10 Julho 2017
Se bastasse olhar para o tratamento da imprensa e das mídias sociais para julgar a reação católica ao Papa Francisco, seria fácil pensar que se trata de uma guerra de tudo ou nada entre apoiadores devotos e críticos fanáticos. Nas trincheiras, porém, o que se encontra é um verdadeiro espírito de entusiasmo e lealdade, com algumas críticas em pontos específicos, dependendo do que é mais importante para cada um.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 9-07-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Imagem: Crux
No sábado, os Romanos acordaram com uma imagem provocativa fitando-os das bancas de revistas da redondeza. Na capa da última edição da revista Millennium, publicada pelo jornal Il Fatto Quotidiano, aparecia uma representação tradicional de São Sebastião com flechas saindo de seu corpo, mas com a cabeça do papa, sob o título: "Os Inimigos do Papa Francisco: veja quem quer forçá-lo a renunciar".
Esta não é a primeira vez que uma publicação italiana apresenta supostos inimigos do pontífice, tanto dentro do Vaticano quanto na hierarquia, mas o discurso desta vez foi bastante tenso.
O título dentro da revista era: "Muito inimigo para um só papa: veja quem está tramando fazer Francisco renunciar", enquanto um comunicado de imprensa do editor Peter Gomez referiu-se a uma "guerra verdadeira e real" sendo planejada contra o pontífice por "cardeais poderosos, ex-maçons escandalizados e formadores de opinião com fortes relações políticas".
Em sua maioria, o artigo listou episódios já bem documentados, como a intervenção de Francisco aos Cavaleiros de Malta e o caso do "Vatileaks 2.0", com um tom maquiavélico de que essas são expressões de uma oposição subjacente ao papa, projetada para dificultar a sua vida a ponto de ele acabar decidindo se afastar.
Ao avaliar o comportamento da imprensa como neste caso ou acompanhar a discussão católica nas mídias sociais, muitas vezes seria fácil concluir que as opiniões sobre Francisco agrupam-se em duas áreas opostas, cada uma com posições bastante extremistas - ou um vigoroso "Hosana" para tudo o que ele diz e faz, ou um "não" igualmente enfático para tudo o que se percebe que ele representa.
Por obra do destino, enquanto os editores da Millennium estavam preparando sua capa, eu estava em Orlando, na Flórida, para um evento chamado "Convocação dos Líderes Católicos", reunindo quase 3.500 bispos, clérigos e líderes religiosos e leigos, alguns deles advindos de organizações católicas de nível nacional, mas a maioria de dioceses e paróquias em todos os EUA.
Em outras palavras, foi uma reunião em que estavam representados todos os tipos de católicos praticantes, convencionais, elementares, dos Estados Unidos.
A maioria sabia do meu trabalho, então eu tive conversas sobre Francisco ao menos trinta vezes durante os quatro dias: algumas muito breves, outras longas, muitas nem longas nem breves. Não me propus a fazer uma avaliação científica das opiniões, mas considerando impressões anedóticas é possível que fosse uma amostra bastante saudável.
De longe, o comentário inicial que eu mais ouvi - dos bispos, do clero, dos leigos, de todos - era algo do tipo: "Ele é ótimo", "ele é fantástico", "eu o amo". Como disse o cardeal Tim Dolan, de Nova York, de forma tipicamente colorida: "Temos Joe DiMaggio como papa e ele está em uma sequência de rebatidas de 56 jogos".
Algumas pessoas se contentaram em deixar assim. Em muitos casos, no entanto, esse entusiasmo fundamental veio com um "mas".
Alguns, por exemplo, me disseram que o Papa Francisco fala demais e que eles gostariam que ele fosse um pouco mais moderado. O arcebispo Joseph Naumann, de Kansas City, no Kansas, disse que ouviu as pessoas dizendo: "Ele não deveria dar conferências de imprensa acima de uma certa altitude", uma brincadeira em referência às lendárias conversas soltas do pontífice com repórteres a bordo do avião papal depois de viagens no exterior.
Outros expressaram preocupação com pontos doutrinários específicos - a cautelosa abertura do papa à comunhão para os divorciados e recasados na Amoris Laetitia, por exemplo, ou rumores em Roma de que Francisco pode designar uma comissão para reavaliar Humanae Vitae, o documento de Paulo VI de 1968 sobre contracepção artificial.
(A ideia de que o ensino de Humanae Vitae poderia ser revisado parece um tanto remota, sendo que Francisco já elogiou Paulo VI várias vezes pelo "vigor em defender a abertura à vida", como ele disse nas Filipinas, em 2015. É justamente essa a questão de boatos: as pessoas não sabem exatamente no que acreditar.)
Outros me disseram que acham que o papa tem um "olho cego" para os escândalos de abuso sexual, ou as mulheres, e outros se preocupam que sua fala voraz sobre a reforma do Vaticano não pareça equivalente às ações. Outros ainda disseram que gostariam que ele fosse mais cuidadoso na imigração, mais ousado em questões pró-vida, e assim por diante, dependendo do tópico que animasse mais determinada pessoa e da sua avaliação sobre o papa.
No fundo, não houve muita polarização entre as pessoas com quem falei em Orlando. Quase todos concordaram que Francisco tem sido bastante saudável para a Igreja, mudando sua imagem pública, atraindo interesse positivo e criando oportunidades missionárias, e também inspirando a Igreja a sair de qualquer tentação autorreferencial de olhar para o próprio umbigo e a entrar no jogo.
Com certeza, ninguém que encontrei seria um "inimigo" que tramaria para que Francisco deixasse Roma.
E também não são bajuladores. A maioria dos católicos com quem falei acham que este papa, assim como outros que eles já presenciaram, tem suas falhas, fraquezas e áreas que não conhece tão bem. Ao dizer isso, ninguém estava desejando seu mal ou se opondo a ele de forma ferrenha - era mais um reconhecimento saudável de que os papas não são deuses, e essa lealdade não significa fingir ser surdo, burro ou cego ao tomar (ou não) decisões prudenciais e discutíveis.
Onde eu quero chegar é que é possível que tenhamos uma incompatibilidade entre o debate público sobre Francisco e a realidade.
Para o público, muitas vezes parece ser uma guerra oito ou oitenta, tudo ou nada, entre torcedores e adversários. Na verdade, parece mais um ir e vir de apoiadores básicos (deste e de qualquer papa), que percebem que mesmo um grande líder pode ter lacunas e são inteligentes o suficiente para saber que a lealdade crítica tem maior valor para a Igreja, e para o próprio papa, do que a bajulação efusiva ou a hostilidade cega.
Francisco é famoso por pedir que a Igreja "saia da sacristia e vá para a rua". Na mesma linha, eu diria que para saber o que a maioria dos católicos realmente acham de Francisco, deve-se sair do Twitter e entrar nas trincheiras.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Interessado na reação católica a Francisco? Saia do Twitter e entre nas trincheiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU