28 Março 2018
Com o registro da memória da Beata Virgem Maria, Mãe da Igreja, no calendário geral, a congregação do culto está implementando um movimento de aprofundamento do papel de Maria na economia da salvação, que encontra no Vaticano II o seu ponto de partida.
O artigo é de Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua, publicado no blog Come se non, 27-03-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Realmente é o Concílio Vaticano II, no cap. VII, logo no início, que indica que Maria é "certamente a mãe dos seus membros (de Cristo) ... pois cooperou com a caridade para que nascessem os fieis da Igreja, os membros daquela divina Cabeça"(Santo Agostinho) ... e a Igreja católica, instruída pelo Espírito Santo, com afeto de piedade filial a venera como uma mãe amantíssima"(LG 53).
Em um percurso que tinha começado introduzido uma "Missa votiva" dedicada a Maria, Mãe da Igreja, por Paulo VI, e que depois viu João Paulo II permitir a inserção do título de "Mãe da Igreja" nas Litanias lauretanas e conceder a inserção dessa festividade nos calendários particulares, chega-se agora a essa inclusão no calendário geral.
A data escolhida está relacionada com o ciclo da Páscoa e identifica na "primeira segunda-feira depois de Pentecostes" o dia da memória litúrgica. No entanto, vale a pena saber que, além do fundamento cronológico e teológico que justifica a data em relação à dinâmica "eclesiogenética" do dom do Espírito Santo na Páscoa-Pentecostes, tal decisão reflete uma lex orandi já presente em diferentes conferências episcopais nacionais, que já tinha introduzido no calendário litúrgico justamente nesta data a festa, como por exemplo, nas igrejas da Polônia e da Argentina. Portanto, não surpreende que o Papa Francisco, cujo calendário litúrgico tinha conhecido esse ritmo na experiência eclesial argentina, tenha desejado estender ao calendário geral essa prática de culto.
Como bem afirmou Corrado Maggioni, subsecretário da Congregação para o Culto Divino, em entrevista ao Avvenire, a nova festividade é um testemunho "da renovada compreensão que a própria Igreja teve de Maria na economia da salvação, à luz do Capítulo VIII da Lumen gentium do Concílio Vaticano II. É um amadurecimento, também no âmbito litúrgico, do vínculo que une todos os batizados e toda a Igreja à Mãe do Senhor".
Um aspecto que deveria ser devidamente considerado é o fato de que, no plano da liturgia, parece evidente que a fidelidade à tradição também comporta a necessidade de inovar, de ampliar e de aprofundar o mistério. Que Maria agora seja reconhecida, orada e venerada, no plano universal, como "Mãe da Igreja" indica, com base em uma instância não ausente na Igreja antiga e medieval, uma exigência que toma consistência e forma especialmente no último século. Com essa "nova festa" inscrita no calendário geral assistimos a um passo importante da consciência eclesial. Que não nega a si mesma, nem mesmo no plano litúrgico, a possibilidade de se reformar, de aprofundar o mistério e de crescer na relação da fé.
O título de "Mãe da Igreja" orienta para a redescoberta daquelas formas de relação eclesial que exigem não só coragem e aplicação, mas também oração e disponibilidade. Com a mesma liberdade com a qual podemos aprofundar a experiência litúrgica, precisamos elaborar as relações ecumênicas, a assistência social, a visão dos laços familiares e a vocação para o serviço na Igreja. Aqui, também, o aprofundamento e a novidade é serviço à tradição.
Como acontece nesses casos, foi publicado um Decreto da Congregação do culto, em 11 de fevereiro, acompanhado por um Comentário. No Comentário procede-se quase paralelamente ao texto do Decreto, com considerações baseadas na tradição bíblica, litúrgica e magisterial. Contudo, bem no final - in cauda venenum – aparece como conclusão um parágrafo que não pode não ser destacado pela estranheza e distanciamento do procedimento ritual. Diz textualmente:
"A esperança é que esta celebração, estendida a toda a Igreja, lembre a todos os discípulos de Cristo que, se queremos crescer e nos preencher com o amor de Deus, devemos radicar a nossa vida em três realidades: a cruz, a hóstia e a Virgem - Crux et Hostia et Virgo. Estes são os três mistérios que Deus doou ao mundo para estruturar, fecundar e santificar a nossa vida interior e para nos conduzir a Jesus Cristo. São três mistérios para contemplar em silêncio "(R.Sarah, A força do silêncio, n. 57).
Esse texto - que pretenderia indicar o desejo último da iniciativa - já aparece em uma primeira leitura totalmente desvinculado do que precede e, em especial, assinalam-se os seguintes aspectos:
a) introduz, justamente como conclusão, uma "tríade" jamais mencionada em nenhum outro lugar, nem no Decreto nem no resto do Comentário, ou seja, a tríade "cruz, hóstia, virgem", que seriam os dons de Deus que estruturam, fecundam e santificam a vida interior;
b) esquece assim a relevância de toda "lex orandi", toda lógica da celebração, e parece confiar apenas em uma "silenciosa contemplação" dos mistérios, saindo completamente da perspectiva tanto do Decreto como do Comentário;
c) finalmente, usa como "fonte" – mencionando-a explicitamente e de forma não ritual - um livro-entrevista do qual é co-escritor o próprio prefeito da Congregação, cujas teorias parecem, para dizer o mínimo, liturgicamente questionáveis. Se o Concílio de Trento evitava mencionar abertamente Tomás ou Boaventura, pode a Congregação permitir-se citar literalmente R. Sarah?
A pretensão do prefeito, quase a querer impor uma hermenêutica redutiva ao próprio Decreto do qual é signatário, é altamente reminiscente do incidente em que o mesmo prefeito pretendeu oferecer uma "interpretação autêntica" do Motu Proprio Magnum principium, sobre o tema das traduções litúrgicas, e que o Papa Francisco, com uma carta de réplica, foi forçado a declarar absolutamente "não autêntica" e relembrar o seu verdadeiro significado. Então eu pergunto: como é possível chegar a citar um próprio ”livro-entrevista” para desviar o sentido de um documento oficial da própria Congregação? Pode um Prefeito-Penélope desfazer à noite a tela que seu departamento laboriosamente teceu durante o dia? E se faz isso, à espera de qual Ulisses e por medo de quais “pretendentes”?
A instituição de uma nova festa de “Maria, Mãe da Igreja! No calendário universal teria merecido um comentário final menos antiliturgico e fundado em autoridades mais sólidas e compartilhadas.
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Maria "Mãe da Igreja". As razões de uma nova festa e um comentário que induz ao engano. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU