07 Junho 2017
“A Igreja deve se envolver na grande política”. Disso está convencido o Papa Francisco. Para ele, “não cabe o ditado do Iluminismo que diz que a Igreja não deve se meter na política”. Porque, citando Paulo VI, “a política é uma das formas mais nobres da caridade”. Com esta premissa, os bispos latino-americanos agendam um encontro inédito com políticos e governantes da região: expoentes de diversos partidos, da situação e da oposição, dos países convocados, inclusive da convulsionada Venezuela.
A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada por Vatican Insider, 06-06-2017. A tradução é de André Langer.
A data e o local já foram definidos: de 01 a 03 de dezembro em Bogotá. Na capital colombiana está a sede do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), organizador do encontro junto com a Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL), do Vaticano.
“Queremos proporcionar uma mesa de diálogo. Não vamos ter conferências, mas espaços de reflexão que nos permitam abrir caminhos para que os nossos povos vivam mais em paz, que se busque o bem comum, o desenvolvimento, a igualdade e que os governos sejam mais justos”, explicou Juan Espinoza, secretário-geral do Celam e bispo auxiliar de Morelia, no México.
A ideia surgiu durante a assembleia plenária da CAL em março de 2016, que teve como lema “O indispensável compromisso dos fiéis leigos na vida pública dos países latino-americanos”. Ao final dessa reunião, o Papa dirigiu um discurso e, na sequência, enviou uma emblemática carta ao presidente da comissão, o cardeal Marc Ouellet.
Nessa carta, o Pontífice disse aquela memorável frase: “É a hora dos leigos, mas parece que o relógio parou”. Arremeteu contra o clericalismo que “anula a personalidade dos cristãos” e partiu uma lança a favor da autonomia dos leigos, que nunca devem ser considerados simples “mandaderos” das obras eclesiais.
“Essa carta dá margem a este encontro”, indicou o cardeal José Luis Lacunza Maestrojuán, bispo de Ciudad David (Panamá) e presidente do Comitê Econômico do Celam. “Cuidado para que não se transmita a falsa ideia de que a Igreja vai ressuscitar um partido político católico ou cristão; trata-se que o católico, onde estiver, no partido em que estiver, atue a partir da sua fé. Esse é o objetivo fundamental”, precisou.
O cardeal reconheceu como paradoxal que na América, um continente majoritariamente católico, exista uma “dicotomia” entre fé e vida pública. Uma espécie de “dupla vida” entre a crença da maioria do povo e as estruturas políticas, econômicas e, inclusive, dentro das famílias.
“A Igreja tem sua responsabilidade nisso, não tenho a menor dúvida. Eu não jogo a culpa no outro lado, creio que nós, especificamente no caso político e empresarial, os pastores, nos afastamos. Deixamos de lado aqueles que trabalham nestes campos e, muitas vezes, os injuriamos, criticamos, sem oferecer-lhes acolhida, espaço de diálogo, talvez ficamos com medo de nos envolver nisso”, aceitou.
Agora, os bispos latino-americanos querem dar um passo em uma direção diferente. “Não que a Igreja queira unificar um partido, mas deseja impulsionar a consciência dos católicos que devem viver a fé nos lugares onde estão, neste caso, os políticos que sejam testemunhos de fé ao defender os direitos de todos”, disse Espinoza.
Mas o encontro de dezembro próximo constitui uma novidade. Caso venha a acontecer da maneira como foi concebido, apresentará uma variedade interessante. Trabalha-se já há meses na sua organização. Não será um encontro com muita gente; cerca de 100 pessoas deverão ser convidadas: 20 do mundo eclesial, entre bispos e cardeais, e o restante serão políticos.
Os nomes dos escolhidos ainda não foram divulgados, sobretudo, porque muitos convites ainda não foram feitos. E antes de publicar qualquer coisa se deve contar com o beneplácito dos interessados. “Não importa a que partido pertençam: da situação ou da oposição, da esquerda ou da direita, o importante é que sejam católicos”, revelou Lacunza.
A Conferência Episcopal de cada país propôs uma lista de candidatos. A escolha final estará a cargo do Celam e da CAL. Países grandes como o Brasil, a Argentina ou o México poderão ter até oito representantes. Os demais terão em torno de três.
“A ideia é saber o que eles esperam da Igreja e o que a Igreja pode esperar deles. Definir o que os pastores vão pedir aos políticos e os políticos aos pastores, como se pode colaborar em comum para mudar o rosto de nossos povos”, apontou o cardeal panamenho.
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A Igreja latino-americana deve se envolver na “grande política” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU