28 Março 2018
A crítica severa de Bento XVI ao teólogo Peter Hünermann, em uma recente carta ao Mons. Dario Viganò, abriu novas questões e polêmicas no catolicismo alemão a respeito do papel e das atividades do papa aposentado.
A reportagem é de Christa Pongratz Lippitt, publicada por La Croix International, 26-03-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A carta, na qual Bento XVI se recusa a apoiar uma série de livros sobre a teologia do Papa Francisco, reacendeu tensões existentes entre teólogos e o Vaticano de quando Joseph Ratzinger era líder da Congregação para a Doutrina da Fé (1980-2005) e depois Bispo de Roma (2005-13). Além disso, gerou novas especulações sobre o real papel que Bento XVI, que fará 91 anos daqui a algumas semanas, tem no Vaticano em sua aposentadoria.
Em um artigo com o título sensacionalista "The Return of the Panzer Cardinal” (O retorno do cardeal Panzer, em tradução livre), Joachim Frank, presidente da Associação de Publicitários Católicos da Alemanha (GKP), disse que era angustiante que o antigo papa ainda tenha ressentimentos com um teólogo da dimensão de Hünermann.
"Não podemos deixar de pensar sobre quantos conflitos internos da Igreja poderiam ter sido evitados ao longo dos últimos 30 anos se este 'grande teólogo' em suas vestes papais e de cardeal se abstivesse de divergências mesquinhas e de uma mentalidade pequena", escreveu Frank em um artigo publicado em 23 de março que foi destaque no katholisch.de, o site da conferência episcopal alemã.
Frank, que também é o principal correspondente de três jornais alemães muito conhecidos (o Kölner Stadt-Anzeiger, o Berliner Zeitung e o Mitteldeutsche Zeitung), disse que o golpe de Bento XVI em Hünermann, que tem 89 anos, fez com que a forma de fazer teologia do antigo papa fosse questionada.
Ele disse que lamentava que Bento XVI não reconhecesse as contribuições de Hünermann como coeditor do compêndio religioso de cinco volumes de Denzinger-Hünermann (Enchiridion Symbolorum) e coeditor da grande série de cinco volumes Comentário Teológico sobre o Segundo Concílio Vaticano, mas tenha apenas visto o teólogo alemão como um "frondeur antipapal" (instigador) e, acima de tudo, um dos precursores da Declaração de Colônia de 1989.
Em sua carta ao Mons. Viganò, Bento XVI acusou Hünermann de "liderar iniciativas antipapais" e ter um papel importante na publicação de uma declaração que, segundo o antigo papa, "violentamente atacava a autoridade magisterial do Papa, principalmente em questões de teologia moral".
Assinado por 163 teólogos do norte da Europa – como Eduard Schillebeeckx, Johann Baptist Metz e Hans Küng – a Declaração de Colônia foi um protesto contra nomeações episcopais controversas do Papa João Paulo II e a recusa do Vaticano de conceder o mandato de ensino oficial (mandatum) a teólogos de quem discordava. Os signatários do documento reclamavam que o princípio da colegialidade, que os bispos do mundo todo tinham apoiado no Concílio Vaticano II (1962-65), estava "sendo sufocado por um novo centralismo romano".
A declaração veio depois que o Vaticano nomeou uma série de bispos ultraconservadores na Áustria, na Alemanha e na Suíça sem consultar a igreja local, como era habitual. Um dos mais notórios foi o cardeal de Viena Hans Hermann Gröer, o primeiro cardeal abertamente acusado de abuso sexual que acabou se demitindo em 1995. Outro foi o bispo Kurt Krenn, antigo auxiliar de Gröer. Como bispo de Sankt Pölten, Krenn teve de sair em 2004 por permitir conduta promíscua em seu seminário.
Em sua recente carta, Bento XVI também acusa Hünermann de ter originalmente fundado a "Sociedade Europeia para a Teologia Católica (ET)", que seria "uma organização em oposição ao magistério papal".
Dois grandes teólogos e ex-presidentes da ET desafiaram esta afirmação em 21 de março. Sigrid Müller, reitor da faculdade teológica católica da Universidade de Viena, e Martin Lintner, teólogo moral da Universidade de Bolzano (Itália), expressaram "profunda consternação e pesar" que o antigo papa tenha ido atrás de Hünermann.
Eles disseram que qualquer um que esteja familiarizado com o extenso trabalho teológico de Hünermann "sabe que as alegações de que ele é anti-igreja e anti-papa não se aplicam". Além disso, insistiram que o teólogo alemão "não [havia] em momento algum mostrado oposição ao magistério".
Salientaram ainda que a Sociedade Europeia para a Teologia Católica tinha sido "desde o início uma plataforma pan-europeia para o diálogo entre teólogos de todas as disciplinas teológicas, no contexto dos acontecimentos políticos da época, particularmente com teólogos da Europa Central e do Leste Europeu”.
Segundo os professores Müller e Lintner, as palavras de Bento XVI atestavam tensões antigas "que deixaram feridas profundas em nível pessoal".
"Esperamos que essas tensões, que foram baseadas em diferentes linhas de argumentação teológica, possam ceder lugar à apreciação recíproca", disseram.
Além de uma justificada pluralidade de abordagens teológicas, os autores disseram que os teólogos estão "sempre cientes do seu compromisso comum com a fé, a teologia e a Igreja".
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Crítica de Bento XVI a teólogo ressuscita a imagem de 'cardeal panzer' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU