12 Setembro 2017
O superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, que foi um dos criadores do Bolsa Família, diz que há uma precarização em todos os sentidos. Ele afirma que quem está desempregado há muito tempo deve voltar em vaga precária.
O economista concedeu entrevista à Cássia Almeida e publicada pelo jornal O Globo, 10-09-2017.
"Há pessoas que têm capacidade empreendedora. Vão ter empregos precários. Voltou a ter pessoas dormindo na rua, pessoas que trabalham e não têm como voltar para casa. Uma coisa que há muitos anos não tinha. É uma precarização em todos os sentidos", constata o economista.
Eis a entrevista.
Que tipos de sequelas essa crise deixa?
Um jovem com 17 anos vai estar em 2030 com 30 anos, no auge da produtividade, mas com estoque de conhecimento significativamente inadequado para o mundo em que está entrando. O jovem percorre 12 anos de formação básica, e, ao fim desse tempo, temos os sobreviventes, porque são sobreviventes, não podemos esquecer isso. Não é uma sociedade com todo mundo concorrendo em igualdade de condições. A taxa de abandono é gigantesca.
O nível de reprovação continua sendo absurdo, o que não existe em quase lugar nenhum no mundo. O desafio é que o que eles aprendem não faz mais sentido. Como se eu tivesse uma geração de sobreviventes, lutadores, empenhados — é encantador o que o jovem da escola pública faz para conseguir concluir — , mas sobrevivem com repertório completamente defasado. Como se conseguisse vencer uma corrida de obstáculo e, no fim, não tivesse repertório para entrar no jogo seguinte. É assustador quando se pensa essa questão no desemprego de longo prazo.
O que ele precisa aprender?
A questão do mundo contemporâneo é aprender a aprender, não é estocar conhecimento. É aprender a trabalhar em equipe, a tomar decisão, a mediar conflitos. A questão interpessoal é fundamental. Isso tudo junto tem que ser entregue ao fim dessa formação básica. Estamos entregando muito menos do que a sociedade contemporânea precisa. A longo prazo, a situação é assustadora. Com o padrão de desigualdade que a gente tem, ratifica-se para a sociedade de 2030, 2040 que só parte da elite vai estar adequada. Vai gerar um desemprego estrutural, um desalento estrutural, empregos informais, precarizados. Nossa juventude não terá bons empregos, nem retorno salarial, só um segmento vai estar conectado.
Ficaremos mais desiguais numa sociedade já extremamente desigual?
Sou um otimista. Se tivermos consciência disso, se tornarmos visíveis as consequências dessa desigualdade, pode haver um acordo na sociedade para enfrentar de forma sóbria e explícita a desigualdade. Voltamos para educação que vai rebater no mundo do trabalho. Isso não se resolve com ensino de segunda ordem, uma coisa café com leite. É preciso um arranjo da sociedade que reconheça o absurdo da desigualdade. A consequência não é só para o jovem, é para o país inteiro. Não combater a desigualdade vai pôr o país para jogar na segunda divisão das nações, porque o país precisa de massa qualificada.
De onde vem seu otimismo?
Sou um utópico pragmático. Esse modelo não tem mais possibilidade de existência por mais duas décadas. A opção de não enfrentar essa desigualdade estrutural vai fazer o país só disputar a segunda liga das nações. Pouco importa meu otimismo, para ter um país de futuro, num período curto, num quarto de século, sem essa juventude, perdemos de forma irreversível a possibilidade de chegar à primeira liga.
O que vai acontecer com os desempregados de longa duração mais velhos?
Há pessoas que têm capacidade empreendedora. Vão ter empregos precários. Voltou a ter pessoas dormindo na rua, pessoas que trabalham e não têm como voltar para casa. Uma coisa que há muitos anos não tinha. É uma precarização em todos os sentidos.
O que pode ser feito?
A longo prazo, com o padrão de escolaridade que esses adultos têm, o custo de adaptação dessa mão de obra daqui a 15, 20 anos será altíssimo. Será sobreinvestimento para adaptar uma mão de obra com baixa formação para alguns níveis mais baixos na cadeia produtiva. Parte da discussão de se exigir ensino médio para ser balconista era para se adaptar ao nível de tecnologia. A mão de obra mais velha não conseguia nem interagir com o computador. Precarizou no sentido de pagar salários baixos para jovens com ensino médio para dar conta dessa função.
Essa população vai conseguir se inserir novamente no mercado?
A nossa resiliência no informal é alta. A probabilidade de estar num trabalho precário é alta. Não são pessoas que vão ficar paradas sem fazer nada. Tem algo na nossa economia latino-americana que resiste.
O teto de gastos congelou os recursos para educação. Com esse atraso na educação, isso é viável?
Com a sociedade da tecnologia, o mundo está exigindo mais. A profissionalização da política social é fundamental. A eficiência da política social está a serviço da garantia de direitos. Quando tem restrição orçamentária, pior ainda. Piora muito o cenário. Precisa se dedicar muito para que a quantidade de recursos seja bem utilizada. A política social está no campo de um certo conformismo com a intencionalidade. A minha intenção é boa. Basta isso. Isso é um absurdo. É de uma enorme irresponsabilidade. A política precisa ter um desenho muito profissional, baseado em evidência, com muita avaliação.
A profissionalização da política social seria suficiente?
É óbvio que o custo com restrição orçamentária é maior. Precisamos de mais recursos para educação? Provavelmente precisamos, principalmente quando olhamos para os padrões internacionais, mas não adianta mais recursos sem profissionalizar. Temos que aproximar a intenção da técnica. Numa sociedade tão desigual como a nossa, não posso me dar ao luxo de ser ineficiente. A ineficiência da política social é igual à hiperinflação: pune os mais pobres.
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Se não atacar desigualdade, país cai para 2ª divisão, diz economista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU