05 Mai 2017
Um combateu as perseguições, os abusos e o horror da prisão por parte do regime comunista no Vietnã com a oração e o perdão aos seus carrascos; o outro defendeu e socorreu com todas as suas forças as vítimas dos dois conflitos mundiais que dilaceraram a Itália e a Europa, esforçando-se para salvar a diocese de Florença e aliviar os sofrimentos das pessoas. Os dois cardeais – Francesco Saverio Nguyen Van Thuân e Elia Dalla Costa –, figuras de destaque da Igreja do século XX, foram declarados, nessa quinta-feira, “veneráveis”' pelo Papa Francisco, que reconheceu as suas virtudes heroicas na audiência ao cardeal prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, Angelo Amato. Além desses, foram autorizados inúmeros outros decretos.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 04-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Van Thuân tinha o martírio no DNA: em 1885, todos os habitantes do vilarejo natal da sua mãe, Elisabeth, foram queimados na igreja paroquial. Apenas o avô escapou do massacre, na época estudante na Malásia. Os parentes do lado paterno também foram vítimas de perseguição por quase dois séculos. A família permaneceu, no entanto, fiel à Igreja e nunca renunciou à fé cristã, que foi transmitida ao jovem François Xavier graças principalmente à avó que, embora analfabeta, ensinou-lhe a rezar e a recitar o terço, e à mãe, que lhe contava as histórias da Bíblia ou os testemunhos dos mártires, especialmente dos seus antepassados.
A vocação sacerdotal foi quase uma consequência natural para François Xavier, que foi ordenado em 11 de junho 1953, concluindo os estudos em Roma, com a licenciatura em Direito Canônico e continuando o seu serviço no Vietnã como professor, reitor do seminário, vigário-geral e bispo de Nha Trang.
Paulo VI o nomeou arcebispo titular de Vadesi e coadjutor de Saigon em 1975. Justamente essa nomeação foi a “causa” da sua prisão: os comunistas que chegaram em Saigon o acusaram de ser o peão de um “complô entre o Vaticano e os imperialistas”. Ele acabou na prisão, onde permaneceu por 13 anos, até 21 de novembro de 1988, sem julgamento nem sentença, passando nove anos em isolamento.
Foi por trás das grades que Van Thuân começou a escrever uma série de mensagens à comunidade cristã, graças à ajuda de uma criança que, às escondidas, passava-lhe as folhas de papel que, depois, ele levava aos seus irmãos e irmãs, que as copiavam e divulgavam as mensagens. Foi assim que nasceu o livro “O milagre da esperança” (Ed. Paulinas, 2006). O mesmo aconteceu em 1980, na residência obrigatória em Giangxa, no Vietnã do Norte, quando, sempre à noite e em segredo, ele escreveu o seu segundo livro, “O caminho da esperança à luz da Palavra de Deus e do Concílio Vaticano II” e, depois, o terceiro: “Os peregrinos do caminho da esperança”. Seguiram-se muitos outros livros, mas, depois, em Roma, em outra vida.
Primeiro, ele teve que sofrer as transferências subsequentes de uma prisão a outra, a viagem em navio com 1.500 prisioneiros famintos, o campo de reeducação nas montanhas de Vinh-Quang com outros 250 reclusos desesperados. Nos anos de isolamento, ele alimentou a fé com pedacinhos de papel nos quais escreveu mais de 300 frases do Evangelho (não lhe foi autorizado levar a Bíblia consigo) e com a Eucaristia celebrada com três gotas de vinho e uma de água na palma da mão. Todos os dias, às 15 horas, ele dizia a missa sozinho, cantava hinos e salmos em latim, francês e vietnamita.
Essa atitude tocou os seus carcereiros, a ponto de terem lhe pedido para ensinar as línguas aos agentes de polícia. Na prisão, também conseguiu criar pequenas comunidades cristãs que se reuniam para rezar juntas e, à noite, quando possível, permanecer em adoração diante da Eucaristia. Uma vez, nas montanhas de Vĩnh Phú, ele pediu permissão para cortar um pedacinho de madeira. Com ele, fez um crucifixo, que completou com um pedaço de fio elétrico, a partir do qual fez uma corrente para pendurá-lo no pescoço. Van Thuân trazia essa cruz sempre consigo, mesmo depois que João Paulo II o criou cardeal em 21 de fevereiro de 2001, quando a libertação já era uma recordação distante.
Wojtyla, um ano antes, também quis que ele pregasse os Exercícios Espirituais de Quaresma no Vaticano. “No primeiro ano do terceiro milênio, um vietnamita pregará os Exercícios Espirituais à Cúria Romana”, disse-lhe. Em 1998, ele também o tinha nomeado presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, cargo que manteve até 16 de setembro de 2002, depois de uma longa doença. Ele tinha 74 anos.
O cardeal Dalla Costa foi mais longevo: morreu aos 89 anos. Anos, esses, todos dedicados ao serviço aos outros, especialmente às vítimas das duas trágicas guerras do século XX. Como pároco em Schio – onde permaneceu por 12 anos – na província de Vicenza, onde nasceu, ele esteve na vanguarda dos socorros, organizando a acolhida dos feridos, dos refugiados e dos soldados de retorno do fronte. Por causa dessa obra, foi-lhe conferida a Cruz de Cavaleiro da Coroa italiana e, em 23 de maio de 1923, foi nomeado bispo de Pádua, onde reformou mais de 50 igrejas paroquiais e canônicas, destruídas ou danificadas pelos eventos bélicos.
Em 19 de dezembro 1931, recebeu a nomeação a arcebispo de Florença. Com ele, refloresceu a vida espiritual da Cidade do Lírio, e o seu impulso pastoral aproximou vários intelectuais e homens de cultura, como Giorgio La Pira. Nos cinco anos da Segunda Guerra Mundial, ele se opôs a violências, delações, deportações, estupros, torturas e fuzilamentos, de qualquer parte que viessem. Desceu pessoalmente às estradas bombardeadas para socorrer os feridos e rezar pelos mortos; ativou-se com todos os meios possíveis para salvar a vida de condenados políticos e, especialmente, judeus, salvando mais de 300: 110 judeus italianos e 220 estrangeiros. Em novembro de 2012, foi reconhecido como “Justo entre as Nações” pelo Yad Vashem, o Museu do Holocausto de Jerusalém.
Em Pádua, depois da guerra, também começou a reconstruir igrejas e casas paroquiais destruídas e a fortalecer novamente a comunidade eclesial, abalada pelos lutos e pelos sofrimentos. Viveu apartado, pobre e em oração os três últimos anos da sua vida. Morreu na manhã de 22 de dezembro de 1961, deixando muitos escritos. Em janeiro de 1981, nos 20 anos da sua morte, a diocese de Florença iniciou a causa de beatificação, que, com o reconhecimento das virtudes heroicas por parte do Papa Francisco, marca um novo passo.
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Van Thuân e Dalla Costa: cardeais corajosos contra os totalitarismos são declarados 'veneráveis' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU