19 Mai 2017
À medida que o planeta se aquece, estudos apontam diminuição dramática do desmatamento em áreas amazônicas de posse de comunidades nativas. Mas turbulência política dificulta luta pelo direito à terra.
A reportagem é publicada Deutsche Welle, 17-05-2017.
Há séculos as terras indígenas são campos de guerra, onde interesses conflitantes lutam pela riqueza contida nelas. Em muitos casos, as tribos que as habitavam originalmente se transformaram em guerreiras no sentido mais amplo do termo: lutam para defender seus territórios tradicionais.
Embora os povos indígenas representem apenas 5% da população mundial, as regiões que habitam contêm cerca de 80% da biodiversidade e são muito ricas em recursos naturais. Mas tanto a propriedade como o controle dos territórios nativos seguem mal definidos, em amplas áreas da Ásia, África e América Latina.
Numa época que coloca a mudança climática global em foco, os povos indígenas sustentam que assegurar suas terras é crucial, não apenas para as próprias comunidades, mas também para a proteção do clima. Pois as florestas desempenham um papel vital no ecossistema do planeta, ao isolar o dióxido de carbono da atmosfera, limitando assim o aquecimento global.
O Acordo de Paris marcou um maior reconhecimento dos direitos das comunidades nativas e seu papel na proteção do clima e na luta contra a mudança global. No entanto, protestos e conflitos violentos em várias partes do Brasil mostraram que os direitos indígenas à terra permanecem sendo fonte de um conflito no qual o próprio planeta pode estar em jogo.
Um relatório de 2016 indicou que os povos nativos são os melhores protetores do capital natural da Terra, pois num período de 15 anos, as taxas de desmatamento nos territórios indígenas foram menos de um décimo do praticado no resto da Amazônia brasileira.
Em fevereiro deste ano, outro estudo veio reforçar essa teoria, ao mostrar que conceder a posse a comunidades nativas da Amazônia peruana resultou em maior proteção da floresta. “Num prazo de dois anos, o desflorestamento nas áreas analisadas foi reduzido em três quartos, a degradação florestal, em dois terços”, comentou à DW o principal autor do estudo, Allen Blackman.
Segundo ele, haveria duas razões para tal. O controle mais rigoroso da propriedade, em geral, acarreta uma regulamentação mais eficaz do desmatamento ilegal. E também aumenta a pressão pública por parte de grupos ambientalistas ou da mídia.
Embora se registre um incremento geral do grau de reconhecimento oficial dos direitos à terra dos indígenas, o instituto não lucrativo de pesquisa Imazon revela haver cerca de 160 mil requerimentos de posse de terras amazônicas aguardando regularização. O Imazon conclui que deferir esses pedidos contribuiria grandemente para a implementação de medidas mais sustentáveis na região.
A relação entre concessão de terras e maior proteção florestal não é um ponto pacífico. Steven Lawry, do Centro de Pesquisa Florestal Internacional cita o derrubamento extensivo de árvores por nativos do norte do Canadá como um nítido exemplo em contrário.
“Essas práticas madeireiras não estão de acordo com a ideia que algumas pessoas têm da relação das comunidades indígenas com o ambiente natural.” No entanto, a proteção climática não deve ser a única razão para conceder terras aos povos locais: os direitos humanos devem ser a base principal.
Assim, a preocupação com o clima não pode fazer esquecer os problemas sociais, econômicos e de saúde pública enfrentados pelas tribos. “Vamos sugerir que, se uma comunidade indígena obtiver a escritura e começar as árvores, deve-se retirar dela o direito à sua terra? Espero que não.”
Desde 1980, o Brasil concedeu mais de 300 áreas legalmente reconhecidas a comunidades indígenas, que podem usar as florestas para seus fins e decidir interditar a monocultura de soja ou a mineração de ouro.
No entanto, eventos turbulentos na política brasileira têm posto esses direitos em jogo, e com ele a proteção ambiental como um todo, acredita Edwin Vasquez, presidente da Coordenação das Nações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica, na sigla em espanhol). De fato, a instabilidade política no Brasil tem sido vista como causa importante do incremento do desmatamento em 2016, após vários anos de declínio.
Temendo a perda de seus direitos e em protesto contra novas ameaças regulamentares propostas, milhares de indígenas tomaram as ruas de 24 a 28 de abril. Alguns protestos se transformaram em confrontos violentos, com numerosos feridos graves.
“Os direitos que detemos foram alcançados pelas exigências dos povos indígenas, não por vontade política”, frisou Vasquez, em entrevista à DW. “Agora apelamos para que sejam cumpridos.”
Ele explica que as comunidades não são contra o progresso, mas querem ser consultadas sobre o gerenciamento de seus territórios. E essa é a melhor forma de desaquecer o planeta, afirma: “Se eles nos escutarem e respeitares os nossos direitos, podemos contribuir grandemente para cumprir as metas do Acordo do Clima de Paris.”
Mas para tal, as figuras governamentais de todo o mundo têm que agir coerentemente, parando de fomentar o desflorestamento para fins de mineração e extração de petróleo. “Eles apoiam a proteção e conservação, mas também a devastação pelo assim chamado progresso”, criticou Vasquez. “Vamos ser consequentes.
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Indígenas como protetores do clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU