06 Dezembro 2017
Primeiro o Brexit. Depois, em setembro, o avanço da direita nas eleições da Alemanha e, poucas semanas depois, um resultado semelhante nas austríacas. E a Itália que se aproxima a um voto entre os mais delicados de todos os tempos, cujo resultado provável é de um Parlamento sem maioria, enquanto xenofobia e fascismos estão em toda parte como notícias diárias, começando pelo próprio país. O que está acontecendo na Europa? Na quarta-feira, 6 de dezembro, será realizada uma discussão sobre esse tema em Trento, na Fundação Bruno Kessler, na conferência "Europa 2017: uma revolução eleitoral?" organizada pelo Instituto histórico ítalo-germânico e pelo Departamento de sociologia e pesquisa social da Universidade.
A entrevista é de Paolo Morando, publicada por Trentino, 05-12-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Irão participar alguns dos principais estudiosos, não só italianos, entre os quais Giovanni Orsini, historiador e cientista político da Universidade Luiss de Roma, que será o primeiro a falar: a sua palestra é intitulada "A crise da política na Europa: uma interpretação histórica."
Professor Orsini, a Europa está cada dia mais diferente de como a conhecemos há anos. É uma crise irreversível?
Se continuarmos a olhar para os eventos pensando que esse processo tenha sido iniciado ontem, estamos equivocados. Estamos vivendo um processo histórico que, em minha opinião, tem raízes no final dos anos 1960. A minha tese, que percebo ser perigosa, é que se trata de uma crise de degradação interna à democracia: portanto, não é devida a variáveis exógenas, tais como a globalização ou as novas mídias, que a partir do exterior impactam a política. Não há como negar que elas desempenhem algum papel, mas acredito que as principais causas sejam outras. Justamente internas à própria democracia.
A democracia traria incubadas dentro de si mesma as sementes da própria autodestruição?
O conceito moderno de democracia é o definido com clareza magistral por Tocqueville em “Da democracia na América". E já ali, na primeira metade de 1800, ele relatava todas as degenerações que agora estamos vendo. O segundo volume parece ter sido escrito hoje. Nada a ver com globalização e Internet: o ponto é que a democracia desde sempre traz consigo uma promessa de autodeterminação individual, que é um objeto extremamente complicado de ser manuseado pela política. Porque se trata de prestar contas perante a opinião pública que pede que essa promessa seja cumprida.
O que o senhor entende por promessa de autodeterminação?
A promessa aos cidadãos de serem totalmente donos de suas vidas. O problema é que, enfrentando esse desafio, a política termina inexoravelmente por reduzir seu próprio poder.
De que forma?
Já foi explicado em "The crisis of democracy", o relatório da Trilateral de meados dos anos 1970, com o conceito de "overload", sobrecarga. Para responder a essa demanda da autodeterminação, a classe política tenta um pouco de tudo: na esquerda desenvolve-se o tema dos direitos individuais, na direita focaliza-se o mercado. E ambas são boas respostas no curto prazo, mas no longo tornam-se um círculo vicioso. Porque a concessão de direitos individuais gera uma corrida ao aumento, assim como à abertura de cada vez mais espaço ao mercado. E nesse ponto, por um lado, o poder passa cada vez mais para a magistratura, e, pelo outro, os próprios atores do mercado acabam sendo cada vez menos regulamentados. Uma sobrecarga para sair da qual, por exemplo, acabamos nos jogando na integração europeia. Sem pensar que a lógica do vínculo externo resolve ainda menos os problemas dos cidadãos.
Na autopercepção, aliás, os aumenta. Mas como sair disso?
Não há como sair enquanto a política não entender que não pode responder a essa pergunta impossível de ser atendida. A condição humana é de limite, não podemos ignorar isso: nem mesmo o progresso tecnológico poderá eliminar a morte. A política deveria, portanto, dizer às pessoas para se acalmar, admitir não ter condições de manter essa promessa. Mas, ao contrário, procura centros não políticos para controlá-la, enfiando-se em uma armadilha mortal e se tornando o bode expiatório.
Em outras palavras, o nascimento e crescimento da antipolítica e de suas encarnações partidárias nada mais são que a consequência da incapacidade da política de não saber dizer basta às demandas dos eleitores?
Exatamente. Já estamos assistindo há algum tempo a esse mecanismo: se eu quiser alguma coisa vou pedi-lo ao sistema político, que não vai poder me atender, mas como já sei que é assim, no fim o meu comportamento político só serve para gerar frustração. E então, em quem jogo a culpa? Posso jogá-la, por exemplo, em um presidente do Conselho hiperativo, que fica se comunicando de manhã à noite. E que se torna assim o meu alvo, fácil de acertar.
Não está se referindo a Gentiloni.
Não, é claro. E quando esse Presidente do Conselho faz uma reforma constitucional e a submete a mim através de um referendo, eu penso: agora você me paga. Porque o sujeito está bem visível no centro do espaço público e é o alvo perfeito para a minha frustração.
Nem todos aqueles que votaram não estarão de acordo. Mas esse mecanismo de autodeterminação/frustração tem ou não tem a ver com a crescente rejeição de qualquer autoridade constituída?
Claro. Mas que fique claro: eu acredito na democracia, o meu objetivo como estudioso é tentar salvá-la. O problema é que essa rejeição pela autoridade e pelo conhecimento é uma crise gnosiológica antes mesmo que política. E novamente aqui Tocqueville escrevia em 1840: na democracia, o cidadão não reconhece mais as autoridades técnicas, quer encontrar a sua própria verdade. Mas também Ortega Y Gasset, em 1930, fazia o mesmo discurso, e mais Huizinga em "A crise da civilização". Escrever na Constituição que você tem direito ao pensamento, à expressão, à organização, à associação, transforma uma norma jurídica em condição psicológica. Porque eu não o vejo mais como um direito jurídico a ser usado ou não de acordo com o senso de limite, mas como uma condição que vai muito além: o meu pensamento tem valor e, portanto, não reconheço a ninguém o poder de me dizer como devo pensar.
E aqui convém citar a agora famosa frase de Umberto Eco: "As mídias sociais dão o direito à palavra a legiões de imbecis que antes falavam apenas em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade. Normalmente eram imediatamente calados, enquanto agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel".
A internet amplificou uma condição psicológica já preexistente. Inclusive porque os conhecimentos humanos são agora tão complexos que se estraçalhou a ideia de verdade.
Nem mesmo os técnicos sabem mais como dar respostas incontestáveis. O ponto permanece sendo, no entanto, a incapacidade da política de responder a essa nova explosão do desejo individual.
Também porque, nos anos 1980 e 90, houve uma convergência entre esquerda e direita que formou uma opinião política geral centrista: o ok de Blair e Clinton ao mercado, o ok da CDU alemã sobre os direitos nas uniões civis, e assim por diante, são temas que ninguém mais coloca em discussão. E isso é ótimo. Mas essa lógica do politicamente correto, pela qual quem se opõe ao mercado ou aos direitos é imediatamente posto à margem ou julgado moralmente inaceitável, funciona enquanto ao homem comum continuem chegando os dividendos. E, de fato, sobre a imigração os partidos não fazem mais referência a deveres éticos: em vez disso fala-se que irão nos pagar as aposentadorias.
Você vê o absurdo? O bem-estar material como pressuposto para tudo. E na ausência de realismo econômicos e ‘bom-mocismos’ éticos, quem é desfavorecido encontra resposta na irrealidade e no ‘mau-mocismo’. Em empresários políticos que falam de muros e tratores.
E saídas do euro. Professor, mais uma vez: como nos salvamos?
Dizendo aos cidadãos para serem pacientes. Para parar com os pedidos. Para não pensar que a felicidade só possa ser dada pelo público, deve, ao contrário, ser procurada no privado. Impressionou-me muito, meses atrás, uma carta de um jovem suicida que dizia, na essência, tiro a minha vida porque eu queria o máximo e não me foi dado. Agora, com toda a compaixão no mundo, não se pode pretender que a coletividade garanta a todos o máximo. Como poderia fazer isso? É como se no teatro só houvesse lugares na primeira fila.
Mesmo o movimento de 1977 foi acima de tudo "desejante", tanto que, em parte, pegou nas armas. Como explica o fato de que hoje, com todo esse clima, nas ruas não esteja ocorrendo uma revolução?
O grande crime, por assim dizer, aconteceu em 1968, que consumiu a resposta política geral para essa demanda da autodeterminação. A grande intuição de Marcuse de utilizar os instintos pessoais como arma de ruptura do sistema ao serviço de projetos políticos, desde então foi se exaurindo a vazante, quando se percebeu que a autodeterminação individual é incompatível com a ação coletiva. Aquele de 1977 foi o último fulgor, justamente com tons niilistas: soma de negatividades e frustrações.
Como você imagina a próxima campanha eleitoral italiana? Mais promessas que não poderão ser cumpridas?
Obviamente, já podemos ver isso: vamos dar-lhes tudo, pensões mais altas a pessoas mais jovens, bolsa-bebê, menos impostos, mais empregos... deveríamos mandá-los todos para o inferno. Eles deveriam dizer a verdade: que temos uma dívida pública superior a 130% do PIB, que a Itália cresce muito pouco, que o nosso país está envelhecendo.
Ou que nem sequer nos classificamos para a Copa do Mundo.
Isso também. Assim como não conseguimos a Agência Europeia de Medicamentos. Vamos arregaçar as mangas, deveriam dizer: vamos compartilhar os sacrifícios.
Seria preciso um De Gasperi (político democrata cristão falecido em 1954, considerado um dos “pais da Europa”, ndt). Aquele sim era um gigante. Eu me contentaria mesmo com um dedo de De Gasperi. Mas naquela época os italianos também eram diferentes.
Deviam reconstruir um país destruído pela guerra. E fizeram isso, sem reclamar.
Realmente. Por isso, se hoje houvesse um De Gasperi, conseguiria apenas o 1,2 por cento.
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Por que a democracia está se autodestruindo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU