27 Julho 2017
Em 12 de agosto de 1967, o embaixador italiano na Turquia, Mario Mondello, enviou um relatório ao ministro das Relações Exteriores, o democrata-cristão Amintore Fanfani, em que apresentava detalhadamente o encontro privado que teve com o patriarca Atenágoras. Tratava-se do primeiro contato direto entre o patriarca de Constantinopla “personagem, sem dúvida, pitoresco e extraordinário” e o representante do estado italiano que pretendia “ouvir diretamente de sua voz as reações à visita do Pontífice” e ter informações “sobre o desenvolvimento das relações entre as duas Igrejas".
A reportagem é de Eliana Versace, publicada por L'Osservatore Romano, 24-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Atenágoras causou impacto no interlocutor por sua aparência - "o homem é imenso, aos oitenta anos é um Tolstoi, fixado na idade do auto-retrato de Leonardo" - e por seu jeito familiar e surpreendentemente caloroso desde o primeiro instante.
Ao receber o diplomata italiano, de fato, o patriarca iniciou o encontro, em ótimo francês, segurando 'as mãos em suas mãos' enquanto apertando-as lembrava: “Fiquei assim, poucos dias atrás, com o Santo Padre, ele também sentado naquela poltrona, suas mãos nas minhas. Que milagre! Que evento extraordinário! Quanta bondade! Que generosidade! Uma pessoa tão grande, e ele se dignou a vir até aqui, se dignou a me visitar".
Com seu gesto, Paulo VI havia superado na prática todas as questões anteriores, de maneira que uma visita poderia configurar um reconhecimento implícito de superioridade. Para Atenágoras essa decisão representou um gesto profético. "Quem é ele?" exclamou, terminando por definir com toda convicção que Paulo VI, "é um profeta enviado pela Divina Providência, no momento certo. E o Profeta veio até aqui", para imprimir um novo vigor para aquele caminho ecumênico que tinha sido iniciado por João XXIII.
O patriarca também teve palavras de apreço a esse respeito para Pio XII, embora sua admiração entusiasmada permanecesse exclusivamente dirigida a Paulo VI, que continuava a chamar de "o Profeta". E acrescentou: "Sabem como eu o chamo normalmente? Paulo II", imitando com a mão o gesto que Churchill usava para sinalizar a vitória. "Sim, o chamo Paulo II, porque ele é o sucessor de São Paulo, destinado pela Divina Providência a difundir entre todas as Igrejas o verbo do apóstolo, atualizado para os tempos presentes".
Continuando a justificar a validade do nome que ele atribuía ao Papa, chamando-o de Paulo II, Atenágoras explicava que aquele número expresso com os dedos centrais da mão também indicava o sinal da vitória, portanto, o Pontífice era para ele "Paulo, o Vitorioso", e inclusive insistia sobre a pregnância profética daquele nome também para os protestantes, que tinham uma devoção especial por São Paulo, e "eles também precisam se aproximar de nós".
Respondendo à pergunta do diplomata italiano sobre a importância das diferenças teológicas entre as várias Igrejas, o patriarca reagiu vigorosamente e disse: "E como eu poderia atribuir importância a isso, se não há nenhuma?". Para explicar o sentido de suas palavras ao interlocutor surpreso, ele comparou-se justamente a um diplomata:
"Você sabe, os teólogos são como os juristas. Vocês diplomatas, dão ouvidos aos juristas quando precisam realizar algum gesto ou algum ato importante de política internacional? Certamente que não. Pois bem, eu sou um diplomata. Além disso, por um escrúpulo de consciência, pedi a alguns teólogos para estudar no que consistiriam essas diferenças. Bem, você sabe o que encontraram? Que não há nenhuma. Isso é tudo. Na verdade, perceberam que as nossas Igrejas haviam se separado sem motivos de contrariedade, sem qualquer razão, mas apenas por sucessivos atos cometidos por ambos os lados, imperceptivelmente. Em resumo, uma querelle d’èveques".
Era preciso, então, para o idoso patriarca, juntar novamente as Igrejas "mediante alguns atos" e não se preocupar com as diferenças teológicas "que não passam de pretextos". Atenágoras mostrava-se seguro também sobre o fato que os líderes e fiéis das outras Igrejas autocéfalas na galáxia da Ortodoxia o teriam compreendido e seguido no vigor de seu impulso ecumênico. "Como poderia ser de outra forma? O meu é um ato de amor. O meu é um ato de caridade", reiterava Atenágoras que, justamente por ocasião da visita de Paulo VI à Turquia, tendo avisado de antemão por telegramas os chefes das outras Igrejas ortodoxas, havia recebido deles mensagens de fraternidade e de proximidade na oração.
O patriarca, apontando para os poucos objetos que adornavam seu quarto explicava listando "uma imagem de Nossa Senhora que todos honramos e, logo abaixo? Uma fotografia de meu encontro com o Pontífice. Na minha mesa? Outra fotografia junto com o Pontífice". Ele continuava esclarecendo: "Veja bem, que Nossa Senhora eu escolhi? Uma Nossa Senhora católica feita na Itália. Não uma Nossa Senhora ortodoxa. Porque não há uma Nossa Senhora católica e uma ortodoxa. De Nossa Senhora, só há uma, igual para todos. Assim como Cristo é um só, o mesmo para todos. E todos nós fazemos o mesmo batismo, que nos torna todos cristãos". Só havia um caminho a ser percorrido então pelo patriarca de Constantinopla: "Chega de diferenças: vamos nos aproximar através de ‘atos’. Este é o caminho que está diante de nós. Não há nenhum outro".
Frente à perplexidade do embaixador que relembrava séculos de desunião, Atenágoras respondia confirmando novamente o único caminho possível: o do amor e da caridade "e amor e caridade impõem o caminho da união".
A esse propósito, o patriarca contou ao diplomata italiano que antes de ir a Roma, no mês de outubro seguinte, retribuindo a visita do Papa, ele iria visitar as Igrejas ortodoxas dos Bálcãs e da Rússia, para depois relatar no Vaticano o êxito de tais contatos preliminares, e decidir sobre os passos futuros.
Atenágoras, durante a entrevista, não deixou de considerar as relações com as Igrejas separadas do protestantismo com as quais "será necessária uma aproximação. Mas isso virá em um momento posterior", e aquelas com o Islã. "Em verdade, o diálogo já existe há treze séculos; é tão longo quanto o nosso contato, embora não tenha sido muito profícuo. Mas algo precisa ser feito a esse respeito. O amor nos confia esse encargo; o afeto que sentimos para os nossos irmãos muçulmanos nos sustenta e nos sustentará nesse caminho".
Durante a conversa também foi abordada a questão juridicamente e diplomaticamente delicada do controle dos Lugares Santos, "Para nós, pensa o Santo Padre. Ele sabe o que precisa ser feito. O ponto de vista do Santo Padre é o nosso ponto de vista", respondia a respeito o patriarca para seu interlocutor atônito.
No momento da despedida, Atenágoras justificou a modéstia de sua sede com palavras que aumentaram a admiração e a surpresa do embaixador "Esta sede modesta não me preocupa", disse Atenágoras. "Essa é a menor das minhas preocupações. Eu me sinto no Vaticano. Lá é a nossa casa. Aliás, para ser mais exato, eu me sinto no Castel Gandolfo, perto daquele grande, daquele espírito superior, daquele generoso, daquele profeta", portanto, sempre perto de Paulo VI (que transcorria os meses de verão na residência pontifícia de Castel Gandolfo) .
Ao relatar todos os detalhes dessa reunião, o representante italiano não deixou de transmitir ao ministro Fanfani a sua impressão vívida em relação a Atenágoras, ''personagem um tanto desconcertante, pelo menos para nós, que somos tão acostumados ao comportamentos contidos, em gestos e palavras, dos nossos eclesiásticos".
Ao mesmo tempo, o diplomata confessou-se conquistado pela forma de ser, arrojado e bem-humorado, o chefe da ortodoxia. "Enquanto se agitava e falava na minha frente, eu me perguntava: mas ele é o Chefe da Igreja ortodoxa, ou mais um simples sacerdote católico do interior, misticamente deslumbrado pelo Pontífice? Ou talvez - continuava o embaixador concluindo a sua avaliação – a Divina Providência, nos seus desígnios imperscrutáveis, serve-se justamente de tais figuras para realizar seus planos mais ousados? Porque uma coisa parece-me fora de dúvida: este homem está se movendo na direção certa (...) o caminho que ele indica na atual crise espiritual do mundo é o caminho certo; nele podem se reconhecer e identificar todas as pessoas de boa vontade, aquelas de consciência religiosa e aquelas de consciência moral".
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A visita de Paulo VI à Turquia no relato de testemunhas e jornalistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU