''O Papa Francisco se expõe à crítica. E isso é um sinal de força.'' Entrevista com Hubert Wolf

Obra de Karl Benzinger retrata o Concílio Vaticano I, que decidiu sobre a instituição do dogma da infalibilidade papal

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21 Outubro 2017

Críticos conservadores acusaram o Papa Francisco de heresia por causa da sua exortação Amoris laetitia. Para o historiador da Igreja Hubert Wolf, professor da Universidade de Münster, trata-se de um novo nível de debate.

A reportagem é de Silvia Ochlast, publicada por Domradio.de, 19-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

É possível acusar o papa de heresia, isto é, de assumir posições contrárias à doutrina?

Certamente, é algo muito incomum. Naturalmente, na tradição da Igreja, existe a disposição relativa ao papa herético, do qual é preciso se distanciar. Mas é preciso pensar que, desde 1870, com o dogma da infalibilidade e com a invenção do magistério ordinário, de acordo com o qual não só os dogmas do papa, mas também todas as suas declarações são particularmente vinculantes, não se pode mais continuar simplesmente acusando o papa de heresia.

Portanto, se o papa, de acordo com a antiga tradição da Igreja e de acordo com o dogma da infalibilidade, não pode ser julgado por ninguém, acho bastante problemático o fato de os conservadores, agora, não estarem mais dispostos à obediência por eles reivindicada anteriormente. Nos últimos dois pontificados, eles sempre haviam criticado todos os teólogos católicos quando estes perguntavam se um determinado ensinamento, por exemplo, de João Paulo II, poderia ser interpretado de maneira diferente.

Então, não se deveria responder a esses conservadores?

Acho que uma repreensão é urgentemente necessária. O papa fez uma consulta através do Sínodo dos bispos. Ele não se comportou de maneira indiferente, sem levar em consideração os dogmas ou qualquer outra coisa, mas tentou expressar uma interpretação autêntica de afirmações do magistério da Igreja. Essa é precisamente a sua função desde 1870. O fato de Francisco renunciar a essa repreensão é a tentativa de instaurar, na Igreja, um novo modo de exercer o mais alto magistério e ministério pastoral.

Se os críticos tivessem tomado essa liberdade com João Paulo II ou Bento XVI, teriam sido imediatamente privados da cátedra ou até excomungados. É muito interessante que, agora, os frontes se inverteram. Antes, eram sempre pessoas de esquerda que criticavam o papa, porque ele era conservador demais. Agora, de repente, as pessoas de direita criticam o papa, porque ele também escuta as demandas pastorais das pessoas. É algo apaixonante.

Então, enquanto houver papas, também haverá críticas de várias inclinações?

Sim, elas vêm de inclinações diferentes. Só nos últimos 150 anos, estávamos acostumados com o fato de a crítica vir da esquerda, e aqueles que criticavam a partir da direita, no fim, saíram da Igreja. Por exemplo, Lefebvre criticou algumas decisões do Concílio Vaticano II, como por exemplo, a liberdade religiosa, e depois se separou da Igreja.

Na sua opinião, esses duelos põem em perigo a autoridade do papa?

Acho que a autoridade do papa está sendo discutida. As expectativas são muito altas em relação a ela. Agora, com a exortação Amoris laetitia, ele iniciou reformas muito prudentes. Alguns esperariam muito mais. E a autoridade do papa não se fortalece quando ele é criticado. Por isso, acho interessante que a outra parte se faça ouvir e tente apoiar o papa. Porque, o que teriam feito outros papas antes de Francisco? Simplesmente teriam expulsado os críticos. O papa, ao contrário, não faz isso. E isso, na minha opinião, é um sinal de força. Ele não recorre a medidas disciplinares severas, mas se expõe à crítica.

Houve críticas assim a papas anteriores também?

Naturalmente, houve críticas a João Paulo II e às suas declarações. Mas nunca no sentido de atribuir heresias ao papa. Disse-se, por exemplo, que o ensinamento de João Paulo II sobre a impossibilidade da ordenação ao presbiterado para as mulheres era difícil de aceitar. Houve protestos de caráter teológico. Mas nunca alguém ousaria dizer: “Acusamos o papa de heresia”. O que está por trás de tudo isso está claro: de acordo com a antiga tradição do direito eclesiástico, um papa herético perde automaticamente o seu cargo. Este é o pano de fundo último ao qual visa essa argumentação dos conservadores. Se um papa é herético, ele não pode ser papa. É um nível novo do debate.

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