Por: André | 13 Junho 2016
Bergoglio ordenou não aceitar os 16 milhões e 666 mil pesos que o Governo doou à Fundação Scholas Occurrentes. A decisão aumentou novamente a tensão na relação entre o Governo e o Papa Francisco.
A reportagem é de Washington Uranga e publicada por Página/12, 12-06-2016. A tradução é de André Langer.
Em um gesto de indubitável repercussão política, o Papa Francisco ordenou aos responsáveis da Fundação Pontifícia Scholas Occurrentes para que não aceitem a doação de 16 milhões e 666 mil pesos que lhe foram outorgados há 10 dias pelo governo de Mauricio Macri com a finalidade de contribuir para a “manutenção da equipe profissional, da infraestrutura e do equipamento da sede central” da organização impulsionada por Bergoglio.
De maneira extra-oficial, sabia-se que a decisão tornada pública pelo Governo como um gesto de aproximação com Francisco caiu muito mal no Vaticano e deixou o Papa chateado. O sítio italiano Vatican Insider refletiu isso em uma nota que deu conta da perplexidade que a doação causou em Bergoglio e que mesmo no Vaticano pareceu uma brincadeira de mau gosto o fato de que a doação fosse de 16 milhões e 666 mil pesos, quando se sabe que “666” é “o número da besta”.
Agora, em uma carta com data de 09 de junho e dirigida a Marcos Peña, na sua condição de Chefe de Gabinete, os responsáveis pela Scholas Occurrentes, José María del Corral (presidente) e Enrique Palmeyro (secretário), comunicaram ao governo de Mauricio Macri que “considerando que há quem queira desvirtuar este gesto institucional feito no marco da Lei 16.698, com a finalidade de provocar confusão e divisão entre os argentinos, e de acordo com os comentários compartilhados por telefone, achamos por bem suspender a contribuição econômica não reembolsável destinada a cobrir os gastos com pessoal, infraestrutura e equipamento da sede central em nosso país”.
Colocando em relevo, no entanto, a necessidade de recursos que a fundação tem, os assinantes assinalam na mesma carta que “procuraremos obter este aporte necessário no imediato através dos organismos multilaterais de crédito e da ajuda de privados”.
A Fundação Scholas Occurrentes é uma rede mundial educativa que pretende promover a vinculação entre escolas de todo o mundo, compartilhar projetos, estabelecer alianças e cooperação, com a intenção de favorecer as escolas de recursos mais baixos propiciando uma educação sem excluídos. Os antecedentes da iniciativa remontam ao tempo em que Bergoglio era arcebispo de Buenos Aires, e sob o lema de “Escolas irmãs” impulsionou uma linha de ação que denominou “unir escolas, esportes populares e solidariedade”.
Por decisão e impulso do Papa, desde agosto de 2015 a fundação tem reconhecimento legal por parte do Vaticano e conta com uma direção formada por três argentinos: o bispo Marcelo Sánchez Sorondo e dois colaboradores próximos a Francisco: José María del Corral e Enrique Palmeyro.
Em 2014, por solicitação da hoje ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner, o Congresso aprovou a Lei 26.985 declarando de “interesse nacional” o projeto Scholas Occurrentes.
Um dos pontos que mais chateou o Papa sobre a doação foi que a determinação não lhe foi comunicada oficialmente, mas que tomou conhecimento do decreto assinado por Macri através da imprensa. Por esse mesmo motivo, Bergoglio fez saber também seu descontentamento a Palmeyro e del Corral, a quem teria reprovado o gesto assinalando que a Argentina tem outras necessidades mais urgentes e às quais o Governo deve atender.
O chefe de Gabinete, Marcos Peña, aceitou o pedido dos diretores da Scholas para anular a doação e respondeu com outro texto no qual assinalou que “sem prejuízo de tomar nota da suspensão proposta, ratificamos o compromisso do nosso Governo de acompanhar a Fundação na importante tarefa de impulsionar e defender os valores da paz, da inclusão e do encontro dos jovens de todo o mundo”.
A contrariedade de Francisco com a doação oficial aumentou após perceber que diversos porta-vozes da Aliança Mudemos procuraram apresentar o subsídio como uma forma de “reconciliação” com o Papa depois que a máxima autoridade da Igreja católica fez manifestações muito claras de distanciamento com o governo de Macri, incluindo seu gesto adusto nos apenas 22 minutos de audiência que lhe concedeu em 27 de fevereiro passado no Vaticano.
Sobre a doação à Scholas, Juan Grabois, um dirigente social muito próximo ao Papa, disse ao Vatican Insider que quem “pensa que por dar dinheiro, especialmente recursos públicos, a uma fundação, escola, ONG, cooperativa ou movimento popular pelo simples fato de estar direta ou indiretamente vinculado ao Papa, está fazendo um ‘gesto a Francisco’ é realmente um imbecil, além de corrupto e prevaricador”.
No sábado, foi divulgada a notícia de que Grabois, líder da Confederação da Economia Popular e do Movimento de Trabalhadores Excluídos (TEM), foi nomeado pelo Papa como consultor do Pontifício Conselho da Justiça e Paz. Este organismo vaticano, integrado majoritariamente por leigos, trabalha para “a formação entre os povos de uma sensibilidade sobre o dever de promover a paz” e desenvolver ações pela justiça no mundo.
Uma vez conhecida a sua nomeação, Grabois disse que “este é um reconhecimento para a tarefa dos movimentos populares e um estímulo para continuar trabalhando, como fiz até agora, pelos direitos dos mais pobres”.
O dirigente é uma pessoa da confiança de Bergoglio desde quando o agora Papa era arcebispo de Buenos Aires e tem uma ativa presença em organizações sociais de favelas e bairros pobres da Grande Buenos Aires, trabalhando com carrinheiros, vendedores ambulantes, camponeses, costureiros, artesãos e operários de empresas recuperadas.
Já em Roma, Francisco confiou a Grabois a organização dos encontros de movimentos populares que o Papa presidiu em Roma em outubro de 2014 e em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, em julho de 2015. O agora consultor da Justiça e Paz é também professor de Teoria do Estado na Universidade de Buenos Aires (UBA) e de prática profissional na Universidade Católica Argentina (UCA).
Fonte: http://bit.ly/1S1e9UT |
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