindustrial S.A é uma das empresas do Grupo Ypióca. Localizada em Aquiraz, município situado a 32 km de Fortaleza (CE), a empresa produz papel e papelão; assim como no caso da cachaça, carro chefe do grupo desde o século XIX, a água é a matéria-prima na produção de 70 toneladas por dia em bobinas de papel. Alegando prejuízo a este negócio lucrativo, a empresa lutou na Justiça Federal pela anulação da Terra Indígena Lagoa da Encantada, do povo Jenipapo Kanindé. Perdeu em todas as instâncias, até a derrota definitiva no Supremo Tribunal Federal (STF), em 5 de setembro de 2017. Os indígenas sequer tomaram conhecimento do julgamento em curso, mas agora “não há mais nada que impeça a homologação e a retirada dos posseiros. Para a gente o mais importante é que a Lagoa da Encantada e suas águas estejam protegidas”, explica a cacique Pequena Jenipapo Kanindé.
A reportagem é de Renato Santana, publicada por Jornal Porantim e reproduzida por Cimi, 11-05-2018.
O Grupo Ypióca argumentou, em todo o percurso processual, que ainda contou com acachapante derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que as partes interessadas não tinham sido ouvidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A “injustiça” reclamada, no entanto, era nada mais do que uma construção narrativa usada para o grupo seguir exaurindo as águas situadas na terra Jenipapo Kanindé, com destaque para a Lagoa da Encantada – local sagrado para o povo. A Lagoa secou entre 2009 e 2010 devido às investidas depredatórias provocadas pelas necessidades de produção da Pecém Agroindustrial. A lagoa passou a se recuperar nesta década, quando os indígenas enfrentaram o poder econômico e político da Ypióca impedindo a retirada de água. A resposta veio com a criminalização de lideranças e apoiadores, envolvendo jornalistas e pesquisadores acadêmicos.
Conforme a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), no ano de 2025, 1,8 bilhão de pessoas viverão em países ou regiões com falta de água, e 2/3 da população poderão enfrentar a escassez total. Para a própria ONU, desde 2010, resolução diz que o acesso à água potável do mundo e ao saneamento básico são direitos humanos fundamentais. No último Fórum Econômico Mundial de Davos, ocasião em que os mais ricos países e pessoas físicas do planeta se reúnem nas montanhas suíças, as classes dominantes internacionais tiveram que admitir o que a FAO estima: 70% de toda a água doce disponível no planeta (1% desta água é acessada pelos seres humanos) é consumido pela agropecuária de larga escala. Conforme estudos do físico e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Alexandre Costa, este percentual está em 60% nas terras cearenses; em 2015, durante entrevista à Agência Brasil, o diretor de Operações da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh), Ricardo Adeodato, estimou que 70% da água dos reservatórios são usados pelo agronegócio. Ou seja, situações como a dos Jenipapo Kanindé mostram que outras torneiras estão abertas na cadeia agroindustrial adensando ainda mais o que o professor Alexandre Costa chama de “injustiça hídrica”.
Entre dunas e o que restou de mangues e mata nativa, os Jenipapo Kanindé, conhecidos como Cabeludos da Encantada, se mantiveram em situação de pouco contato com a sociedade envolvente até meados da década de 1980. Hoje fazem parte de um cenário de intensa disputa na região litorânea do Ceará, chamada pelos indígenas de a Guerra da Água. Esta guerra de baixa intensidade envolve ainda o povo Anacé, no Lagamar do Cauípe, que, em fevereiro deste ano, sofreu uma ação violenta da Polícia Militar durante ocupação ao canteiro de obras que visa desviar 900 mil litros por segundo de água do rio Cauípe direto para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), no município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. As águas serão utilizadas para matar a sede insaciável das duas maiores termelétricas da América Latina, além de uma siderúrgica.
O que aponta para um outra informação sustentada não apenas pela FAO, mas no Brasil pelas organizações que compõem a campanha Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida: a questão central não é a escassez da água em seus termos gerais, “e sim um processo de exploração intensa e apropriação da água” (Le Monde Diplomatique, 2018). Neste ponto entram os conflitos nos quais estão envolvidos os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais. Até mesmo o Vaticano já demonstrou preocupações diante do quadro. Na Encíclica Ladauto Si', o Papa Francisco afirma: “Enquanto a qualidade da água disponível está em constante deterioração, há uma tendência crescente em alguns lugares de privatizar este recurso limitado(…). Espera-se que o controle da água por grandes empresas globais torne-se uma das principais fontes de conflito neste século”. Os povos Jenipapo Kanindé e Anacé (leia retranca) já vivem tal realidade.
Estes apontamentos críticos à mercantilização da água estiveram presentes no Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) – 2018, ocorrido em Brasília (DF), entre os dias 17 e 22 de março. “No Chile avançam os empreendimentos minerais, no Brasil querem privatizar a água, e na Argentina avançam as lavouras de soja transgênica e seus agrotóxicos. Em todo o continente latino-americano a exploração de petróleo e o desmatamento poluem, destroem e ameaçam a vida de camponeses, quilombolas, povos tradicionais e comunidades pobres”, disse durante o encontro Ivan Emiliano Manzo, do movimento Pátria Grande, da Argentina. O Fama faz contraposição e é organizado de forma paralela ao Fórum Mundial da Água, onde países e multinacionais privadas se reúnem para analisar e executar maneiras mais eficientes de comercializar este direito humano fundamental.
A luta dos indígenas Jenipapo Kanindé pelo território tradicional teve como motivação, no início da década de 1980, a exploração da Lagoa da Encantada pelo Grupo Ypióca e demais invasores, incluindo a Prefeitura de Aquiraz que passou a lotear terrenos para a venda. Como no período os indígenas tinham pouco contato com a sociedade envolvente, vendiam pedaços de terra por preços irrisórios. “Foi nesse tempo que começamos a briga com a Ypióca. Não queriam deixar a gente chegar na água. A Ypióca comprou um terreno na beira da Lagoa e colocou o encanamento que seguia até a fábrica. Essa briga doida dura até hoje”, aponta cacique Pequena Jenipapo Kanindé.
Antes deste período, o povo vivia numa situação quase de isolamento. Não dependiam de nada fora do território, tirando o sustento da terra, das lagoas e do mar. “Nunca saímos daqui. Lagoa da Encantada e o Saco do Marisco. Vivíamos na beira da Lagoa. Outros mais do lado do mar. Vivíamos bem, uma vida livre e descansada. Chegava da maré, lagoa ou da mata com as comidas e cozinhávamos. Nosso café era o almoço: peixe fresco com pirão de beiju, feito no caco. Bebíamos o caldo do peixe. O café de manjerioba era sobremesa, adoçado com rapadura. Assim cada qual ia trabalhar; cavar chão, plantar melancia, jerimum, batata, mandioca. Até o início de 1980, vivíamos dessa forma. Nos anos 70 começaram a comprar terras, mas nos anos 80 os confrontos começaram de verdade”, diz cacique Pequena.
A liderança explica que cinco raízes compõem o povo: “Pedi para o presidente da Funai, na minha primeira ida à Brasília, em 1995, para mandar a equipe de demarcação. O Grupo de Trabalho chegou aqui em 1997. Estudaram a gente, os povos que formam os Jenipapo Kanindé. Éramos conhecidos como os Cabeludo da Encantada, mas tínhamos mais quatro raízes: Payaku, Tapuia (povos enquadrados na denominação colonial Tapuia), Jenipapo e Kanindé. São essas cinco raízes que formam o povo Jenipapo Kanindé”, explica Pequena.
Em 2011, o Relatório Circunstanciado foi publicado com 1734 hectares. O Grupo Ypióca decidiu entrar com ação na Justiça Federal pedindo a suspensão dos efeitos da portaria de demarcação. Em setembro o processo teve um ponto final na Corte Suprema, com o ministro Luís Roberto Barroso declarando que o procedimento demarcatório respeitou as normas previstas na Lei 6.001/1973 e no Decreto 1.775/1996 sendo, portanto, declarado inviável o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 34563, em que a empresa Pecém Agroindustrial Ltda. sustentava que os estudos da Funai teriam desrespeitado os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
“Quando começou a briga com a Ypióca, fomos recuando e recuando. Outros grupos atacaram nosso território, posseiros, a Prefeitura, invasores de todo jeito. O Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Diocese de Fortaleza veio mostrar pra gente que tínhamos direitos. Então começamos a nos sentir mais empoderados. Quando a Funai chegou aqui registrou nossos nomes indígenas, nossas famílias. Somos apenas uma família, casamos entre nós mesmos. O relatório antropológico comprovou a nossa terra, mesmo porque você andava por aqui e achava um bocado de gênero velho, que, como dizem, é arqueológico. Até hoje se procurar acha, mas antes ficava por cima de tudo mesmo. Era só andar pra achar. Montanhas de cascas de mariscos, das coisas dos índios antigos”, pontua Pequena.
A Ypióca, durante todo o conflito, seguiu querendo tomar conta, usando de influência política e poder econômico. Ofereceram R$ 7 mil para as famílias em troca da água. Os indígenas não aceitaram. Até o então governador Cid Gomes baixou na área, de helicóptero e acompanhado dos executivos da empresa, para pressionar o povo. “A Ypióca puxou tanta água que a Lagoa ficou no prato, só nas poças. Quando eu vi aquilo eu chorava muito. Isso foi entre 2009 e 2010, secaram a lagoa. Os meninos (dois filhos e um genro de Pequena) foram fazer barragem para não permitir que o restinho de água fosse pra empresa. Foram processados, assim como um jornalista e um pesquisador”, denuncia Pequena.
Outra lagoa, chamada de Tapuio, também localizada no interior da terra indígena, foi explorada. Abastecia a cidade de Pindoretama, sem nenhuma contrapartida aos indígenas. Quando a luta pela terra teve início, a iniciativa privada entrou com processos para retirar água à força, sem o consentimento dos indígenas, mas não prosperou e logo Tapuio ficou apenas para os Jenipapo Kanindé. Ao contrário da Lagoa da Encantada. “Hoje temos mais o controle, mas sabemos que ainda retiram água. Quando se descobre, uma turma de guerreiros vai até o local e retira as mangueiras. Mas a gente teme pela vida, que façam alguma maldade. Esperamos agora que a demarcação finalize e os invasores e posseiros sejam retirados das nossas terras”, conclui a cacique Pequena, histórica liderança dos povos indígenas do Nordeste.
Eraldo Alves, mais conhecido como Preá, é um dos filhos de cacique Pequena. Era um garoto magricela e cabeludo quando a luta pela terra e pela água teve início nas dunas e matas que hoje ele percorre de forma satisfeita, como costuma dizer. Preá faz um parênteses quando questionado sobre a briga com a Ypióca, a qual empurrou para o juízo dele a preocupação de um processo judicial. “Entre 1999 e 2003 tinha aqui o Aquiraz Resort, um empreendimento que queria construir cinco hotéis de quatro estrelas. Não aceitamos. A Ypióca foi apenas um dos problemas. Só que em 2004 fomos pensar como era que a gente ia trabalhar um turismo de base comunitária, inclusive para conscientizar a sociedade sobre a nossa luta. Começamos em 2005 com a formação de 28 jovens Jenipapo Kanindé para trabalhar nesse turismo. Hoje fazemos parte de uma rede. Trazemos a população numa ideia de turismo que mostra as raízes deste país”, pontua Preá.
Na frente do Museu Indígena Jenipapo Kanindé, parte do circuito turístico comunitário, existe uma frondosa mangueira. Abaixo dela pajé João Batista Alves, relaciona a água e a terra no acervo ritualístico do povo: “Nosso ritual sagrado é um fortalecimento espiritual. Buscamos as forças dos nos nossos ancestrais. A nossa terra tá no processo de demarcação, e como ganhamos no STF a demarcação deverá ser concluída. Nós pajés temos o nosso momento de encantamento. Vamos rezar na mata. Nos encantamos junto com a caipora, com os encantados da Lagoa. Acho que isso explica a razão de tanta defesa da terra e das águas”.
Conclui o pajé: “A nossa Encantada é uma mãe pra nós. Sempre foi. Para os índios Jenipapo Kanindé é como uma mãe. Sempre trouxe o bem estar das pessoas, a Lagoa. Tem seus poderes, suas histórias e suas riquezas. Ao redor, e nela mesma. A luta da terra indígena começou pela luta da Lagoa da Encantada. E hoje ainda nós lutamos, é um patrimônio nosso”.
Climério Anacé é uma jovem liderança da Terra Indígena Anacé, cujo processo de demarcação está paralisado desde a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação. Climério e seu povo lutam por 8.712 hectares de terra tradicional, no município de Caucaia (CE), mas atualmente vivem em menos de 1 mil hectare divididos entre as aldeias Japuara, Tabuleiro Grande, Jacurutu, Santa Rosa e Lagoa do Barro. Outra parte do povo Anacé, das aldeias Matões e Bolso, foram levados para a Reserva Taba dos Anacé – a degradação causada pelo Complexo Industrial e Portuário do Pecém foi tamanha que as áreas em que estas aldeias estavam não entraram na demarcação.
Nesta região envolvente e integrada ao território Anacé, está parte do ecossistema hídrico do Lagamar do Cauípe, o rio Cauípe e dezenas de lagos e lagoas, entre elas uma que dá nome à aldeia Lagoa do Barro. “Retomamos áreas desta nossa aldeia. A Justiça Estadual concedeu a reintegração de posse ao posseiro. Nossos advogados representaram afirmando que a competência é Federal, por se tratar de povo indígena. O juiz declinou da competência, mas não suspendeu a liminar”, explica Climério Anacé.
No dia 19 de janeiro, o Comando Tático Motorizado (Cotam) da Polícia Militar do Ceará chegou na aldeia sem nenhum diálogo. “Até esse dia eu era um homem, agora não sei mais. A humilhação de você ser expulso de uma terra que é sua, ver o seu povo sendo despejado. Tentamos segurar o máximo, mas a truculência era grande. Voltamos para a aldeia Japuara”, diz Climério. A Lagoa do Barro é uma localidade de interesse hídrico e faz parte de um complexo de lagos fechados por latifundiários que insistem em se apossar das terras do povo Anacé.
Ernani Viana é dono de 80% do território Anacé identificado. Político da velha guarda (chegou a integrar o Arena, partido alinhado ao regime militar), agropecuarista, dono de imobiliária e comércios, Viana, conforme listagem dos indígenas apresentada ao Ministério Público Federal (MPF), teria privado o acesso dos Anacé aos recursos hídricos da terra tradicional. “São cerca de 20 lagos que foram fechados. Fora todo o desmatamento e os projetos de resorts, condomínios fechados”, destaca Climério.
Dez dias depois da reintegração de posse, o governo estadual de Camilo Santana (PT) conseguiu na Justiça Estadual o despejo dos Anacé que ocuparam durante 90 dias (ver página 16) o canteiro das obras que visam transpor as águas do rio Cauípe para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (leia entrevista). “É uma área que não está dentro do que reivindicamos, portanto se tratou de uma ocupação realizada às margens do rio, onde estavam os canos pra captar a água”, explica Climério. A polícia chegou também sem muito diálogo, conta o indígena. “É uma obra ilegal porque o governo disse que a água seria para abastecer municípios do entorno, mas na verdade vai para o Complexo do Pecém. A autorização só ocorreu porque era para uso humano, não industrial. São 900 mil litros por minuto que sairão do rio. Será a morte dele, do meio ambiente e a nossa”, critica Climério Anacé. (RS)
A Lagoa da Encantada compõe o acervo de histórias contadas desde os troncos velhos entre as cinco raízes que compõem o povo Jenipapo Kanindé, sobretudo os Cabeludos da Encantada. Hoje quem as conta aos mais jovens, animando as noites de ritual ao redor da fogueira, é o pajé João. Nos contos, a Lagoa transporta os indígenas do presente ao passado ou ao futuro, como uma máquina do tempo; não sem um elemento típico das mirações de ayahuasca amazônica ou da Jurema, mais comum no Nordeste, a Lagoa é uma entidade espiritual, uma Encantada, viva e repleta de revelações.
Conta pajé João que certa vez a Lagoa virou cidade. Dois indígenas chegaram na beira da Lagoa. Um vigiaria os movimentos e o outro leria um enorme livro; o volume batia as mil páginas. Ambos fizeram um pacto: não poderiam “se admirar” diante do que vissem sob risco da miração se acabar. Era necessário ter concentração, não se deixar seduzir. Tão logo o indígena passou a ler o livro, o que acontecia na história imediatamente ganhava formas na Lagoa. No caso, a Lagoa virou uma cidade, deixando de ser água para ser concreto. Apareceram os postes de luz, carros, faróis altos. O Morro do Sagrado virou uma Igreja, com uma praça muito bonita na frente. Ruas, barulho, poluição, prédios, arranhas-céus, viadutos, pontes, trânsito, milhares de pessoas nas calçadas. Passaram-se horas e horas de leitura; uma cidade complexa se formou. Dada uma parte avançada do livro, o indígena que vigiava “se admirou”. Tão logo a cidade se desencantou e tudo voltou ao normal: mato, Lagoa, água e terra.
Na mesma Lagoa, conta outra história pajé João, uma serpente de ouro se formou nas águas da Lagoa. Os mesmos indígenas estavam às margens do local sagrado, com o imenso livro nas mãos. Fizeram o mesmo pacto: um vigia, outro lê e ambos não “se admiraram”. Um deles abriu a pesada capa dura e passou a lê-lo. Um navio emergiu debaixo das linha d’água da Lagoa, com uma orquestra tocando acima. Era dourado, todo banhado em ouro. A música compunham uma linda melodia. Caminhando por eles os indígenas viam as pessoas, todas banhadas a ouro, conversando educadamente enquanto bebiam e admiravam a orquestra. Até que surge uma grande serpente de ouro. Quando a boca se abriu em um ângulo de 180°, mostrando as enormes presas de um ouro maciço e brilhante, para engolir o navio, um dos indígenas “se admirou” e correu até se ver com a água da Encantada pela cintura. Tudo tinha voltado ao normal.(RS)
O deputado estadual Renato Roseno (PSOL) se tornou um destacado aliado da causa indígena, na Assembleia Legislativa do Ceará, contra a insegurança hídrica e a pressão territorial sofrida pelos povos indígenas.
Crítico do modelo de desenvolvimento adotado pelo governo de Camilo Santana (PT), denuncia os efeitos nocivos das políticas depredatórias da atual gestão em prol de uma lista de privatizações e concessões.
“Há uma intensificação dos conflitos. A segurança hídrica que essas empresas requerem é garantida pelo governo às custas da insegurança territorial e hídrica das populações tradicionais”, afirma Roseno.
Por que no Ceará há tantos conflitos envolvendo a questão hídrica?
O modelo de desenvolvimento no Ceará tem privilegiado, com investimentos públicos e de infraestrutura, renúncia fiscal e benefícios tarifários, a atração de grandes empresas. O Complexo Industrial e Portuário do Pecém se inscreve nessa agenda. Só que é uma agenda velha, destrói o meio ambiente, é hidrointensiva (num estado em que 97% dele está no semiárido, ou seja, suscetível a estiagens), além de elevar, e muito, a exclusão espacial e socioeconômica de povos tradicionais.
O que está acontecendo com os Anacé é a repetição desse modelo de desenvolvimento, agora mais impactado pelo Complexo Industrial e Portuário, que é a joia da coroa da lista de privatizações e concessões do governo Camilo Santana (PT). Há uma intensificação dos conflitos. A segurança hídrica que essas empresas requerem é garantida pelo governo às custas da insegurança territorial e hídrica das populações tradicionais. Incluindo os Anacé.
Na última década, grandes empreendimentos no Brasil foram executados sem todas as licenças ou com muitos problemas…
Os empreendimentos do Complexo Industrial e Portuário foram licenciados individualmente, mas não há o licenciamento (cumulativo) sinérgico. Existe uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que determina que quando um empreendimento é formando por vários empreendimentos, deve haver um licenciamento sinérgico. Isso não ocorreu. Existe um percurso histórico que chega a tal situação. Desde os anos 90 acompanhamos a elevação dos conflitos nos territórios, com agricultura familiar, a elevação da migração, disputa pela água, destruição do meio ambiente, poluentes lançados na atmosfera e nos afluentes hídricos e agora mais recentemente a pressão sobre o povo indígena Anacé para que não ele não conquiste a sua terra e entre nessa instabilidade hídrica.
Como o senhor tem acompanhado a luta dos Anacé?
Os Anacé têm uma larga capacidade de solidariedade. Um conjunto de forças se mobiliza ao redor das demandas do povo, incluindo o meu gabinete. Ações populares, construída pelo povo e advogados populares, ações civis públicas dos ministérios públicos Estadual e Federal, ações civis públicas das defensorias Estadual e da União. São ações que abordam as questões da água, em função das obras no Lagamar do Cauípe e na Lagoa do Barro, além da questão da demarcação. MPF e MPE, Defensorias e advogados populares. Há este conjunto de medidas judiciais tramitando nas justiças Estadual e Federal.
Lamentavelmente o Tribunal de Justiça suspendeu duas liminares que barravam a obra de extração de água do Lagamar do Cauípe e os poços. Foram duas liminares da Justiça Estadual, em Caucaia e São Gonçalo do Amarante; houve um Pedido de Suspensão de Liminar (PSL) do governo Camilo Santana e esse pedido foi atendido no TJ nos primeiros dias de janeiro.
O caso apresenta também irregularidades?
As liminares foram suspensas, mas o mérito das obras estão em litígio. Nós argumentos que são obras completamente ilegais: não houve consulta, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não houve estudo prévio de impacto ambiental, a autorização ambiental dada pela APA (Área de Proteção Ambiental) do Lagamar do Cauípe foi uma autorização para abastecimento humano, não para as indústrias. Na outorga da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh), está claro que será para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém. Um sucessão de ilegalidades. (RS)
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Terra Indígena Lagoa da Encantada, do povo Jenipapo Kanindé: Uma guerra de baixa intensidade em defesa da água - Instituto Humanitas Unisinos - IHU