12 Junho 2017
Na sexta-feira, 9 de junho, o Papa Francisco participou de uma cerimônia de inauguração da sede vaticana do “Scholas Occurrentes”, grupo dedicado a construir redes de escolas ao redor do mundo. Como o Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Francisco está institucionalizando aqui a sua visão, certificando-se de que as iniciativas para promover o ativismo social e ouvir as vozes da base sobreviverão ao seu papado e que formarão parte de seu legado.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 10-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O Papa Francisco já passou dos 80 anos e não muito tempo atrás chegou ao seu quarto aniversário à frente da Cátedra de Pedro. E embora ele não venha mostrando absolutamente nenhum sinal de enfraquecimento, é natural que as pessoas comecem a se perguntar sobre qual será o seu legado de longo prazo.
Hoje, claro está que a visão que Francisco tem de Igreja é uma visão complicada. Porém, nela, há dois elementos que são essenciais: o desejo de fomentar o ativismo social, especialmente nas formas diretas e concretas de serviço, e pôr os pobres numa posição em que sejam ouvidos nas discussões sobre como resolver os problemas. A pergunta que se faz é: Como Francisco pode se certificar de que estas prioridades permaneçam firmes mesmo depois de ele se ir?
Parte da resposta a essa pergunta veio nessa sexta-feira, quando o pontífice inaugurou a sede vaticana do Scholas Occurrentes, grupo argentino dedicado a aproximar escolas ricas e escolas empobrecidas num espírito de parceria, iniciativa que ele apoiava em Buenos Aires em sua época de arcebispo e que trouxe consigo para Roma tornando-a uma marca mundial.
“Scholas Occurrentes” é uma frase em latim que significa “escolas se encontram” e obviamente faz parte do plano de Francisco para construir uma “cultura do encontro”. As primeiras escolas a se unir à rede mundial aderiram em 2013 num evento ocorrido no Vaticano que contou com estrelas como Lionel Messi e Gianluigi Buffon, marcando a ênfase do grupo nos esportes e na arte como uma forma aproximar os jovens.
Em 2015, Francisco elevou o grupo ao status de fundação canônica privada e aprovou os seus estatutos. Este apoio do papa vem também ajudando o grupo a atrair um apoio substancial do setor privado, incluindo grandes empresas como Google e IBM.
Atualmente, o Scholas tem sedes em Buenos Aires e no Vaticano, e planeja inaugurar uma terceira em Moçambique.
Na sexta-feira, o papa cimentou mais ainda o grupo ao ir até o Palácio de São Calisto, no bairro Trastevere, de Roma, onde ficam várias sedes dos dicastérios vaticanos. Na ocasião, ele inaugurou a sede permanente do Scholas Occurrentes.
Há um ano, pareceu que o ardor de Francisco para com o grupo tivesse esmorecido. A imprensa italiana publicou uma extensa carta que ele tinha escrito aos fundadores, pedindo que rejeitassem a doação de US$ 1.2 milhão feita pelo governo argentino, alegando que aceitar esse tipo de ajuda poderia levar o grupo a uma “inclinação escorregadia” para com a corrupção. No fim, o Scholas não ficou com o dinheiro.
Em princípio, o fato de o pontífice ter ido à inauguração da sede sugere que o grupo conta ainda com o seu pleno apoio. Honestamente, para muitos analistas vem sendo difícil saber exatamente o que o Scholas Occurrentes faz, além de organizar partidas amistosas de futebol no Estádio Olímpico de Roma, organizar sessões do Google Hangout com o Papa Francisco e grupos de estudantes, e ajudar algumas celebridades – como Richard Gere e Selma Hayek – a ter um momento face a face com o papa.
Na sexta-feira, Francisco participou novamente de Google Hangouts, falando com alunos e adultos da Itália, Espanha, EUA, México, Colômbia, Brasil, Paraguai, Haiti e Argentina. O papa pediu que eles sejam agentes de uma forma “humana” de globalização.
Essas numerosas demonstrações de apoio dadas pelo papa ao Scholas significam que um departamento dedicado à construção de uma rede mundial de escolas para promover a solidariedade e o bem comum se transformou numa estrutura permanente do Vaticano, algo que quase com certeza sobreviverá a Francisco e continuará sob o próximo que vier.
Para empregar uma linguagem eclesiástica clássica: o que está acontecendo é que estamos assistindo Francisco institucionalizar o seu próprio carisma.
Nesse sentido, o Scholas Occurrentes se assemelha ao Encontro Mundial dos Movimentos Populares – EMMP, outra iniciativa deste papa que se tornou permanente. Projetado para colocar lideranças eclesiásticas e políticas em diálogo com as bases, estes encontros reúnem sindicados, grupos ambientalistas, associações de sem-teto e sem-terra, e outros movimentos também de base.
O terceiro encontro desse tipo aconteceu em novembro no Vaticano, e Francisco também participou em um outro em 2015, na cidade de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, enquanto esteve de visita ao país. Em fevereiro passado, ocorreu uma versão regional do evento em Modesto, na Califórnia, sendo a primeira a acontecer nos EUA. O Cardeal Peter Turkson, de Gana, chefe do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, fez-se presente como enviado papal.
Francisco está profundamente comprometido com essas iniciativas. Antigamente, era costume que o discurso diplomático e político mais importante do papa no ano ocorresse numa audiência em janeiro com o corpo diplomata acreditado no Vaticano. Mas hoje está claro que, em ambientes como este, o papa volta-se mais aos pontos desenvolvidos pela Secretaria de Estado, com a sua verdadeira paixão e com suas prioridades pessoais emergindo nas falas que profere aos movimentos populares.
Em três anos, o EMMP e o Scholas Occurrentes já contam com uma infraestrutura e um plano básico de ação, e há motivos para crer que como outros eventos organizados pelo Vaticano – como o Encontro Mundial das Famílias – continuarão acontecendo por muito tempo depois que Francisco se retirar dos palcos.
O Encontro Mundial dos Movimentos Populares também, evidentemente, é uma expressão clássica da ideia de uma “cultura do encontro”.
Da mesma forma como a Jornada Mundial da Juventude é uma parte marcante do legado de São João Paulo II, e da mesma forma como o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização é uma marca integrante do Papa Emérito Bento XVI, esta sexta-feira pôs um ponto de exclamação no Scholas Occurrentes como um elemento definidor daquilo que o Papa Francisco deixará para trás.
Resta saber o que os papas futuros farão com estas novas instituições. Claro está, no entanto, que eles farão algo, pois estes espaços vieram para ficar.
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Estamos assistindo o Papa Francisco institucionalizar a sua visão de Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU