04 Novembro 2017
"Uma alma pequena pode tornar-se grande e vice-versa. A diferença está em conceder ou não lugar a Deus e aos outros, especialmente os pobres, pequenos, excluídos, últimos – diria o Papa Francisco" escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais.
“Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”, escreve o poeta português Fernando Pessoa. Que significa uma “alma pequena”? Uma alma onde não habita Deus, que desconhece a dimensão do Transcendente ou qualquer princípio como o Ser Supremo. Onde o Espírito Santo encontra a porta cerrada e nada pode fazer. Vale dizer, uma alma fechada, isolada, auto-suficiente, centrada em si mesma, debruçada narcisisticamente sobre o espelho, a contemplar o próprio rosto ou umbigo. Uma alma cercada de coisas que engrandecem o ego – egocêntrica! Acumula bens que se podem ver, tocar, calcular, medir, comprar, vender, possuir. Coisas materiais, mas que podem ser também pessoas coisificadas.
Um alma onde não habita Deus, tampouco pode ser habitada por outras pessoas. Onde não entra o Pai, não entram os irmãos. E se estes aí logram penetrar, é para serem usados como meros instrumentos. Explorados como mão-de-obra ou desfrutados no seu saber técnico ou intelectual. Ferramentas utilizáveis e logo descartáveis. É relação de senhor-escravo, patrão-trabalhador, tirano-súdito, rei-vassalo. Relação que atravessa a história desde a antiguidade até a modernidade, passando pela era medieval. Na era pós-moderna, ela se torna mais sutil e disfarçada, mas não menos assimétrica e injusta. Tanto que a desigualdade sócio-econômica tem aumentado gradualmente nas últimas décadas do século XX e início deste. Em plena revolução informática e sob o domínio da Internet, tal relação adquire novas denominações, enganosas e sofisticadas, tais como flexibilização das leis trabalhistas, privatização dos serviços públicos, terceirização, uberização. Mas o objetivo não muda: como obter mais ganhos explorando até o osso, simultaneamente, os recursos da natureza, o trabalho humano e o patrimônio cultural dos povos?
O oposto de “alma pequena”, porém, não é alma grande. É a alma que se abre: elástica, flexível, sempre pronta a “alargar o espaço da sua tenda”, conforme a expressão do profeta Isaías (Is 54, 2). Alma sem medida, isto é, capaz de amar desmedidamente. Entra em cena a dimensão oceânica, infinita e absoluta do amor e da misericórdia. Trata-se, evidentemente, de um atributo divino, mas encontra ressonâncias recorrentes nas relações humanas, precisamente quando “a alma não é pequena”. Quando a alma é capaz de romper com as fronteiras do próprio “eu”, da própria família, dos próprios amigos e conhecidos, da própria terra ou pátria – para lançar-se a uma missão solidária mais vasta e plural. Predispõe-se a submeter-se a todas as implicações e consequências de uma entrega total. Submeter-se não por obrigação, lei ou regra, mas porque habitando em Deus e sendo por Ele habitada, a alma vê aí sua realização plena, sua dedicação sem limites. Dilatada, livre, leve e radiante, sente-se voar nas asas invisíveis do segredo da existência humana. Esgota a tal ponto as potencialidades humanas da caritas, que toca o mistério divino.
Disso resulta que “alma pequena” e “alma grande” – se queremos usar essa contraposição – são irmãs gêmeas, antes, pertencem à mesma pessoa. Tudo depende da elasticidade e grandeza do amor e da doação. Uma alma pequena pode tornar-se grande e vice-versa. A diferença está em conceder ou não lugar a Deus e aos outros, especialmente os pobres, pequenos, excluídos, últimos – diria o Papa Francisco.
Verifica-se, assim, uma equação que aparentemente contradiz a própria matemática. Quanto mais a alma abre espaço para a entrada de Deus e dos irmãos, mais espaço terá para oferecer ao que aos recém-chegados que a procuram. Quanto mais dedica tempo a proferir uma palavra de paz e de conforto, mais as palavras lhe brotarão dos entranhas mais secretas de si mesma. Quanto mais se abre e se dispõe à escuta e ao diálogo, mais estará disposta a ouvir novas histórias, vendo nestas novas descobertas. Dar ou dar-se – doar-se ou entregar-se – a torna sempre mais rica. Não se trata de oferecer algo ou dar coisas, mas de oferecer a si mesma como pessoa. Colocar o próprio tempo e os dons recebidos a serviço dos que têm a vida mais ameaçada. “De graça recebestes, de graça deveis dar” (Mt 10, 8b). Os exemplos são notáveis: São Francisco de Assis, Santa Teresa de Calcutá, Beato Charles de Foucauld, São Vicente de Paola, a lista não tem fim! Isso sem falar dos santos e santas sem lugar no calendário litúrgico, mas que, silenciosa e anonimamente, deram sua vida para que o mundo tenha mais vida.
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"Tudo vale a pena se a alma não é pequena" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU