18 Setembro 2017
Quando degustamos a nossa barra de chocolate, milhares de hectares de florestas africanas já desapareceram, matando animais e ecossistemas inteiros. Árvores pertencentes a parques nacionais e zonas que deviam ser protegidas tornaram-se vítimas do desmatamento, para deixar espaço para a indústria do cacau.
A reportagem é de Giacomo Talignani, publicada no jornal La Repubblica, 14-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A denúncia, múltipla, que aponta o dedo para a cumplicidade do governo da Costa do Marfim e para a desatenção das principais empresas produtoras de cacau internacionais, vem de um detalhado relatório da organização não governamental Mighty Earth (disponível aqui, em inglês).
Para a ONG, 80% das florestas da Costa do Marfim, principal exportadora de grãos de cacau, já que é de lá que chega 40% do chocolate mundial, desapareceram nos últimos 50 anos.
Não só: o chocolate que chega às nossas mesas é muitas vezes “ilegal”, pois uma parte dos grãos provêm de áreas que deviam ser protegidas, mas, graças a um sistema de corrupção e favoritismo, é misturado aos envios legais de grãos.
No relatório, são citadas dezenas de empresas, incluindo Mars, Nestlé, Lindt, Olam, Cargill, Barry Callebaut ou a italiana Ferrero, que, como especificou o jornal The Guardian, publicação que divulgou os dados em primeira mão, não negam o problema, explicando que têm consciência do fato e se dizem empenhadas em fazer de tudo para pôr fim ao desmatamento das reservas.
Florestas que, antigamente, eram exuberantes em todo o tipo de árvores e biodiversidade, como as de Goin Debé, Scio, Haut-Sassandra, Tai, os parques de Mont Peko e Marahoué, hoje estão pouco a pouco desaparecendo e são queimadas para deixar espaço para os grãos: assim, morrem dezenas de animais, os chimpanzés são forçados a viver em pequenos pedaços de terra, ou os elefantes diminuem drasticamente.
“As autoridades da Costa do Marfim às vezes são cúmplices ou ineficazes”, declarou a ONG. Rick Scobey, presidente da World Cocoa Foundation, não negou o fato, dizendo que “esse é um problema conhecido há anos. No início do ano, 35 empresas do setor decidiram unir as suas forças para lançar uma nova parceria com o governo marfinense e acabar com o desflorestamento em Gana e na Costa do Marfim”.
Enquanto isso, nos últimos meses, o preço do cacau no mercado caiu 30%, e o preço mínimo garantido aos produtores passou de 1.100 para 700 francos da Costa do Marfim (1,17 dólares), embora a demanda de chocolate permaneça em alta.
Na cadeia de produção, os comerciantes de cacau que vendem às grandes marcas se voltam cada vez mais a cultivadores ilegais, que cultivam as plantas em áreas protegidas, as mesmas onde a floresta tropical reduziu-se de 80% desde 1960 até hoje.
O produto ilegal, assim, é misturado durante o processo de fornecimento com os grãos de cacau lícitos, tornando difícil a rastreabilidade.
Com isso, porém, lembra o relatório, a Costa do Marfim (mas também Gana) está perdendo as suas florestas a uma taxa muito rápida: hoje, menos de 4% do país estão cobertos por florestas tropicais, enquanto, antigamente, o número chegava a pelo menos 25%. Para a Mighty Earth, se não se pôr fim a tudo isso até 2030, não restarão mais vestígios das florestas.
Dentro dos parques, os cultivadores ilegais, apesar das palavras e do empenho de executivos e empresas, continuam queimando árvores para favorecer o crescimento das plantas de cacau, já que elas precisam de muito sol para crescer. O governo diz que quer combater essa prática e se envolver na conservação dos parques, mas, de acordo com a ONG e publicações internacionais que monitoram o problema, concretamente, ele não faz muito.
Ao longo dos anos, alguns ativistas e associações que se aproximaram da cadeia de produção do cacau na África Ocidental foram ameaçados ou afastados, e, em 2004, o jornalista Guy-André Kieffer, que estava trabalhando em uma reportagem sobre chocolate e corrupção, desapareceu, provavelmente morto.
Nesse contexto, no qual, aliás, muitos dos trabalhadores das plantações não têm sequer o dinheiro para comprar uma barra de chocolate, uma data muito esperada pelas ONGs é o mês de novembro: lá, na cúpula do clima de Bonn, o assunto deve estar na pauta. No início do ano, o príncipe Charles convocou diretores delegados e dirigentes de 34 empresas do setor justamente para exortá-los a agir contra o desmatamento: então, a promessa foi a de um plano concreto a ser proposto durante o encontro na Alemanha.
A esperança, usando os termos de chocolate, é que, desta vez, realmente prevaleça a doce linha do compromisso, e não a amarga da indiferença.
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O lado obscuro do chocolate: a destruição das florestas da África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU